sábado, 14 de setembro de 2013

Quem autorizou o senhor a morrer?


Os 26 mil habitantes de Biritiba-Mirim, na Grande São Paulo, foram proibidos de morrer, pois o prefeito Roberto Pereira da Sil­va, do PSDB, conhecido como “Jacaré”, havia enviado à Câmara Municipal dessa cida­de um projeto de lei, a fim de propor isto. Biritiba-Mirim é dona de um só cemitério, que está superlotado, com túmulos até nos seus corredores. Jazi­gos foram ocupados por mais de duas famílias e polêmica resolução federal impedia o prefeito de mandar construir uma nova necrópole, devido a questões ambientais. Eis o começo do projeto:

“Roberto Pereira da Silva, prefeito municipal de Biritiba-Mirim, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu promulgo a seguinte lei:

            Artigo 1º - Fica proibido morrer em Biritiba-Mirim.

            Parágrafo único. Os infratores responderão pelos seus atos.

            Artigo 2º - Esta lei vigorará até a construção de um novo cemitério municipal.

            Artigo 3º - Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”.

Depois de concluir a leitura do projeto, lembrei-me de um verso da Divina Comédia de Dante Alighieri, o 46 do canto III do ln­ferno: ­

            “Questi no hanno speranza di morte”

            ("Estes não tem a esperança de morrer")

O poeta italiano, nessa passagem, mostra uma multidão desesperada, a agitar-se no vestíbulo do reino dos demônios. Apenas a morte a libertaria, trazendo-lhe a paz... Como esses condenados descritos por Dante, os biritibanos jamais poderiam ir para a cidade dos pés juntos. A lei os obrigaria a permanecer vivos. Se um deles parasse de respirar, o prefeito Roberto lhe faria esta pergunta:

            -Quem autorizou o senhor a morrer?

            Resposta do defunto:

            -Aconteceu, prefeito, eu não tenho culpa.

            -Tem sim. O senhor violou o artigo 1º da Lei Anti-Defunto.

            -Juro, doutor Jacaré, aconteceu.

            -Se o senhor esticou a canela, foi porque também desrespeitou o artigo 3º da referida lei, que determina que os munícipes, para não morrer, deverão cuidar da saúde.

            -Mas eu estava com saúde perfeita! Morri de repente.

            -E quem mandou o senhor morrer de repente?

            -Aconteceu, sei lá!

            -Olhe, as suas palavras não me convencem. Então o senhor não sabia que aqui, em Biritiba-Mirim, é proibido morrer?

-Eu sabia, doutor Jacaré, eu sabia, mas repito, aconteceu!

            -Ouça, o parágrafo único do artigo 1º da Lei Anti-Defunto especifica que os infratores responderão pelos seus atos. Portanto, eu or­deno: volte a viver. Ressuscite, vamos!

-Doutor Jacaré, como é que eu vou fazer tal coisa?

-Ressuscite, não seja teimoso!

-Juro, eu não consigo, não consigo!

-Trate de dar um jeito. Peça a ajuda do salvador do Brasil, o Lula.

-Se eu fizer isto, morrerei mais uma vez.

Aí, nesse momento, o prefeito se enfureceria, chamaria um policial e berraria:

-Prenda esse defunto estúpido! Eu lhe ofereci a chance de ressuscitar e ele não quis. Que fique na cadeia, até o dia do seu jul­gamento!

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