domingo, 15 de setembro de 2019

O CAPETA SOPROU NO MEU OUVIDO


Às 23 horas e 40 minutos do dia 30 de outubro de 2002, a estudante Suzane Louise von Richthofen, de dezenove anos, e o seu namorado Daniel Cravinhos, com o irmão deste, Cristian Cravinhos, entram na casa dos pais de Suzane, do engenheiro Manfred von Richthofen e da sua mulher Marisia. Bem cautelosa, Suzane vai verificar se os pais estão dormindo. Depois se afasta. Os dois irmãos, no quarto do casal, arrebentam as cabeças de Man­fred e de Marisia com barras de ferro. Para simular um assalto, os assassinos espalham joias no quarto e colocam um revólver perto da cadáver do engenheiro. Enquanto os dois irmãos esmigalhavam as cabeças dos seus pais, Suzane desarrumava a biblioteca da casa, a fim de também dar à polícia a impressão de ter sido um assalto.
Tranquilos, os três pegam o dinheiro e saem da residência. Sentindo-se plenamente realizada, muito feliz, Suzane vai para um motel com o namorado. Que delícia, saciar o apetite sexual, após saber que as cabeças do papai e da mamãe foram esmigalhadas!
No enterro, a loura Suzane chora, mas logo, três dias depois, ela promove a festa do seu aniversário, à beira da piscina da casa. É uma churrascada. Carnes ótimas, picanha deliciosa, bebidas da melhor qualidade... Oh maravilha, Suzane ficou com a mansão, o dinheiro dos pais e o seu queri­do Daniel! Poderia alcançar maior felicidade?
A polícia elucida o crime. E exibindo a sua carinha angelical, Suzane confessa que planejou tudo calmamente, com dois meses de ante­cedência.   Motivo:  os pais preconceituosos se opunham ao seu romântico namoro, não aceitavam o meigo Daniel, rapaz pobre, bonzinho, bonitinho.
Imaginemos o que se passou na linda cabecinha da incompreen­dida Suzane. Papai e mamãe não gostam do meu amado? Ah, então papai e mamãe não merecem viver! As suas cabeças duras, estupidas, precisam ser arrebenta­das com barras de ferro!
Estabelece a Constituição Federal, no inciso LVII do Artigo
5º, referente aos direitos e deveres individuais e coletivos, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal conde­natória”. Portanto, segundo a Carta Magna, a presunção de inocência, antes do último julgamento, deve ser observada.
Por três votos a dois, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu o habeas corpus a Suzane. Ela aguardará o seu julgamento fora da Penitenciária de Rio Claro. Mas de acordo com o Artigo 312 do Código do Processo Penal, há um requisito que baseado na garantia da ordem pública, autoriza a prisão preventiva. Ora, o crime hediondo de Suzane fez dela uma ameaça, um perigo para a segurança da sociedade. Foi um erro jurídico, daí concluímos, não ter sido mantida a sua custódia cautelar.
Na época de Júlio César, a Justiça romana condenava sem de­mora os que matavam seus pais. Os parricidas e os matricidas eram metidos vivos dentro de um saco de couro, na companhia de um galo, de um cão, de uma víbora e de um macaco. Tomadas estas providências, os executores da lei jogavam o saco no mar. Aqui no Brasil a nossa Justiça, sob tal aspecto, não é tão rápida e sumária...
O rosto de Suzane Louise von Richthofen é belo, porém o seu olhar é frio como o de uma serpente. Quando soube que o STJ lhe havia conce­dido o habeas corpus, ela disse à diretora da penitenciária:
-Está vendo, doutora, eu sabia que Deus ia me ouvir.
Não, não foi Deus que ouviu Suzane: foi o diabo.

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins

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