quinta-feira, 17 de março de 2011

QUEM VÊ CARA NÃO VÊ CORAÇÃO

Julgo o povo, inúmeras vezes, mais sábio que os maiores sábios. Sua filosofia nasce da soma dos mais variados conhecimentos. Na leitura de um provérbio ou de um dito sentencioso colaboraram multidões tragadas pela voragem do tempo. Quanta profundeza deparamos num rifão! Uma frase popular não é o produto espontâneo de um repente feliz. Custou amarguras, decepções, sendo argamassada com diversas e sofridas experiências. Daí o cunho verdadeiro desses adágios que correm mundo, de autores desconhecidos, mas tão expressivos, tão lapidares, como os melhores aforismos de Pascal, La Rochefoucauld e Anatole France.
Assevera o povo, com instintiva sabedoria, que “quem vê cara não vê coração.” De fato nos enganamos, quando pretendemos avaliar o nosso semelhante pela sua fisionomia. As aparências iludem, escondem a realidade. A natureza quis brincar com o homem, oferecendo-lhe aspectos contraditórios, perturbadores, demonstrando, assim, as deficiências de nossa acuidade.
Se os sentidos estão sujeitos a tantas falhas, que dizer, então, do nosso cérebro?
Todo indivíduo, por mais tolerante, tem sempre encaixadas na cabeça, de forma renitente, algumas ideias convencionais, originadas de uma excessiva padronização da vida coletiva. São essas ideias preconcebidas, milhares e milhares de vezes divulgadas, que prejudicam a nossa visão particular das coisas e a capacidade de penetração psicológica. Por exemplo: em geral achamos que todo fulano com rosto assustador deve ser perigoso. Um tipo mal-encarado, de cicatriz na face, pode nos arrepiar o cabelo. Por qual motivo? É que o cinema e os romances policiais costumam mostrar os bandidos desta maneira...
Existe gente linda, de corpo sedutor, que é ruim como o Capeta, e gente feia, horrível mesmo, que é boa como a alma protetora dos anjos.
Sócrates, segundo Platão, possuía nariz retorcido, lábios grossos, olhos esbugalhados, pescoço bovino. Sua fealdade desaparecia perante a beleza moral que lhe ornava o espírito.
As mulheres Saras-Djinges, do centro da África, deformam com enormes sacrifícios os seus lábios, que ficam gigantescos. Isto, para elas, é a suprema beleza.
Os nativos das ilhas Sandwich, conforme o relato de diversos viajantes, acham que a mulher, quanto mais gorda, mais bonita se torna...
Cleópatra, na opinião de arqueólogos da NationalGeographicSociety, tinha uma boca demasiado pequena e um nariz demasiado grande, não se justificando, por conseguinte, a paixão de Marco Antônio por ela, já que a esposa deste, Otávia, era muito mais bela.
Do exposto, a que conclusão chegamos? Se a formosura é aquilo que nos agrada, então a fealdade, inúmeras ocasiões, é sublime, encantadora. E se a feiúra é, antes de tudo, aquilo que provoca repulsa, má impressão, quanta criatura de belo semblante é desprezível, horrorosa!

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