sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A CRUELDADE DE GIULIANO


Durante 35 anos, lá na Itália, o senhor Giuliano Pavanelli ficou em seu lar, sem sair. E espontaneamente, para que a sua esposa, muito ciumenta, não sofresse. Mas um dia o Giuliano saiu. De que maneira? Saiu defunto, num caixão de madeira por ele mesmo fabricado... Como 35 anos equivalem a um bom espaço de tempo, ele se pôs a estudar obras clássicas, a fim de se distrair. Aprendeu de memória a “Divina comédia”, o extenso poema de Dante Alighieri, dividido em três partes e com 14.233 versos. Em seguida se dedicou a memorizar os verbetes de um dicionário. Quando chegou à letra “p” da página 1703, o Giuliano teve de parar, pois a morte o colheu de surpresa.
Admirável exemplo de amor conjugal? Não. Giuliano agiu como um tolo. E a sua mulher, pelo fato de aceitar esse sacrifício insensato, provou ser paranoica. O seu ciúme era uma doença da alma, o fruto de um desequilíbrio psíquico.
Além desse, outro caso de ciúme mórbido me impressionou bastante, na minha longa carreira de escritor e jornalista: o da bela francesa Catherine Lambrech. Ela vivia, no ano de 1968, em Gennevilliers, a poucos quilômetros de Paris. Andava acorrentada pelos tornozelos e todas as vezes, ao sair do lar, exibia uma corcunda artificial, feita de material plástico. O seu enciumado marido, Gerhardt Lambrecht, obrigou-a a andar assim. Catherine aceitou tudo isto “por amor”, como ela própria disse. Gerhardt havia sido traído pela primeira esposa na Alemanha e antes de conhecer Catherine, alistara-se na Legião Estrangeira.
Analisei tal caso e cheguei à seguinte conclusão: Gerhardt era um neurótico sádico, vítima de um agressivo distúrbio emocional, e a sua esposa gostava de sofrer, de ser humilhada. Tornou-se o casal a união de um sadismo com um masoquismo, ambas as taras alimentadas pelo ciúme, este “monstro de olhos verdes” (”green eyed monster”), como afirmou Iago no ato III do “Otelo”, de Shakespeare.
Existem três tipos principais de ciúme: o ciúme leve, algo natural; o ciúme forte, nascido da desconfiança ou da insegurança de quem o sente; e o ciúme maluco, frenético, apocalíptico, oriundo dos traumas psicológicos.
É o ciúme uma prova de amor? Nem sempre. Muitas pessoas ficam ciumentas por se sentirem lesadas nas suas vaidades. Não podem suportar a ideia de ceder a alguém a posse de um coração. O poeta italiano Lorenzo Stecchetti (1845-1916), cujo verdadeiro nome era Olindo Guerrini, é autor de uns versos que me servem de exemplo. Ele descreve, nesses versos, como se atirava chorando, repleto de paixão, aos pés de uma mulher insensível ao seu afeto. Desiludido, o poeta decidiu procurar outra mulher, mas a primeira, quando soube disso, voltou atrás:
“Tempos após, de uma outra os passos eu segui,
Então, ela me chamou, abriu-me os braços
E amou-me por ciúme.”
            Antes de concluir este bate-papo, saliento que existe também o ciúme hipócrita. Quem é dominado por ele, disfarça, cala-se, sorri, mas o ciúme, no íntimo dessa pessoa, está nervoso, agitado, protestando. Como identificá-lo? Revelo: um involuntário e fugaz olhar de despeito, às vezes, pode denunciar a presença oculta do monstro...
O ciúme na poesia do povo
“Tenho um nó no coração
E tenho a cabeça inchada,
Ciúme mata ou maltrata,
Ou deixa a alma aleijada.”
(Quadra popular do livro “Trovas brasileiras”, de Afrânio Peixoto, publicado em 1944 pela Companhia Editora Nacional).
Pensamento sobre o ciúme
 “Il y a dans la jalousie plus d'amour propre que d'amour”
 (“Há no ciúme mais amor próprio do que amor”.)
Frase de La Rochefoucauld (1613-1680), escritor francês.

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