sábado, 24 de outubro de 2020

Marta Suplicy não gostou de mim...


É verdade, amigo leitor, a Marta Suplicy não gostou de mim. Vou explicar o motivo. Quando ela foi candidata a prefeita de São Paulo pela segunda vez, a produção do programa “Resumo da Ópera”, dirigido pelo excelente comunicador Fernando Mauro e apresentado todas as sextas-feiras pela TV Aberta, Canal 9, das sete às oito da noite, convidou-me para ser um dos seus entrevistadores. Aceitei o convite.

Além de minha pessoa, mais três jornalistas compareceram, a fim de formular perguntas à candidata. Programa ao vivo, com grande audiência. Fernando Mauro é um comunicador nato, muito simpático, inteligente. Ele sabe conduzir o “Resumo da Ópera” de maneira firme, imparcial, e prender a atenção dos telespectadores.

Marta Suplicy se sentou a pouca distância do mediador. Ela estava vestida de forma discreta, mas notei que os seus pés, calçados com sandálias brancas, achavam-se empoeirados, não vou dizer sujos. Ao ver o meu olhar fixo nos seus alvos pés, ela os escondeu. Decerto, na sua campanha eleitoral, frequentava os bairros da periferia, andando por ruas sem calçamento. Não era falta de higiene...

Os meus companheiros, no programa, lançavam as perguntas e Marta Suplicy respondia, desembaraçada. Tendo chegado a minha vez, o Fernando Mauro avisou-a, em tom de brincadeira:

-Cuidado com ele, o Fernando Jorge é especializado em pegadinhas.

Tranquilo, soltei estas palavras:

-Senhora Marta Suplicy, a senhora é candidata a prefeita da cidade de São Paulo e não ignora que quem concorre a um cargo público, como é o seu caso, deve sempre falar a verdade. Então, por favor, diga-me em qual fonte se baseou para declarar que hoje, em todo o Brasil, não existe uma só família onde alguém não esteja separado, ou o pai de um filho, ou a esposa de um marido, ou um irmão de um irmão, etc. A sua afirmativa foi publicada pela revista Veja – São Paulo, há duas semanas.

Algo nervosa, Marta Suplicy respondeu:

-Ah, meu Deus, nem é preciso citar nenhuma pesquisa! Isto é do conhecimento geral! Todo mundo sabe!

Repliquei, de modo sereno:

-Desculpe-me, mas se não citar a fonte na qual se baseou para declarar que hoje, em todo o Brasil, de sul a norte, de leste a oeste, não existe uma única família onde alguém não esteja separado, então a senhora generalizou, a sua afirmação não corresponde à verdade.

Marta Suplicy fitou-me com os seus olhos em chamas e a resposta veio rápida:

-Ah, meu Deus, o senhor é teimoso! Repito, isto é do conhecimento geral!

Voltei à carga:

-Senhora Marta Suplicy, sou amigo de mais de quarenta famílias e em nenhuma delas alguém está separado. Desculpe-me, a senhora generalizou.

Atrás da candidata, o meu caro amigo Fernando Mauro juntou as palmas das mãos, como que implorando para eu me conter.

Um companheiro do programa fez a ela a seguinte pergunta:

-A senhora tem mais alguma ambição política, além desta, de ser eleita prefeita de São Paulo?

Resposta da candidata:

-Não, não tenho mais nenhuma outra ambição política. Só quero ser eleita prefeita de São Paulo para ajudar esse povo sofrido, martirizado, que vive penando nos pontos de ônibus. Prometeram a esse povo querido mais de dez corredores de ônibus e até agora não lhe deram nenhum. Eu prometo, vou dar a ele mais linhas de ônibus e corredores novos.

Interrompi as palavras da candidata:

-A senhora me desculpe, mas está havendo aí uma incoerência, um paradoxo.

Com os olhos novamente em chamas, Marta Suplicy interrogou:

-Como assim? Que incoerência?

-A senhora tem mais uma ambição política, além desta de ser eleita prefeita de São Paulo.

-Não compreendo!

-A senhora, há pouco tempo, concedeu uma entrevista ao jornal O Globo do Rio de Janeiro e assegurou, nessa entrevista, que vai ser no Brasil a primeira mulher a se tornar presidente da República. Portanto a senhora alimenta uma ambição política ainda maior.

Procurando manter-se calma, Marta Suplicy me contestou:

-Ah, meu Deus, o senhor implicou comigo, resolveu pegar no meu pé!

