quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sou um revoltado homem da “plebe fedorenta”


Fiquei rubro de indignação ao ler, num recente exemplar da revista Veja São Paulo, a reportagem sobre as pessoas que vindas do interior do estado bandeirante, chegam na capital paulista de jatinhos, helicópteros e carrões importados, para comprar roupas e objetos caríssimos. Esta gente é recebida com tapetes cor de sangue e grandes curvaturas vertebrais pelos vendedores de butiques, de lojas classudas da “rota do luxo” da metrópole.

Assinada por Ricky Hiraoka, a bem feita e bem escrita reportagem informa: a empresária Patrícia Diniz, de Campinas, em apenas uma tarde de compras, torrou 85 mil reais. Veio a São Paulo de helicóptero vermelho, da cor da minha indignação, gastando com o aluguel do aparelho, numa viagem de poucos minutos, 10 mil reais. O cabelereiro Djalma Kais, cuja careca cintila como bola de bilhar, cobrou a modesta quantia de 12 mil reais, a fim de retocar a maquiagem de Patrícia e os seus ondulados cabelos castanhos. Mulher linda, simpática, balzaquiana cheia de requintes (38 anos de idade), ela usa sapatos Armani, lenço Versace, bolsa Hermès, joias Cartier e Tiffany, marcas que eu, revoltado homem da “plebe fedorenta”, considero sinônimos de desperdício, exagero, exibicionismo, elitismo, aristocratícismo.

Eis os outros gastos da risonha Patrícia Diniz: 940 reais por um lenço preto do Louis Vuitton, um par de óculos da Chanel por 1.640 reais, uma camiseta de paetê por 2.390 reais, um casaquinho por 2.900 reais, dois coletes de pele, cada um por 9.900 reais, perfazendo a quantia de 19.800 reais.

A empresária almoçou no restaurante Parigi, do grupo Fasano, situado na rua Amauri do Itaim Bibi, refeição cujo custo foi uma pechincha, 900 reais, pagos com dezoito notas de 50 reais.

Feliz, a carregar sacolas enormes que mostravam as etiquetas do Tufi Duek, da Chanel, do Louis Vuitton, a extrovertida Patrícia, dona de perturbadoras pernas hipnóticas, regressou a Campinas no vistoso helicóptero vermelho, super entusiasmada por ter gasto, em apenas quatro ou cinco horas, a insignificância, a burundanga, a frioleira, a bagatela de 85 mil reais... Ela declarou: faz isto todas as semanas, com gasto mensal de 320 mil reais, tão – somente...

Salienta também a reportagem de Ricky Hiraoka, de modo imparcial, que o médico nutrólogo Danny César, o “Doutor Hollywood” do Balneário Camboriú de Santa Catarina, acompanhado pela sua esposa, a blogueira Michelle Jumes, após chegar ao campo de Marte em voo fretado por quase 5 mil reais, visitou a loja do Versace, no Shopping Cidade Jardim, e ali comprou um par de sapatos por 1.800 reais. Danny não se esqueceu de passar no Jassa, o cabelereiro especializado na arte de tingir de verde, ou de azul, ou de cinzento, os fios da cabeça octogenária do Silvio Santos.

Depois Danny entrou em duas lojas elegantérrimas da rua Oscar Freire, a Schutz e a Chilli Beans. Criatura inimiga de locais suspeitos, como essas churrascarias populares, de rodízio, decidiu almoçar no sofisticado restaurante Figueira Rubaiyat, da rua Haddock Lobo, no qual os puns são discretos e onde gastou a ninharia de míseros 898 reais. A colunista social Alik Kostakis, do jornal Última Hora, tinha razão: “gente fina é outra coisa”.

Quando anoiteceu, o “Doutor Hollywood do Sul”, com várias sacolas grávidas, havia gasto a chorumela de 11 mil reais. Soma reles, desprezível! Talvez o pequeno gasto o envergonhou, pois só os miseráveis fulanos da plebe, como o revoltado escritor Fernando Jorge, procuram gastar o menos possível.

Segundo Ricky Hiraoka, a senhora Daniela Mott, de São José dos Campos, encomendou oito vestidos numa loja da chamada “área nobre” de São Paulo. Preço de cada vestido: 8 mil reais. Despesa total: 64 mil reais. Provavelmente a senhora Daniela vai vender cada vestido por 16 ou 18 mil reais, como é de praxe...

Lethicia Bronstein, estilista da referida área, consegue vender vestidos de noiva por 20 mil reais. As compradoras, na maioria, não são paulistanas e sim do interior do estado.

Agora certos leitores poderão indagar:

-Fernando Jorge, por que você se enraiveceu ao tomar conhecimento desses fatos? Você é recalcado, vítima de aniquilador complexo de inferioridade? Sente inveja dos ricos? Então não sabe que cada pessoa tem pleno direito de gastar o seu dinheiro como quiser? Ignora que hoje, até na China comunista, existem milionários?

Eu respondo, de forma sincera:

-No Brasil ainda há uma sociedade bastante injusta, desigual, onde vemos indigentes dormindo nas ruas, professores com vencimentos irrisórios, aposentados sem dinheiro suficiente, jovens de famílias pobres, modestas, privados de estudar, de frequentar escolas ou universidades, milhões de patrícios na pindaíba, enfermos, mal nutridos, necessitados de rápida assistência médica, trabalhadores que recebem salários vexatórios, humilhantes, impróprios para sobreviver, pagar o aluguel, comprar roupa, calçado, alimentos, remédios, viajar em ônibus ou nos trens do metrô. Pergunto: como permanecer frio, calado, indiferente, vendo tudo isto e a grã-fina Patrícia Diniz comprar dois coletes por 19.800 reais? É impossível se conformar ao saber que ela gastou, em poucas horas, 85 mil reais na compra de panos, badulaques do Versace, do Hermès, do Armani, produtos idênticos ou até inferiores a outros, das loja comuns.

Se alguém se opõe a estas minhas palavras, discorda, replico:

-Jamais aceitarei tal orgia de gastos, pois ferindo, machucando a sensibilidade do meu coração democrático, eu enxergo no outro lado – o lado sombrio – as queixas, a angústia, o sofrimento dos apara-migalhas de uma sociedade egocêntrica, desumana, apaixonada por coisas fúteis, admiradora do seu próprio umbigo, surda às lamentações dos desgraçados, capaz de esbanjar o dinheiro e incapaz de dá-lo a um hospital, a uma creche, a uma escola, a um asilo de idosos, a um orfanato.