segunda-feira, 20 de agosto de 2018

BRASIL, O PAÍS DAS BUNDAS

      O repórter Guilherme Samora, da revista Marie Claire, entrevistando a cantora Rita Lee Jones, disse que ela, em 1997, num clipe da música “Obrigado não”, causou polêmica ao fazer dois homens se beijarem, vestidos de militares. Comentário da cantora, depois de ouvir isto:
     “Aconteceu a mesma coisa no fim do ano passado, quando mostrei a bunda num show em Brasília. Me crucificaram, mas mostrar a bunda é tão rock’n roll, tão antigo, tão normal. Palhaço mostra a bunda no circo. Estamos no país do carnaval, no país da bunda. Qual é o problema?”
       Todavia, antes da Rita Lee apresentar o seu glúteo, o encenador Gerald Thomas, um dos mais controvertidos do moderno teatro brasileiro, arriou as calças no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o objetivo de exibir a sua pálida, romântica bunda, sob as vaias da plateia. Gerald procedeu dessa maneira para se vingar dos “espectadores obtusos”, incapazes de compreendê-lo.          Daí se conclui: a bunda é também arma de protesto.
       Durante muitos anos não era de bom tom, ação decente, pronunciar em voz alta o substantivo feminino bunda, originário da palavra africana mbunda. E nem os seus aumentativos bundaça e bundão. Nem o adjetivo bundudo, aplicável à pessoa dotada de nádegas desenvolvidas, como as da Vênus Calipígia, célebre estátua do Museu de Nápoles. O motivo disso: as quatro são palavras fortes, sonoras, estrondosas, e feriam os ouvidos puritanos dos moralistas farisaicos.
Mas é um fato indiscutível, a bunda da mulher brasileira adquiriu fama internacional. Afirmou Paul Walker, ator do filme Velozes e furiosos:
       “As brasileiras possuem bundas incríveis”.
     E a atriz americana Megan Fox, considerada uma das mulheres mais sensuais do mundo, confessou ao ver os desfiles das escolas de samba, no carnaval carioca:
       “Quem me dera ter o bumbum igual ao da brasileira!”
Tudo indica, a bunda das nacionais revela esta acentuada característica: tendência para crescer. Os fãs da atriz Cláudia Raia, por exemplo, perguntam a si mesmos:
       -Onde a bunda dela vai parar?
       E acrescentam:
      -O bumbum da Cláudia, na telenovela Salve Jorge, ficou bem maior do que estava na telenovela A favorita.
      Se é assim, eu indago:
     -De qual tamanho ficará a bunda de tanajura da Cláudia Arraia, na sua próxima telenovela?
    A nossa patrícia Valesca Popozuda, dona de traseiro incomensurável, explicou a razão do seu sucesso esmagador:
      “Minha bunda é tão sexy, tão atraente, que me fez ir para a Europa.”
      Ao expor a sua monumental carnosidade no país do femeeiro Berlusconi, ela se expandiu:
      “Estou com a minha bunda vitoriosa e bizarra aqui na Itália.”
      Precavida, a funkeira Valesca Popozuda colocou o seu bumbum no seguro, por cinco milhões de reais. Inspirado na sua magnífica região glútea, o meu amigo Paulo Régis, doutor em Bundologia, compôs os seguintes versos:

“É uma bunda
que treme,
que anseia,
que suspira,
bunda de raça,
que rodopia.
Oh, eu juro,
nunca havia visto
bunda assim
tão cheia de graça,
tão cheia de magia!”

        As nádegas mais carnudas do Brasil pertencem, no entanto, à dançarina Andressa Soares, a Mulher Melancia. Ela, com as suas próteses de silicone nessas nádegas oblongas, agigantadas, foi vítima de um incidente. Submetida a uma cirurgia, os médicos encaixaram o silicone nos devidos lugares da superabundante bunda de Andressa. Louca de alegria, frenética, a Mulher Melancia voltou aos palcos. E rebolou tanto, no decorrer de um show, empinou tanto a soberba, a esplendorosa bunda, que um fulano em delírio não se conteve, agarrou ferozmente, alucinadamente, aquele traseiro incomparável, arrebentando os pontos da cirurgia. Resultado, a bundaça encolheu, à semelhança de um balão que se esvazia, porém a dançarina se recuperou:

        “Fui logo ao médico e ainda bem que não tive de sofrer outra cirurgia. O doutor me deixou em forma. Retornarei aos meus shows.”
      A mulher Melancia pode se considerar sortuda, pois se fosse agarrada pelo bundomaniaco americano Johnny Guillen, seria mil vezes pior. Esse psicopata, munido de canivete, arrancou pedaços das nádegas de treze mulheres, num shopping de Fairfax, nos Estados Unidos, quando as vítimas se encontravam distraídas. Era procurado há oito anos pela polícia do estado da Virginia. Refugiou-se em Lima, capital do Peru, e ali o prenderam.
       Talvez devido à alimentação, as brasileiras ostentam bundas mais avantajadas do que as das americanas. Milhares de filhas do Tio Sam desejam dilatar as nádegas. A imprensa noticiou que uma jovem de vinte e três anos, de Detroit, chamada Karmella, recebeu cinquenta e quatro injeções de silicone, para ver o crescimento da sua bunda. Injeções aplicadas por uma aventureira, sem licença médica. Um facultativo, após examinar o rabioste artificial da americana, garantiu que o silicone excessivo, depositado nele, tornara-se esponjoso, ameaçando a vida da jovem. A próxima aplicação é capaz de matá-la, advertiu. Contudo, apesar disso, ela quer receber mais trinta e oito aplicações nas suas nádegas insatisfeitas,
      Viva portanto o Brasil, o “país da bunda”, segundo a expressão de Rita Lee, terra na qual a loura Carine Felizardo, Miss Bumbum 2012, não precisou de injeções de silicone no seu belo, suculento e alvo traseiro, para o encantamento de milhões de bundófilos.
       Quem devia morar aqui, em nossa pátria, é a americana Jacqueline Stalone, de Los Angeles. Inventora da “técnica rumpológica”, ela consegue prever, ao olhar as fotos das bundas grandes de mulheres, o futuro que as aguarda. Ora, nos Estados Unidos há carência de volumosos traseiros femininos e por conseguinte a senhora Jacqueline não tem, lá na Califórnia, muita chance de examinar os bumbuns nédios, bem arredondados. Instale-se pois em Salvador, na Bahia, ou no bairro de Copacabana, da cidade do Rio de Janeiro, a fim de contemplar as rotundas nádegas das baianas e das cariocas. Seguindo o meu conselho, a senhora Stalone logo verá o interminável desfile de milhares e milhares de gorduchonas bundas trêfegas, lúbricas, risonhas, cantantes, palpitantes, assanhadas, gulosas, maravilhosas...