Tive vontade de lhe dizer:

-Não quero pegar no seu pé, porque ele está muito empoeirado.

Ela começou a explicar:

-Eu disse de fato que ia ser a primeira mulher a se tornar presidente da República no Brasil, porém em outra circunstância, pois agora estou apoiando, com o Lula, a candidatura da minha amiga Dilma Rousseff.

Respondi, sempre calmo:

-Perdoe-me, o nome da Dilma já havia sido divulgado, quando a senhora afirmou que ia ser a primeira mulher no Brasil a alcançar a presidência da República. Posso provar isto, guardo no meu arquivo a sua entrevista, com a respectiva data.

Um pouco exaltada, Marta Suplicy não se conteve:

-É, não há dúvida, o senhor resolveu implicar comigo!

Tratei logo de responder:

-Em absoluto! Não tenho nada pessoalmente contra sua pessoa. E tanto é verdade, que eu já a defendi!

-O senhor me defendeu?

-Defendi-a na página 98 do meu livro Vida e obra do plagiário Paulo Francis, publicado pela Geração Editorial, pois ele, o Francis, desrespeitou a senhora num texto aparecido em novembro de 1992 no jornal O Estado de S.Paulo. Texto repleto de sentido erótico.

-Eu não soube disso.

-Vou enviar-lhe o meu livro contra o Paulo Francis, onde a defendo. E também a defendi num artigo publicado em agosto de 2005 na revista IMPRENSA, pois o jornalista Marcelo Coelho chamou-a de perua na revista Veja. Ora, segundo o dicionário Aurélio, um dos significados do substantivo perua no sentido chulo é meretriz. Critiquei o Marcelo, salientando que nunca é elegante chamar uma senhora de perua, porque esta palavra se aplica a uma prostituta ou a uma mulher de aparência e comportamento exagerados.

E conclui, como quem encerra uma premissa:

-Assim sendo, é fácil deduzir que venho agindo, em relação à senhora, com inegável imparcialidade.

Após o fim do programa, um pouco mais amistosa e sorrindo de leve, Marta Suplicy me disse:

-Sabe de uma coisa? Eu devia lhe dar um puxãozinho de orelha....

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Pare de errar, minha senhora


A historiadora mineira Guiomar de Grammont, no livro Aleijadinho e o aeroplano, lançado pela Civilização Brasileira, afirma que o seu conterrâneo Antônio Francisco Lisboa, conhecido pelo apelido de Aleijadinho, nunca existiu, é uma ficção inventada pelo historiador Rodrigo José Ferreira Bretas.

No entender da desconfiadíssima senhora Grammont, as obras do nosso genial escultor são uma “criação coletiva”. Antes de exibir o seu erro primário e fatal, que destrói completamente a sua afirmativa, vamos apresentar três erros graves que ela cometeu.

Primeiro erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Sem nenhuma prova, denegriu a memória de Rodrigo Ferreira Bretas, o primeiro biógrafo do Aleijadinho, pois sustenta que ele o “inventou”. Ora, Bretas era um homem honrado. Conforme informo no meu livro sobre o Aleijadinho, já na sétima edição, ele veio à luz em Cachoeira do Campo, no ano de 1814, e faleceu em 1866. Advogou na localidade de Bonfim do Paraopeba, onde fundou e dirigiu um colégio. De 1852 a 1861, em quatro legislaturas, foi atuante deputado à Assembleia Provincial. Também exerceu o cargo de secretário do governo mineiro e lecionou filosofia em Barbacena. Além de ter sido diretor do Ensino Público de Minas Gerais e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ele dirigiu o Colégio de Congonhas do Campo. Alguns dos seus discursos, pronunciados na Assembleia Provincial, foram reunidos num opúsculo, hoje bastante raro. Em 1861, o governo mineiro o designou para representá-lo na instalação da vila de São Paulo de Muriaé, fato que revela como era bem respeitado e gozava de prestígio.

A desconfiadíssima senhora Guiomar, sem nenhuma prova, mostra Rodrigo Bretas como um vigarista, um “especialista em retórica”. Chega ao cúmulo de dizer, também sem nenhuma prova, que ele “inventou” um pai para o Aleijadinho, o arquiteto português Manuel Francisco Lisboa. E ainda sem nenhuma prova, garante que Bretas “incorporou” dados da vida de Miguel Ângelo à vida do Aleijadinho. Mas o historiador mineiro apenas coloca diante de nós algumas semelhanças entre o artista brasileiro e o artista italiano, mais nada...

