Não se
morre apenas por velhice, doenças e outras causas. Morre-se também por amor. O
verbo morrer, na sua forma pronominal, significa finar-se, sofrer,
intensamente. É um fato, o amor também mata, às vezes devagarinho e outras de
modo rápido.
Abandonado pela sua namorada, o
filho do guarda da minha rua suicidou-se, ingerindo um veneno para ratos. Era
bem jovem, tinha dezoito anos. Ficou um mês na UTI do hospital, entre a vida e
a morte, com o estômago e o intestino dilacerados pelo veneno corrosivo.
No minucioso “Nobiliário” do Conde
D. Pedro e no “Livro velho das linhagens de Portugal” há referências à paixão
de Pero Roiz por Maria Pais, esposa de D. Gonçalo Gonçalves. Impedido de possuí-la,
o romântico Pero Roiz morre de amor. Júlio Dantas, escritor admirável, baseado
nessa história verdadeira, produziu no ano de 1898 uma peça em quatro atos,
intitulada “O que morreu de amor”, cuja ação decorre no século XIII, na cidade
do Porto.
Evocarei agora o amor infeliz dos
amantes de Teruel. Na igreja de São Pedro dessa cidade aragonesa, dentro de
dois ataúdes de madeira, contendo os restos de um homem e de uma mulher, foi
encontrado no século XIV um documento em letras góticas. Esse documento narrava
a história dos jovens Diego Marcilla e Isabel de Segura. Os dois cresceram juntos,
amaram-se desde a infância. Moço pobre, Diego quis ser o marido de Isabel,
porém o pai da jovem não permitiu. Só lhe daria a filha com uma condição: se o
rapaz ganhasse muito dinheiro, no prazo de cinco anos. Isabel jurou que iria
esperá-lo. Aceito o acordo, Diego viajou até Oriente, a fim de participar das
Cruzadas, e lá os sarracenos o aprisionaram.
Ao voltar a Teruel, um dia após o
término do prazo, ele viu, assombrado, que a amada se casara. O moço conseguiu
falar com ela. Reprovou-a, mas Isabel justificou-se: cumprira a ordem do seu
pai. Então Diego pediu a Isabel que lhe desse um último beijo. A jovem não o
satisfez, pois desejava respeitar a sua condição de mulher casada.
Desgostoso, imerso na mais profunda
das tristezas, Diego Marcilla morreu poucas horas depois. Expuseram o seu
cadáver no interior da Igreja de São Pedro. Transtornada, Isabel aproximou-se
do ataúde e aplicou no rosto de Diego o beijo que lhe havia sido negado.
Aplicou o beijo e tombou morta.
As famílias de ambos decidiram
enterrá-los juntos, porque unida ao amor sincero, a morte purifica tudo. O
casal jaz, na igreja de São Pedro de Teruel, em dois magníficos sarcófagos de
mármore. Nesse mármore que os representa, a mão esquerda de Isabel - a mão do
lado do coração-repousa na mão esquerda de Diego. Um quadro do pintor Antonio
Muñoz Degrain, no Museu do Prado, mostra a morte de Isabel de Segura diante do
cadáver de Diego Marcilla. Dramaturgos da pátria de Cervantes, como Tirso de
Molina, Pérez de Montalbán, Francisco Luciano Comella e Eugênio Hartzenbusch,
inspirados pela comovente história dos amantes de Teruel, escreveram peças que
se tornaram famosas.
Morrer por amor! Que coisa linda!
Linda e triste. Como isto nos parece irreal, um sonho, nesta época tão afastada
da espiritualidade, onde os selvagens apetites materiais predominam! Época do
egoísmo, da hipocrisia, da traição, do mensalão, da vitória do canalha, do
culto desvairado ao dinheiro, este deus sem ética que prefere favorecer os
safados, os corruptos. Hoje, quando uma pessoa honesta se enriquece, é devido
à distração do deus dinheiro. Ele não estava olhando...
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do
livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela
HaperCollins.