quinta-feira, 14 de maio de 2020

CONTINUA O MARTÍRIO DO PAI DA AVIAÇÃO


No ano do centenário do voo do 14-Bis, aparelho com o qual Santos Dumont provou que é o inventor do avião, se tornou oportuno mostrar os erros sobre o nosso genial patrício, publicados em livros, dicionários e enciclopédias.

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No livro Nosso Brasil, aparecido em 1936, o escritor Plínio Salgado infor­mou no capítulo “História de balões e aeroplanos”, a propósito de Santos Dumont:
"Resolveu voar numa nave mais pesada do que o ar. Construiu o primei­ro aeroplano, ao qual deu o nome de Demoiselle."
Plínio Salgado afirma que Santos Dumont fez isto logo após contornar a Torre Eiffel num balão em forma de charuto, Ora, tal fato ocorreu no dia 19 de outubro de 1901. com o dirigível nº 6. A vitória lhe deu o Prêmio Deutsch, ele ganhou a importância de 100.000 francos, mais 25.000, acrescidos de 4.000 de juros, totalizando 129.000 francos, dos quais 50% foram distribuídos entre seus auxiliares, e os restantes 50%, entre os pobres de Paris.
O primeiro aeroplano de Santos Dumont não é o Demoiselle, cuja autonomia de voo era de quinze minutos, avião de 1907, e sim o 14-bis, criado em 1906, que lhe proporcionou a iniciativa de dirigir o primeiro voo com um aparelho mais pesado do que o ar. Daí se conclui: o chefe do Integralismo armou uma confusão, ou como diz o povo, '"trocou as bolas”.

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A Enciclopédia do curso secundário, lançada em 1941 pela Editora Glo­bo e organizada por Álvaro Magalhães, professor da Universidade de Porto Alegre, revela na página 256:
“Em 1906, tendo (Santos Dumont) abandonado as experiências com apa­relhos mais leves do que o ar, conseguiu levantar voo em seu avião, a Baga­tela, recebendo a taça Archdeacon”.
Mais uma trapalhada, como a de Plínio Salgado. O inventor abiscoitou o prêmio devido ao 14-bis e não graças à proeza do inexistente Bagatela. Quem escreveu o verbete da enciclopédia confundiu o prado de Bagatelle (onde Santos Dumont realizou o voo de 23 de outubro de 1906), confundiu esse prado com o famoso 14-Bis, o “Ave de Rapina”, aparelho cujo motor tinha 50 HP, dois carburadores e 1.500 rotações por minuto.

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Talvez baseado no erro de Plínio Salgado, o Diccionário enciclopédico de las Américas, da Editorial Futuro, de Buenos Aires, obra de 1947, forneceu esta informação sobre Santos Dumont, na página 608:
“... en 1909 efectuó el primer vuelo con una máquina más pesada que el aire, el Demoiselle, desde Saint Cyr a Buc.”
Diante da repetição desse erro, veio à nossa memória um trecho de Frei Heitor Pinto, o insigne escritor clássico do século XVI, cuja Imagem da vida cristã é um modelo de pura linguagem e de elevado estilo:
“Assim como lançando uma pedra em um grande poço se faz um círculo na água, e dele procede outro maior, e este maior faz outro mais estendido, após o qual vem outro e outros cada vez maiores quase em infinito, assim de um erro nasce outro, e este traz outro consigo maior, após o qual vem outros cada vez maiores quase em infinito, se lhe não atalham logo ao princípio”.

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

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