domingo, 17 de novembro de 2019

FICAR SOZINHO É BEM MELHOR


O editor Charles Cosac, dono da editora CosacNaif, tem 1,84 de altura e ama a solidão. Numa reportagem publicada na revista “Veja São Paulo”, o meu colega Orlando Margarido informou que Charles vi­ve recluso em Higienópolis, no seu apartamento de 1.200 metros quadrados, cheio de obras de arte. Criatura de olhar melancólico, revelador de alma extremamente sensível, ele não comparece a eventos e jamais recebe para festas. Detesta o frenesi das multidões:
-Três pessoas já me deixam em pânico - confessou.
Eu compreendo Charles Cosac e não o censuro. Viver soli­tário, obedecendo as ordens do nosso temperamento, além de ser boa defesa contra este mundo imundo, é uma riqueza espiritual. Ora, Charles é um es­teta, um amante das coisas belas. A independência econômica lhe permite isolar-se, ficar longe da feiura dos maus, dos ingratos, dos hipócritas, dos traidores, dos preconceituosos, das pessoas cujas almas, se estas ti­vessem cheiro, federiam mais do que o cano de um esgoto furado.
O nosso mundo imundo se torna cada vez mais nojento e a solidão é pura, limpa, não causa ânsia de vômito.
Gabriele D'Annunzio (1863-1938) escreveu estas palavras no capítulo IV do romance “Trionfo della morte”:
            "A solidão é a prova suprema da humildade ou da superioridade de um espírito.”
            ( “La solitudine é la suprema prova dell ‘umilità o della sovranità di un anima”)
Santo Antônio nos mostra como a solidão pode ser a prova máxima dessa humildade. Ele era belo, nobre, rico. Influenciado por uma passagem da “Bíblia”, vendeu todos os seus bens, distribuiu o dinhei­ro pelos pobres e foi morar no deserto do Egito. Primeiro se abrigou num túmulo vazio, depois nas ruinas de uma fortaleza. Cobriu-se com um cilício de crina de cavalo e só se alimentava com o pão que lhe traziam, de seis em seis meses. E assim viveu, mortificando-se, rezando sem parar. Ao ver o sol nascer, radioso e ofuscante, ele dizia:
            "Ó sol, por que te levantas e já me impedes de contemplar o esplendor da verdadeira luz?"
            A verdadeira luz do solitário Charles Cosac é a paz interior, proporcionada pelo afastamento das torpezas do nosso mundo imun­do. Estes versos de Amadeu de Amaral se ajustam à sua alma delicada:

                      “A solidão é um bem; tanto mais perfeito,
                      quanto não se alimenta de ilusão:
                      e tangível, real, simples e sem defeito
                      como a água, como a luz, o ar e o pão”.

            Nunca aceitei a afirmativa de que toda solidão é nociva. Ela só é ruim se não tem sentido, pois as almas são desiguais. Aquilo que agrada a fulano, pode desagradar a mim. Se todos pensassem da mesma forma, a humanidade seria composta de robôs idênticos, fabricados em série. Benditas as diferenças! Elas nos ajudam a eliminar o tédio, a rotina, provocam a atração física ou espiritual.
No livro “Génie du christianisme”, publicado em 1802, Chateaubriand colocou esta frase:
“A solidão é perniciosa para quem nela não vive com Deus.”
("La solitude est mauvaise a celui qui  n’y vit pas avec Dieu”)
            Pois bem, o isolamento de Charles Cosac é benéfico porque ele o acha necessário. E cristão ortodoxo, homem de muita fé, é um solitá­rio que acredita no Ser Absoluto.

_______________________

Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins

Nenhum comentário: