domingo, 5 de outubro de 2014

O CARRO CELESTIAL DE AYRTON SENNA

Apesar de não gostar de automobilismo, no qual enxergo uma loucura e não um esporte, eu admirava a coragem de Senna. O seu patriotismo me comovia. Mesmo sem querer, lutando contra os meus próprios sentimentos, a emoção se apoderava da minha alma, quando via Ayrton Senna agitar a nossa bandeira, após ser o vencedor de uma ­corrida internacional. Um nó se formava na minha garganta e eu engolia a seco. Aquele rapaz modesto, erguendo a nossa bandeira, me devolvia o orgulho de ser brasileiro e conseguia tirar do meu coração, por alguns momentos, o ódio, a fúria, a revolta que nunca deixei de alimentar contra os nossos políticos corruptos.
Sim, ele estufava o nosso peito, fazia desabrochar em nossas caras, mesmo que não fosse na primavera, a nacarada flor do sorriso, da alegria apetecida. Ofertava esse prazer ao povo e ainda o socorria, pois só agora se sabe, depois de sua morte, que ele ajudou em segredo, às ocultas, deficientes físicos e à entidades assistenciais. Deu milhares de dólares à Fundação Abrinq, à Associação de Assistência à Criança Defeituosa, ao Centro de Reabilitação do Hospital das Clinicas. Graças aquele piloto de ar tímido e gestos simples, máquinas carissimas foram adquiridas no exterior, como o aparelho Cybex, utilizado nas avaliações musculares. Com o dinheiro que ganhava nas pistas, arriscando sua vida, Ayrton Senna patrocinou o tratamento de centenas de crianças carentes, portadoras de distúrbios cerebrais ou neurológicos.
Ele salvou a vida da jovem Regiane Maria dos Reis, que sofria de cirrose hepática crônica e necessitava urgentemente de um transplante de fígado. Os 65 mil dólares doados por Senna pagaram a operação da moça. E a sua bondade também favoreceu, no estado do Acre, uma instituição de assistência médica a índios e seringueiros, fundada pelo Chico Mendes. Inimigo do espalhafato, da caridade ruidosa e ostensiva, Senna exigia que essas ações jamais fossem reveladas.
Rapaz de olhar meio triste, Ayrton Senna declarava que durante as corridas, quase sempre, tinha o costume de conversar com Deus. Aliás, em 1988, após conquistar o seu primeiro titulo mundial no Japão, ele afirmou que havia contemplado Jesus Cristo num trecho do autódromo, antes do fim da prova. Leiam as suas palavras:
-Eu estava agradecendo a Deus pela vitória. Deus me presenteou.Era um presente enorme, essa vitória. Mesmo rezando, eu estava superconcentrado, me preparando para uma curva longa, de 180 graus, quando vi a imagem de Jesus. Ele era tão grande, tão grande... Não estava no chão. Estava suspenso, com a roupa de sempre, e umaluz em volta. O seu corpo inteirinho subia para o céu, alto, alto, alto, ocupando todo o espaço. Eu vi essa imagem incrível, enquanto guiava o carro de corrida. Guiava com precisão, com força, com...
Ai, nesse momento, Ayrton Senna ficou mais emocionado, os seus olhos se umedeceram e ele acrescentou:
de enlouquecer, não é? É de enlouquecer...      
Que moço estranho, o Ayrton Senna! Pairava no seu rosto a melancolia das criaturas que morrem cedo. Ayrton era um místico, um médium com o dom de ter visões, um ser repleto de bondade, de espiritualidade.
Agora eu o vejo como um espírito de luz, guiando no espaço negro da morte um belíssimo e resplandecente carro de corrida. Para onde vai esse carro etéreo, mais veloz do que os carros de corrida do nosso planeta? Vai em direção à Luz suprema, à Luz de todas as luzes, à Luz que ressuscita os mortos e que se chama Deus. E de onde vem a força desse carro celestial do Ayrton? Vem de sua alma, da sua bondade, da sua piedade, da humana ternura do seu coração sensível e extremamente generoso...