sexta-feira, 30 de agosto de 2019

NÃO FALE MAL DELE!


Fiquei indignado ao tomar conhecimento de um fato. O chefe da vendedora Marizetti Brandoli de Mattos pedia para ela usar o seu corpo, prostituir-se, a fim de vender mais. Isto aconteceu em São Bernardo do Campo. Senhora de 35 anos, Marizetti é casada e mãe de uma adolescente. Ela contou:
- Antes de sair em busca dos clientes, participávamos de reuniões diárias na empresa. O meu chefe, com o objetivo de nos forçar a vender mais, usava uma linguagem baixa, nojenta. Queria que eu e as minhas colegas usássemos roupas provocantes, saias bem curtas e blusas bem decotadas. Todas nós devíamos aceitar as cantadas dos clientes, pois conforme ele afirmava, “vale tudo” quando se trata de vender.
Constrangida diariamente, Marizetti pediu demissão, depois de trabalhar durante três anos na empresa. Revoltada, contratou um advogado e logo a Justiça do Trabalho condenou a firma a indenizar a vítima por assédio moral.
Esta humilhação infligida à vendedora revela isto: ainda sobrevive, no século XXI, um machismo bárbaro, arcaico. Desde priscas eras, milhões de homens, transformados em bestas selvagens, desprezaram, humilharam, xingaram e espancaram mulheres indefesas. Há cerca de 2.350 anos antes de Cristo, por exemplo, o rei Urukagina, da Suméria, mandou espalhar o seguinte édito:
“Se uma mulher, falando, desrespeitar um homem, que a boca desta mulher seja esmagada com um tijolo.”
Admito, São Paulo foi machista. Deseja ver a prova, amigo leitor? Abra a “Bíblia de Jerusalém”, considerada por centenas de estudiosos a melhor edição da Sagrada Escritura, e leia os versículos 34 e 35 do capítulo 14 da Primeira Epístola aos Coríntios, do Apóstolo dos Gentios:
“...estejam caladas as mulheres nas assembleias, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa, não é conveniente que uma mulher fale nas assembleias, pois não lhes é permitido instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa, não é conveniente que uma mulher fale nas assembleias.”
Ah, São Paulo, eu o venero mas aí, neste ponto, o senhor me desiludiu!
Visto como o maior pensador do século XVII e fundador do método científico moderno, o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) era um machista empedernido. Ele escreveu estas palavras nas “Máximas da lei”:
“O marido tem, por lei, o poder e o domínio sobre a mulher, e o direito de mantê-la, à força, dentro dos limites do dever, e pode surrá-la, mas não de maneira violenta ou cruel.”
Quanta estupidez! Agora eu pergunto: qual é a surra que não é violenta e cruel? Existe a surra mansa, bondosa?
Os provérbios sobre as mulheres, inventados pelos homens – provérbios machistas – existem em quase todas as línguas. Vejam um dos russos:
“A mulher não é uma pessoa, assim como a galinha não é um pássaro.”
Quem inventou este provérbio deve ter sido um fulano muito cretino, que necessitava com urgência de um transplante de cérebro. Chamá-lo de quadrúpede é ofender os quadrúpedes, pois se eles falassem não usariam as suas bocas para soltar uma besteira assim tão grande, tão monumental...
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins

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