quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Jair Bolso Reacionário declarou: ele não é troglodita


Segundo o Dicionário de usos do Português no Brasil, de Francisco S. Borba (Editora Ática, 2002, página 1.580), a palavra troglodita, além de designar o habitante das cavernas, na época da Pré-História, pode ser aplicada a pessoas de comportamento primitivo, de natureza selvagem, a pessoas brutas, violentas, animalescas.
Entrevistado por Matt Sandy para a revista americana Time, o senhor Jair Bolsonaro, aliás, Jair Bolso Reacionário, declarou de modo firme:
– Não sou troglodita.
Eu pergunto se é bruto, troglodita ou não, esse homem que na sua visita a Eldorado de Carajás, no sudoeste do Pará, deu apoio ao massacre ocorrido naquela região, em 1996, de dezenove trabalhadores rurais sem-terra, por elementos da polícia.
Repito se é bruto, troglodita ou não, o ex-capitão do Exército, autor desta frase:
“O erro da Ditadura de 1964 foi o de torturar e não matar.”
Ele afirmou isto no programa Pânico, da rádio Jovem Pan, em julho de 2016. Ora, na frase nazista do Bolso Reacionário já existe um erro berrante, porque a Ditadura não apenas torturou. Ela torturou e matou. Basta citar aqui as mortes barbaras dos jornalistas Mário Alves de Souza Vieira, Joaquim Câmara Ferreira, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, assassinados sob torturas em 1970 e 1971, no Governo Médici. E o fim dramático, idêntico ao das tragédias gregas, do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura nas dependências do DOI-CODI, em 25 de outubro de 1975, durante o Governo Geisel. Evoquei esses crimes no meu livro Cale a boca, jornalista!, já na sexta edição, lançada pela editora Novo Século.
Quando li a frase nazista do Bolso Reacionário me lembrei do seguinte trecho da Bíblia, que se acha no Velho Testamento:
“Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico, capítulo 19, versículo 18).
Volto a indagar se é ou não é bruto, troglodita, o autor desta confissão feita em 2002, na Câmara Federal:
“Se chegar a ver dois homens se beijando na rua, vou bater neles”.
Portanto, no caso de um pai de idade madura beijar um filho de vinte anos numa via pública, e o rapaz beijar também o pai, os dois vão imediatamente levar porradas do Bolso Reacionário... Após ler a declaração cretina do nosso Adolf Hitler, veio à minha mente mais algumas palavras da Bíblia, registradas no versículo 5 do capitulo 3 do Livro de Sofonias: “o injusto não conhece a vergonha”.
Percorrendo a Bíblia, tive a impressão de contemplar o Bolso Reacionário no versículo 4 do capitulo 36 do Livro dos Salmos. Eis o trecho:
“No seu leito, maquina a perversidade, detém-se no caminho que não é bom, não se despega do mal.”
Consulto mais uma vez a Bíblia e leio no versículo 23 do capitulo 6 da Epístola aos Romanos: “o salário do pecado é a morte”.
Todos nós somos pecadores, mas o senhor Jair Bolso Reacionário tem pecado em excesso, bebeu demais o vinho ácido do pecado, que arruína a alma e a enfurece. Cuidado, senhor Bolso Reacionário, cuidado! Essa afirmativa do Livro dos Salmos é uma ameaça à sua pessoa. Memorize: “o salário do pecado é a morte”. Quem o está ameaçando, não sou eu, é a Bíblia, o livro que contém a justiça, a lei, os castigos de Deus. Aliás, Bolso Reacionário rima com salário.
O senhor Jair pecou muito ao atacar brutalmente a deputada Maria do Rosário, do PT, em dezembro de 2014. As suas ofensas contra ela foram as de um troglodita feroz, ávido de sangue, se um troglodita desse tipo pudesse se expressar na tribuna da Câmara Federal. Vou reproduzi-las:
“Maria do Rosário não merece ser estuprada, porque é muito ruim, muito feia, não faz o meu gênero, jamais a estupraria”.
Quanta selvageria! Pergunto como seria a reação de Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, parlamentares eloquentes de caráter, da época do Segundo Reinado de Dom Pedro II, ouvindo esse comentário imbecil, esse rugido de fera alcoolizada, essa frase cheirando a merda tríplice, a bosta de rato, porco e hiena?
A misoginia, o machismo desvairado do Bolso Reacionário, o incomensurável desrespeito à mulher, resplandecem como uma latrina cheia de merda dourada, neste trecho de uma palestra do troglodita da civilizada Campinas:
“Eu tenho cinco filhos. Quatro homens e uma mulher. Fraquejei ao ser pai dela”.
Vejam a grosseria, a irracionalidade. Imaginem a reação da filha do Bolso Reacionário, ao saber disso. Indago: então o avô dele fraquejou, ao tornar-se pai da mãe que o pôs no mundo? Outra pergunta: o Bolso Reacionário, que despreza tanto as mulheres, poderia ter sido gerado na barriga de um homem?
Em 2011, como deputado federal, ele admitiu:
“Sou preconceituoso, sim, e com muito orgulho”.
Os que se vangloriam de ser preconceituosos pertencem à Família Ódio, composta de perversos e degenerados, de inimigos da democracia e de adeptos fanáticos dos regimes de arbítrio.

