sábado, 27 de julho de 2019

ESTE PAÍS SE CHAMA BRASIL OU RATOLÂNDIA?


No seu livro Porque me ufano do meu país, publicado em 1901, o Conde Afonso Celso declarou que uma das características do brasileiro era a honradez no desempenho das funções públicas ou particulares”. E depois garantiu:
“Os homens de Estado costumam deixar o poder mais pobres do que nele entram... Casos de venalidade enumeram-se raríssimos, geralmente profligados. A República apoderou-se de surpresa dos arquivos do Império: nada encontrou que o pudesse desabonar... Quase todos os homens políticos brasileiros legam a miséria às suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício público?”
Afonso Celso escreveu estas palavras no início do século XX, há mais de cem anos. Imaginem quantos políticos desonestos, safados, ladrões, teríamos de citar, se a pergunta do conde fosse aplicada aos dias atuais. Lendo o trecho acima reproduzido, somos obrigados a exclamar:
-Meu Deus do Céu, como o Brasil retrocedeu, como mudou para pior!
O assalto aos cofres públicos é o progresso, dirá alguém, é a consequência fatal do crescimento da nação. Todavia, se o raciocínio é este, vamos indagar, como se estivéssemos recitando uma ladainha:
Foi o progresso do Brasil que fez o Tribunal de Contas da União mostrar que no primeiro semestre de 1991 os órgãos das administrações, o Poder Judiciário e os ministérios da Educação e da Infraestrutura praticaram 1.031 irregularidades?
Foi o progresso do Brasil que fez a Polícia Federal de Alagoas reunir documentos, em junho de 1992, com os quais foi possível provar que a primeira-dama Rosane Collor deu presentes aos seus pais, amigos e primos, valendo-se de verbas da Legião Brasileira de Assistência?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde contratar sem licitação, durante o governo Collor, a Masters Consultores Associados, por 18 bilhões de cruzeiros?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde adquirir na gestão de Alceni Guerra, com preços acima do mercado, 22 mil guarda-chuvas, 23 mil bicicletas, 60 mil filtros de água, 250 mil caixas de hidratação e 8 mil e 400 toneladas de feijão quase podre?
Foi o progresso do Brasil – e eu paro aqui, senão esta coisa não tem fim – foi o progresso do Brasil que fez o ministro Jarbas Passarinho declarar, em 23 de março de 1992, que “não dá para impedir que ministro roube”? (Consultar a edição desse dia do jornal O Estado de S.Paulo).
E a solução? Qual é a solução? Há pouco tempo tive um sonho: eu vi, no decorrer desse sonho, todos os canalhas que lesam os nossos cofres públicos no porão de um navio, com o aspecto de ratos. Quando este navio se achava num alto mar cheio de tubarões, ele afundou. Aí as feras começaram a devorar os canalhas. Tubarões comendo ratos gorduchos, para o bem do povo e a felicidade geral da nação... Que maravilha! Depois acordei. Oh, tristeza, era apenas um sonho!
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, cuja 7ª edição acaba de ser lançada pela editora HarperCollins Brasil

sábado, 20 de julho de 2019

POLÍTICA? NÃO, POLITICAGEM


O substantivo nepotismo se originou da palavra nepote, que em latim é “sobrinho”. Alguns papas davam proteção especial aos seus sobrinhos, fazendo-os príncipes, duques, bispos, cardeais, e por causa desse amparo nasceu o referido substantivo, o qual agora designa na vida política o uso de dinheiro público, das verbas do Estado, a fim de se efetuar a contratação de parentes.
Ficou famoso em nosso país o nepotismo da oligarquia Acióli, do Ceará. Eu mostrei como ele funcionou na minha obra “Getúlio Vargas e o seu tempo", lançada pela Editora T. A. Queiroz. Quem exercia as funções de governador do Ceará, no ano de 1910, era o doutor Nogueira Acióli, “o Babaquara”. E o seu secretário do Interior se chamava José Acióli. A direção da Secretaria da Higiene Pública coube ao doutor Meton de Alencar, cunhado de um filho de Acióli, e a da Inspeção Veterinária ao doutor Thomaz Pompeu Filho, sobrinho de Acióli. Este também nomeou o marido de uma de suas sobrinhas, o senhor Sebastião Araújo, para ocupar o cargo de diretor da Escola de Aprendizes Artífices, e entregou o comando do Batalhão de Segurança ao seu genro, o capitão Raimundo Borges. Um primo de Acióli, o deputado José Pinto, dirigia os Correios.
Os Aciólis se encontravam em toda parte, na Faculdade de Direito, na Escola Normal, na Intendência Municipal, na Assembleia Legislativa do estado e até no Senado da República. Se o amigo leitor quiser obter mais informações sobre estes fatos, deve consultar o livro “O oligarca do Ceará – a crônica de um déspota”, de Frota Pessoa, obra publicada em 1910 no Rio de Janeiro, pela tipografia do “Jornal do Commercio”.
Após a queda de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, a chefia do Poder Executivo caiu nas mãos do doutor José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. Durante três meses, até a posse do general Eurico Gaspar Dutra na presidência da República, o austero doutor Linhares não parou de dar empregos aos membros de sua família. E ele era um juiz, um magistrado!
Cessou em nosso país a prática do nepotismo? Não, ela continua. Fui a Brasília, certa vez, e lá verifiquei, na Câmara Federal, que cinquenta e um deputados, usando o dinheiro público, haviam contratado os seus parentes. Forneceram ótimos empregos às suas esposas, de acordo com as “belas tradições” da oligarquia Acióli, os parlamentares Jackson Pereira, Ubiratan Aguiar, Vicente Arruda e Salatiel Carvalho, todos do PSDB do Ceará, exceto o último. São “maridos exemplares”, não se pode negar... Mas o único parlamentar que pôs a sogra no seu gabinete, a senhora Lourdes Rosado, foi o deputado Laire Rosado, do PMDB do Rio Grande do Norte. Esse político não sofre de sografobia, de aversão às sogras. As coitadinhas são muito caluniadas. Para o senhor Laire a sogra não é “o inferno a domicílio”, segundo a opinião do humorista Vitor Caruso. Além disso, o referido deputado nunca foi maldoso, como o comediante americano Lenny Bruce (1924-1966), que se atreveu a afirmar:
-Minha sogra destruiu o meu casamento, pois a minha mulher voltou para casa mais cedo e me pegou na cama com ela.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, cuja 7ª edição acaba de ser lançada pela editora HarperCollins Brasil

domingo, 14 de julho de 2019

ISTO PREJUDICA A CULTURA


Eu mostrei num artigo os erros de português e de latim do professor Luiz Geraldo Fonseca e Guerra, o mestre que lá no Recife se acha realmente numa posição superior, pois ele mora no alto do Mandu, o seu Olimpo, lugar de onde lança raios como um Júpiter pernambucano. Gosto muito do Recife e dos recifenses, dos nomes antigos dos seus becos e de suas ruas: Beco da Luxúria, Beco do Cirigado, Rua do Fogo, Rua do Peixe Frito, Rua dos Sete Peados Mortais... São lindos o Teatro Santa Isabel, os sobrados do Cais Martins de Barros, os rios Capibaribe, Beberibe e Jaboatão. E as frutas da capital de Pernambuco? O sabor afrodisíaco da manga, da mangaba, do caju, do sapoti, do abacaxi, do tamarindo! Pois é, gosto tanto do Recife e dos recifenses, que chego até a gostar do professor Guerra!
Mas voltemos ao nosso assunto. Apreciem uma confissão desse professor:
“...sou homem de um único livro.”
Isto significa que o trovejante pedagogo do Alto do Mandu só lê um livro, como ele declarou: um exemplar de uma edição, de 1966, do Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa, do Aurélio Buarque de Holanda. E incoerente, o professor Guerra é admirador da seguinte frase:
“Timeo hominem unius libri”
(“Temo o homem de um só livro”)
Salienta Renzo Tosi, no Dizionario delle sentenze latine e greche, lançado em Milão no ano de 1991, pelo Editora Rizzoli: esta máxima de origem desconhecida, é atribuída a Santo Tomás de Aquino e serve “para ridicularizar a pessoa que, tendo uma única leitura, pretende conhecer  a fundo determinado assunto, ensiná-lo e dissertar sobre ele”. Aliás, Renzo Tosi citou três variantes da máxima. Uma é em italiano:
“Dio mi guardi da chi studia un libro solo”
(“Deus me proteja de quem estuda num só livro”)
Renzo alude à “troça que se faz do padre que só reza missa se tiver o missal diante de si”. Ora, o professor Luiz Geraldo se orgulha de ser “homem de um único livro”... Professor, meu angélico professor, isto é perigoso para a sua pessoa, é perigosíssimo! É tão perigoso como só comer, todos os dias, uma salada de alfaces e de pepinos. Veja, professor, assim como o nosso organismo precisa de alimentos mais substanciosos, ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais, o nosso cérebro, o nosso espírito, a nossa cultura, também não podem ser nutridos apenas com um só livro. Percorrer o texto de um só livro, ao longo da vida, é o mesmo que limitar a visão da nossa mente. É a miopia do intelecto, mas sem óculos...
Os nazistas só liam um livro, o Mein Kampf (“Minha Luta”) de Adolf Hitler, e dessa obra repleta de ódio louco, selvagem, nasceu a fúria monstruosa dos fanáticos seguidores do Führer do Terceiro Reich contra a democracia representativa, os direitos humanos, a liberdade de imprensa, de expressão e de religião, o sadismo contra as raças, que eles chamavam de “inferiores”, dos judeus, ciganos, eslavos, índios e negros.
Lamentou o escritor e poeta inglês Georg Herbert (1593-1633) na sua obra Jacula Prudentum:
(“ai de quem não lê mais que um livro!”)
(“Woe to him that reads but one book”)
Ficar a vida inteira lendo um único livro é como só conseguir ver uma árvore, ao penetrar em esplêndida e imensa floresta tropical.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.