sábado, 21 de setembro de 2019

RESPIRA, NÃO MORREU!


Vi outro dia, num programa sério de televisão (não era humorístico) uma senhora se enfurecer ao ouvir estas palavras de um jovem estudante:
-A senhora é muito pudibunda.
-Pudibunda é a sua avózinha! – replicou a mulher, vermelha de cólera.
Santa ignorância! Essa senhora, uma moralista, associou o adjetivo pudibunda, oriundo do latim, pudibundus, e que designa a pessoa que mostra pudor, que se envergonha, ao substantivo feminino plural nádegas, o qual se aplica àquela parte do corpo humano também chamada de bozó, bunda, holofote, padaria, popô, rabo, rabioste, tralalá, segundo informa a página 1382 da terceira edição do excelente “Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa”, lançada pela Editora Positivo de Curitiba.
O embaixador M. Pio Corrêa, no artigo “Pudibunda é palavrão?”, publicado na edição de 2 de junho de 2005 de “Globo”, narrou certo fato bem interessante. Ele descreveu um “episódio perfeitamente autêntico”. Após virar censor, um policial perguntou ao delegado:
-Doutor, pudibunda é palavrão?
Ignoro o que o delegado respondeu, o autor do artigo não conta, mas eu juro de pés juntos: se pudibunda é palavrão, o adjetivo abundante também é...
Os poetas e escritores românticos da nossa literatura, frequentes vezes, excederam-se no uso deste substantivo unido a um adjetivo:
“Donzela pudibunda”.
Casimiro de Abreu (1829-1860), o delicado lírico de “As primaveras”, é autor da poesia “Sempre sonhos!...”, escrita em 1858, dois anos antes de sua morte:
“Nesse mundo de luz, doce e risonho,
A pudibunda virgem do meu sonho
Seria minha irmã!”
Camões colocou estes dois versos na estrofe 75 do canto IV de “Os lusíadas”:
“Veio a manhã no céu pintando as cores
De pudibunda rosa e roxas flores.”
Na “Folha de S.Paulo”, jornal cujo maior orgulho é o de ser bem moderno, atualizado, apareceu há pouco tempo “um pudibundo horror”. Eis aí a prova de que o velho adjetivo pudibundo continua vivo, com boa saúde... Deve, hoje, um jornalista usá-lo? Sim, em certas circunstâncias, mas sempre de maneira irônica, num tom de gozação. As palavras idosas rejuvenescem, se quem as emprega possui bom gosto, apurado senso crítico.
Notícias mal redigidas são a consequência da precipitação. O estadista inglês Philip Dormer Stanhope (Lord Chester-field, 1694-1773), escreveu o seguinte numa carta de 1751:
“Um homem sensato pode ter pressa, mas nunca precipitação, porque sabe que o que se faz precipitadamente, sai sempre mal.”
“A man of sense may be in haste, but never in a hurry, because he knows that whatever he does in a hurry he must necessarily do very
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

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