Segundo erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Ela despreza os depoimentos dos viajantes estrangeiros que estiveram em Minas Gerais no século XVIII, como o francês Saint-Hilaire e o inglês Sir Richard Burton, Tais depoimentos provam que o Aleijadinho existiu realmente. Os dois fazem referência à sua deformidade. Aliás, três anos antes da morte do Aleijadinho, o barão Guilherme de Eschwege visitou Minas em 1811 e depois escreveu no seu Journal von Brasilien:

“O principal escultor que aqui se salientou era um homem aleijado, com as mãos paralíticas.”

Terceiro erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Não há nenhuma prova de que o Estado Novo de Getúlio Vargas, instituído em 10 de novembro de 1937, criou o “mito Aleijadinho”, para ele adquirir a imagem de “herói nacional”. Este herói já existia: é Tiradentes. A tese da senhora Guiomar é tão ilógica, tão absurda, tão desprovida de fundamento como a da senhora Isolde Helena Brans Venturelli, que em 1979 quis provar, a todo custo, que os doze profetas esculpidos em pedra sabão pelo Aleijadinho, no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, representam os vultos da Inconfidência Mineira...

E agora o erro mais grave da historiadora Guiomar de Grammont. Erro primário e fatal, repito, e que destrói completamente esta afirmativa: o Aleijadinho nunca existiu. Prezada e desconfiadíssima senhora Guiomar, meu Deus do Céu, como a senhora pôde cometer este erro tão grande, tão impressionante? Se foram vários os artistas que executaram as obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, como se explica que ao longo de mais de quarenta anos os recibos assinados pelo Aleijadinho apresentam sempre a mesma grafia? A assinatura dele era bem característica. O livro primeiro de Receita e Despesa da Ordem de São Francisco de Assis de Ouro Preto é a prova disso. A conclusão é lógica, se fossem vários os Antônio Francisco Lisboa, as assinaturas seriam diferentes. Basta examinar os recibos descobertos pelos pesquisadores do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A afirmativa da desconfiadíssima senhora Guiomar, portanto, desmorona, fica reduzida a pó. Ela se esqueceu desse pormenor, que é fundamental, mas logrou convencer, com a sua tese maluca, até um jornalista calejado como o Zuenir Ventura, de O Globo...

Aconselho a desconfiadíssima senhora Guiomar de Grammont a memorizar esta frase do filósofo Francis Bacon (1561-1626), inserida no capítulo 31 de seus Essays:

“Nada induz o homem a desconfiar muito, como saber pouco.”

(“There is nothing makes a man suspect much more than to know little”)

domingo, 27 de setembro de 2020

Morra o racismo! Todos nós somos iguais!

 


A Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), recebe atualmente, a cada dois dias, uma denúncia de discriminação racial contra os negros, na capital paulista. Quem informa isto é o presidente desse órgão, Marco Antônio Zito Alvarenga.

Aqui vai outro exemplo. No dia 3 de fevereiro de 2004, em Santana, região da Zona Norte da cidade de São Paulo, policiais militares da Força Tática do 5º Batalhão, todos brancos, mataram a tiros o dentista negro Flávio Ferreira, de vinte e oito anos. Ele foi confundido com um assaltante e nem pôde defender-se. Era negro, portanto um criminoso... Para disfarçar o erro fatal, os policiais brancos colocaram uma pistola 357 na mão direita do cadáver e, no bolso deste, a carteira do comerciante Antônio Alves dos Anjos, vítima do assalto de um bandido.

Ao prestar na delegacia o seu primeiro depoimento, o comerciante declarou: Flávio havia disparado vários tiros contra os policiais. Mas no segundo depoimento, voltando à delegacia, admitiu ter sido pressionado a mentir.

Em frente de tantas evidências, os policiais confessaram que o dentista Flávio Ferreira ergueu os braços, sem esboçar qualquer resistência.

Acusados de atirar no inocente, pelo fato de ele ser negro, o tenente Carlos Alberto de Sousa Santos e o soldado Luciano José Dias, foram condenados a dezessete anos e seis meses de prisão, por homicídio, fraude processual e porte ilegal de arma.

Na noite em que perdeu a vida, o dentista negro retornava do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo.

Outro negro, o baiano Januário Alves Santana, de trinta e nove anos, vigilante na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, foi humilhado e espancado por ter sido confundido com um bandido, no dia 7 de agosto de 2009. A agressão ocorreu no hipermercado do Carrefour de Osasco, também na região metropolitana de São Paulo. Cinco seguranças brancos o surraram, durante vinte minutos.

Após o espancamento, muito machucado, cheio de dores, Januário emagreceu oito quilos em duas semanas. Sua dentadura se quebrou, devido a série de socos dos seguranças, e ele passou a alimentar-se com sucos e sopas, pois a gengiva superior do vigilante ficou deslocada, em carne viva. Cabisbaixo, ele confessou:

“Morri naquele dia. O que mais dói é saber que não foi a primeira vez e que pode não ser a última."

Conforme a segunda edição do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, de 2009, feito a partir de dados do SUS e coordenado por Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre 2006 e 2007 foram mortos por hora em nosso país, acredite o amigo leitor, 3,5 negros, enquanto a proporção entre brancos chegou a apenas, 1,7.

Tombaram assassinados, no citado período, em números absolutos, 52.059 negros e 29.982 brancos. Indago se nesta estatística não há a sombra do racismo, mesmo admitindo que muitos dos negros mortos eram criminosos. Outra pergunta: quantos deles, totalmente inocentes, sucumbiram nas garras dos policiais racistas?

Morra o racismo! Todos nós somos iguais!

É na televisão da pátria de Drummond que se nota, de maneira forte, a presença do preconceito racial. Joel Zito Araújo analisou este fato no livro “A negação do Brasil - O negro na telenovela brasileira,” lançado pela Editora SENAC. Ele mostra: os produtores das telenovelas nacionais defendem o branqueamento da nossa sociedade, não se interessam por atores negros e atrizes negras. Preferem as moças e os galãs de cabelos louros e olhos azuis, como Hitler gostava de vê-los nos filmes da Alemanha nazista. O negro nas telenovelas, salientou Joel numa entrevista, faz sempre papel de "bundão", de pessoa boba, mole. E as negras ou as mulatas, nessas histórias, são objetos sexuais do homem branco, destruidoras de lares, só feitas para transar...

O editor José Olympio, em 1964, apresentou-me ao sociólogo Gilberto Freyre. Conversando com este, eu quis saber:

-Na sua opinião o Brasil ainda é a maior democracia racial do mundo?

Gilberto Freyre respondeu, exibindo um sorriso brejeiro:

-Claro que é. Veja a nossa enorme quantidade de mulatos.

Hoje duvido desta afirmativa, pois acho que a mestiçagem, ou melhor, a miscigenação, estudada de modo profundo pelo sociólogo anglo-americano E.B. Reuter no livro “The mulatto in the United States,” publicado em 1918, a miscigenação deixou de ser, se já foi, a prova definitiva da ausência do preconceito racial. Existe uma outra espécie de racismo, oriundo do mulato não querer ser mulato e do negro não querer ser negro, quando ambos, por causa da ascensão social, negam a própria raça e procuram agir como brancos.

Orgulho-me de ser anti racista. Para mim a humanidade é toda igual, não existe raça superior a outra raça. Gosto de citar, como símbolo do povo brasileiro, a nossa notável pintora e desenhista Djanira da Mota e Silva (1914-1979), primeira artista latino-americana a ter uma obra aceita pelo Museu do Vaticano, em 1971. Suas telas retratam o povo e as paisagens do Brasil, com um saboroso lirismo algo ingênuo. Djanira descendia de índios guaranis pelo pai e pela mãe de italianos. A avó era austríaca, chamava-se Maria Elizabeth Pliger. No ano de 1943, em plena época da Segunda Guerra Mundial, essa pintora esteve nos Estados Unidos e despertou a admiração de Eleanor Roosevelt, esposa do presidente Franklin Delano Roosevelt, que por causa disso escreveu uma crônica sobre ela.

Reafirmo, não existe raça superior a outra raça e sim, acrescento, diferenças econômicas e sociais, como o demonstrou, valendo-se de farta documentação, A. Niceforo na obra “Antropologia delle classi povere,” onde prova o seguinte: o trabalho, as profissões, o gênero de vida, a riqueza ou a pobreza, determinam e fixam os caracteres físicos e mentais do indivíduo, dando aspecto próprio a uma região, a uma classe ou a uma sociedade.

Morra o racismo! Todos nós somos iguais!