domingo, 14 de outubro de 2018

Um ensaio fascinante


Gabriel H. Kwak, com o livro O trevo e a vassoura: os destinos de Jânio Quadros e Adhemar de Barros, prova que é um ensaísta admirável. Dono de estilo límpido e fluente, ele magnetiza o leitor desde a primeira até a última página da sua obra. Sim, magnetiza, pois tudo que narra, que evoca, que comenta, é curioso, inédito, muito interessante. O estilo de Gabriel nos traz à memória a seguinte frase de Voltaire, colocada no prefácio da comédia L'enfant prodigue:
"Todos os gêneros são bons, exceto o gênero tedioso.”
("Tous les genres sont bons, hors le genre ennuyeux”).
Para escrever esta obra ricamente documentada, o autor entrevistou 114 pessoas. Colheu os depoimentos de ex-secretários de Estado, como Erasmo Dias. e Raphael Baldacci; de ex-ministros, como Delfim Netto e Jarbas Passarinho; de ex-governadores, como Paulo Egydio e Laudo Natel; de políticos prestigiosos, como Mário Beni, Gastone Righi, Farabulini Júnior, João Mellão Neto e José Aparecido de Oliveira; de expoentes da nossa imprensa, como Mino Carta, Israel Dias Novaes, Marcelo Coelho, Ruy Marcucci, Carlos Brickmann, João de Scantimburgo, José Yamashiro. E fato digno de ser salientado: a copiosa documentação, em nenhum momento, prejudicou a fluidez da linguagem de Gabriel H. Kwak, não a tornou pesada, indigesta. Pelo contrário, fez o texto ficar ainda mais leve e atraente.
Gabriel adotou o método do inglês Lytton Strachey, o arguto biógrafo das figuras da era vitoriana. Lytton mostrou isto nos seus livros: do conjunto de pormenores, da arte de apresentar certos episódios aparentemente insignificantes, nasce a visão geral de tudo, o quadro completo de uma vida multifacetada. Como disse B. Ifor Evans, em A short history of english literature, o minucioso Lytton Strachey quebrou a tradição das "biografias piedosas" do século XIX. À semelhança de Fustel de Coulanges, o fundador da ciência histórica na França, esse biógrafo da pátria de Churchill achava que o começo da pesquisa, no setor da História, consiste em duvidar, verificar e procurar. Outra coisa não tem feito, nas suas notáveis investigações de assíduo frequentador de arquivos e bibliotecas, o brasileiro Gabriel H. Kwak, jornalista, historiógrafo, professor, autor de excelentes artigos publicados nas revistas IMPRENSA e Cultura do Direito, esta da Fundação Getúlio Vargas.
Gabriel revela, na "Nota explicativa”, que se inspirou no exemplo das Vidas paralelas de Plutarco, obra na qual este descreve a existência de 46 homens célebres, gregos e romanos. Sob o estimulo de ardente amor às minúcias, Lytton Strachey deve ter haurido inspiração em Plutarco.
Saboreando as deliciosas minúcias do livro de Gabriel H. Kwak, eu experimentei a impressão de ver outra vez, na minha frente, o meu amigo Jânio da Silva Quadros, de quem fui confidente. Ele, Jânio, parece saltar das páginas desta obra, como se estivesse vivo. A figura aqui descrita de Adhemar de Barros, que frequentava a casa do meu pai, Salomão Jorge, líder na Assembleia Legislativa de São Paulo, causa-me a mesma impressão. É a força do talento de Gabriel H. Kwak. O seu fascinante ensaio confirma o juízo de Ramalho Ortigão, expresso no volume III de As farpas: “Uma biografia não pode ser outra coisa senão a investigação a posteriori das influências biológicas e sociais que, incidindo no individuo, determinam a série de movimentos a cujo conjunto se chama um destino.”