sábado, 30 de novembro de 2019

FIQUEI COMPLETAMENTE ENOJADO


Os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos, no dia 30 de outubro de 2002, usando tacos de beisebol revestidos de ferro, assassinaram o casal Manfred e Marisia Richthofen, enquanto ambos dormiam. Quem pla­nejou friamente essa morte monstruosa, com dois meses de antecedência, foi a jovem Suzane von Richthofen, filha do casal. Motivo: os seus pais se opunham ao amor que unia Suzane a Daniel. Pais malvados! Eles não mereciam viver! Devido a essa imperdoável falta de compreensão do papai e da mamãe, a mocinha de rosto angelical os condenou à morte.
            Após comandar o trucidamento dos seus pais, a meiga Suzane foi com o namorado para o Motel Colonial, a fim de ali satisfazer o velho e imperioso instinto que perpetua a espécie humana.
            No Cemitério Redentor, da Zona Oeste da capital paulista, durante o enterro de Manfred e de Marisia, a suave planejadora do crime debulha-se em lágrimas, mostra como estava muito abalada. Coitadinha! Todos ali sentiram pena e imaginaram como devia ser profunda a sua angústia, pelo fato de ter perdido os pais daquela maneira tão selvagem, tão bárbara...
            Três dias depois, a doce órfã promove a festa do seu aniversário, à beira da piscina da casa. Ela ri, bebe, mastiga uma deliciosa picanha, troca beijos ardentes com o romântico Daniel. Quanta felicidade! Papai e mamãe enfim mortos, quietinhos debaixo da terra, bem estraçalhados, comidos pelos vermes gulosos, com as suas teimosas cabeças arrebentadas por pesados tacos de beisebol revestidos de ferro. Oh visão comovente, en­cantadora!
            Mas a Polícia, esta antipática, descobriu tudo. Pronto, acabou-se a felicidade dos três assassinos. Suzane decerto pensou assim: adeus dinheiro e casa do papai, adeus noites sexuais no Motel Colonial, adeus ruidosas churrascadas à beira da piscina!
A jovem ficou presa dois anos e sete meses, porém o Superior Tribunal de Justiça libertou-a, concedeu-lhe o habeas corpus. E o referido tribunal proporcionou, há pouco tempo, o mesmo benefício aos irmãos Cristian e Daniel Cravinhos. Quando os dois souberam do fato, contou um funcionário da Penitenciária Odon Ramos Maranhão, eles riram, pularam de alegria e se abraçaram.
            Roberto Tardelli, o promotor, criticou a decisão do STJ e disse que há a possibilidade de fuga dos irmãos, embora o tribunal ne­gue isto. Segundo Tardelli, a prisão de ambos era legal.
            Cheio de entusiasmo, Daniel pretende voltar à faculdade de Direito, onde cursava o primeiro ano. Deseja, portanto, tornar-se um advogado assassino... Não menos entusiasmado, o seu irmão Cristian declarou que vai trabalhar numa oficina de motos.
            Astrogildo Cravinhos, o pai dessa dupla maravilhosa, proferiu as seguintes palavras:
            -O amor de Suzane de Daniel foi o mais lindo que já vi em minha vida. Perto desse amor, o de Romeu e Julieta vira fichinha.
            E Astrogildo acrescentou:
            -Meus filhos, massacrados pela imprensa, não tiveram direito a nenhuma defesa.
            Como duas opiniões às vezes se chocam e uma pulveriza a outra! Para mim, o amor de Suzane e Daniel foi o mais hediondo que já vi em minha existência, pois gerou um crime teratológico. Julgá-lo superior ao puro e belíssimo amor de Romeu e Julieta, descrito na peça imortal de Shakespeare, não é só um absurdo, e também uma blasfêmia. Além disso, a imprensa nunca massacrou os dois irmãos, ela apenas informou, mas Cristian e Daniel, estes sim, guiados por Suzane, massacraram covardemente os corpos adormecidos de Manfred e Marisia Richthofen.
            As vítimas é que não tiveram o direito de defesa que os dois irmãos assassinos estão tendo..