domingo, 12 de agosto de 2018

Mauro Felippe é um poeta filósofo


Mauro Felippe, desde a sua adolescência, sempre amou a cultura, os livros, pois como Richard de Bury (1281-1345), bispo de Durham, condado da Inglaterra, ele sabia que “o amor aos livros é amor à sabedoria”, conforme escreveu em latim esse religioso, no capítulo XV da obra intitulada “Philobiblion”: amorem librorum, amore sapientiae constat esse.
A paixão de Mauro pela literatura e pelos expoentes desta, levou-o a retratar Cervantes e o Quixote numa poesia. Definiu assim o fidalgo manchego: “um gênio abstrato, atemporal”.
Na poesia de Mauro Felippe os espelhos vivem, estremecem, palpitam, latejam como as artérias, expressam sentimentos sutis, transmitem mensagens das profundezas da alma. O argentino Jorge Luís Borges, cujo tema chave dos seus textos é o eterno retorno, consubstanciado em símbolos e imagens, aplaudiria, cheio de entusiasmo, a composição “Reflexos”, de Mauro Felippe, produzida no mês de maio de 2016:

“Os espelhos do mundo,
Sempre estão cheios de pessoas às suas frentes
Vêm, automaticamente, aos seus encontros,
Para ver e matar as saudades latentes.

Sentem a falta dos que se viram
E se vão, não voltam mais.
De tristeza, oxidam-se e escurecem,
Fixados nas velhas paredes que não os deixam cair jamais.

Quantas rugas avistaram, enquanto emoldurados,
Quantos corpos nus adiante – abstinentes,
Flagelos do tempo que, quando embaçados,
Refletem aos ventos os seres indecentes.

Os espelhos do mundo
Refletem menos os homens do que os seus adornos,
Sempre nos momentos que os desejarem,
Sempre para reinventarem seus egos, antes dos próximos retornos.”

Castro Alves, no soneto “Bárbora”, colocou estes versos:

“Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos como espelhos,
Mas como eles sem chama alguma;”

Para Mauro Felippe, no entanto, os espelhos tem labaredas, pois os vê como seres reais. E acha, suponho, que eles podem sentir saudades das pessoas mortas.
O mineiro Basílio da Gama (1741-1795), é autor destes versos, inseridos na poesia “A declamação trágica”:

“Do vidro que te engana, não sigas o conselho:
                busca, que dentro d’alma tens o melhor espelho”


Mas, a rigor, na visão de Mauro Felippe, os espelhos também possuem alma e não são apenas, num vidro, os reflexos dos corpos materiais.
O verdadeiro poeta é capaz de ver a beleza até nas coisas que, de imediato, nos parecem feias ou imundas. Eis a prova da nossa afirmativa, nos seguintes versos de “A poça”, escritos por Mauro em julho de 2015:

“Na lama inerte,
Intacta – assentada,
Exposta ao céu,...
Uma poça.

Poça de água parada,
Sobre a terra – sobre o barro,
Feita pela chuva,
Que sempre a transborda e após recua.

Na lama – aquela poça
Cristalina e crua,
Sobre o humus barrento
Que no seu reflexo se vê a lua.

E até numa flor de plástico o hipersensível Mauro Felippe contemplou a beleza. Admirem estes seus versos, nascidos nas vésperas do Natal de 2015:

“Era apenas uma flor de plástico,
Como àquelas encontradas aos milhares.
Barata – artificial,
Composta de pétalas cheias de pó.

Quem poderia imaginar,
Ela replicada em todos os cantos,
Nos claros e nos escuros recantos,
Nas mesas e sobre as lápides, no pó.

Ela pensa em nós,
Mesmo sendo de plástico,
Apenas uma flor,
Colorida, com pó.

Ornamenta vasos e corações,
Como as reais,
Não murcha, só desbota.
Mas basta perder uma pétala, que no lixo vira pó.”

Deduzimos, portanto, de maneira absolutamente lógica: Mauro Felippe é um poeta filósofo, como foram Augusto dos Anjos e Raul de Leoni em nossa literatura. Na sua poesia o pensamento se harmoniza com o sentimento. Ambos não se chocam. Versos de sua lavra, e cito aqui o poemeto “Assobia o canto triste”, revelam isto e provam como filosofar, frequentes vezes, é também dulcificar a realidade. Shakespeare não errou ao escrever estas palavras na cena quinta do ato terceiro da peça Romeu e Julieta:

“Filosofia, doce leite da adversidade!”
                        (Adversity’s sweet milk, philosophy!”)