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

domingo, 24 de novembro de 2019

GRAÇAS A ELAS, HÁ MAIS BELEZA


Daniel Filho, diretor da peça “As mulheres da minha vi­da”, que estreou no Teatro Cultura Artística, proferiu a seguinte frase, publicada no número 1.557 da revista “Contigo”:
“Mulheres inteligentes são chatas para serem esposas.”
Frase infeliz! Eu pergunto se o ator Daniel Filho pertence a essa classe de machistas que adoram mulheres burras ou ignorantes. Aliás, Maria Cristina Mendes Caldeira, ex-esposa de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, após ter sido chamada de burra e alienada por ele, rea­giu com estas palavras, segundo informa a revista “Veja”:
“Não sou uma mulher burra nem alienada. Chega um momento em que muitos fatos esquisitos passam a ser mais do que fatos esquisitos”
É inquestionável, e Maria Cristina não merece esse tipo de ofensa, como tantas outras mulheres acusadas injustamente, cretinamente, por estúpidos maridos machistas. Aliás, ser machista já é ser estúpido...
Muitos homens inteligentes, talentosos, exibiram o seu momento de burrice quando se referiram às mulheres. Na cena terceira do ato IV da peça “Emilia Galotti”, do dramaturgo alemão Gotthold Ephrain Les­sing (1729-1781), um personagem fala desta maneira:
“A moça que pensa é tão estúpida como o homem que se pinta”.
(“Ein Frauenzimmer, das denkt, ist eben, so ekel als ein Mann, der sich schminkt”).
Lessing deve ter colocado o seu próprio pensamento na boca do personagem. Na sociedade daquela época, os homens não aceitavam que as mulheres fossem inteligentes. Os preconceitos contra elas os fazia padecer de uma crônica estreiteza mental.
Chamfort (1741 – 1794), moralista francês, viveu na época de Lessing. Pois bem, ele ousou afirmar isto, na parte sexta das “Maximes et pensées”:
“As mulheres tem no cérebro uma célula de menos, e no coração uma fibra a mais”
(“Les femmes ont dans Ia tête une case de moins et dans le coeur une fibre de plus”)
Famoso por seus epigramas e aforismos cínicos, Chamfort era um pessimista e foi uma vítima da Revolução Francesa. Viveu solitário, cortejado pela nobreza, porém nunca soube compreender as mulheres. A inca­pacidade de centenas de homens de compreendê-Ias, leva esses homens a formular julgamentos errados. Portanto a burrice, sob este aspecto, não es­tá nas mulheres e sim neles. Coberta de razão se achava a americana Marga­ret Mitchell (1900-1949), autora de “Gone With the Wind” (“E o vento levou”), quando disse numa entrevista:
“A desilusão masculina mais comum é descobrir que a mulher pensa”.
Um patrício de Margaret Mitchell, o inteligentíssimo escritor Henry Louis Mencken (1880-1956), garantiu no capítulo “The feminine mind” ("A mente feminina") da sua obra “In defense of women”  (“Em defesa das mu­lheres”) :
“As mulheres, na verdade, não são apenas inteligentes; elas detêm praticamente o monopólio de certas formas sutis e mais úteis de inteligência."
Concordo, Mencken acertou. E uma prova da superioridade mental das mulheres em relação aos homens, é também esta: as mulheres não provocam guerras, não mandam invadir países, não causam a morte de milhões de inocentes, não adotam os métodos sujos de Adolf Hitler e George W. Bus­ch.
Vivam as mulheres, elas são a parte mais limpa e mais bela da humanidade!

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

domingo, 17 de novembro de 2019

FICAR SOZINHO É BEM MELHOR


O editor Charles Cosac, dono da editora CosacNaif, tem 1,84 de altura e ama a solidão. Numa reportagem publicada na revista “Veja São Paulo”, o meu colega Orlando Margarido informou que Charles vi­ve recluso em Higienópolis, no seu apartamento de 1.200 metros quadrados, cheio de obras de arte. Criatura de olhar melancólico, revelador de alma extremamente sensível, ele não comparece a eventos e jamais recebe para festas. Detesta o frenesi das multidões:
-Três pessoas já me deixam em pânico - confessou.
Eu compreendo Charles Cosac e não o censuro. Viver soli­tário, obedecendo as ordens do nosso temperamento, além de ser boa defesa contra este mundo imundo, é uma riqueza espiritual. Ora, Charles é um es­teta, um amante das coisas belas. A independência econômica lhe permite isolar-se, ficar longe da feiura dos maus, dos ingratos, dos hipócritas, dos traidores, dos preconceituosos, das pessoas cujas almas, se estas ti­vessem cheiro, federiam mais do que o cano de um esgoto furado.
O nosso mundo imundo se torna cada vez mais nojento e a solidão é pura, limpa, não causa ânsia de vômito.
Gabriele D'Annunzio (1863-1938) escreveu estas palavras no capítulo IV do romance “Trionfo della morte”:
            "A solidão é a prova suprema da humildade ou da superioridade de um espírito.”
            ( “La solitudine é la suprema prova dell ‘umilità o della sovranità di un anima”)
Santo Antônio nos mostra como a solidão pode ser a prova máxima dessa humildade. Ele era belo, nobre, rico. Influenciado por uma passagem da “Bíblia”, vendeu todos os seus bens, distribuiu o dinhei­ro pelos pobres e foi morar no deserto do Egito. Primeiro se abrigou num túmulo vazio, depois nas ruinas de uma fortaleza. Cobriu-se com um cilício de crina de cavalo e só se alimentava com o pão que lhe traziam, de seis em seis meses. E assim viveu, mortificando-se, rezando sem parar. Ao ver o sol nascer, radioso e ofuscante, ele dizia:
            "Ó sol, por que te levantas e já me impedes de contemplar o esplendor da verdadeira luz?"
            A verdadeira luz do solitário Charles Cosac é a paz interior, proporcionada pelo afastamento das torpezas do nosso mundo imun­do. Estes versos de Amadeu de Amaral se ajustam à sua alma delicada:

                      “A solidão é um bem; tanto mais perfeito,
                      quanto não se alimenta de ilusão:
                      e tangível, real, simples e sem defeito
                      como a água, como a luz, o ar e o pão”.

            Nunca aceitei a afirmativa de que toda solidão é nociva. Ela só é ruim se não tem sentido, pois as almas são desiguais. Aquilo que agrada a fulano, pode desagradar a mim. Se todos pensassem da mesma forma, a humanidade seria composta de robôs idênticos, fabricados em série. Benditas as diferenças! Elas nos ajudam a eliminar o tédio, a rotina, provocam a atração física ou espiritual.
No livro “Génie du christianisme”, publicado em 1802, Chateaubriand colocou esta frase:
“A solidão é perniciosa para quem nela não vive com Deus.”
("La solitude est mauvaise a celui qui  n’y vit pas avec Dieu”)
            Pois bem, o isolamento de Charles Cosac é benéfico porque ele o acha necessário. E cristão ortodoxo, homem de muita fé, é um solitá­rio que acredita no Ser Absoluto.

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins