Apesar de não
gostar de automobilismo, no qual enxergo uma loucura e não um esporte, eu
admirava a coragem de Senna. O seu patriotismo me comovia. Mesmo sem querer,
lutando contra os meus próprios sentimentos, a emoção se apoderava da minha
alma, quando via
Ayrton Senna agitar a nossa bandeira, após ser o vencedor de uma corrida
internacional. Um nó se formava na minha garganta e eu engolia a seco. Aquele
rapaz modesto, erguendo a nossa bandeira, me devolvia o
orgulho de ser brasileiro e conseguia tirar do meu coração, por alguns
momentos, o ódio, a fúria, a revolta que nunca deixei de alimentar contra os
nossos políticos corruptos.
Sim, ele estufava o nosso
peito, fazia desabrochar em nossas caras, mesmo que não fosse na primavera, a
nacarada flor do sorriso, da alegria apetecida. Ofertava esse prazer ao povo e
ainda o socorria, pois só agora se sabe, depois de sua morte, que ele ajudou em
segredo, às ocultas, deficientes físicos e à entidades assistenciais. Deu
milhares de dólares à Fundação Abrinq, à Associação de Assistência à
Criança Defeituosa, ao Centro de Reabilitação do Hospital
das Clinicas. Graças aquele piloto de ar tímido e gestos simples, máquinas
carissimas foram adquiridas no exterior, como o aparelho Cybex, utilizado nas
avaliações musculares. Com o dinheiro que ganhava nas pistas, arriscando sua
vida, Ayrton Senna patrocinou o tratamento de centenas de crianças carentes,
portadoras de distúrbios cerebrais ou neurológicos.
Ele salvou a vida
da jovem Regiane Maria dos Reis, que sofria de cirrose hepática crônica e
necessitava urgentemente de um transplante de fígado. Os 65 mil dólares doados
por Senna pagaram a operação da moça. E a sua bondade também favoreceu, no
estado do Acre, uma instituição de assistência médica a índios e seringueiros,
fundada pelo Chico Mendes. Inimigo do espalhafato, da caridade ruidosa e
ostensiva, Senna exigia que essas ações jamais fossem reveladas.
Rapaz de olhar meio triste, Ayrton Senna
declarava que durante as corridas, quase sempre, tinha o
costume de conversar com Deus. Aliás, em 1988, após conquistar o seu primeiro
titulo mundial no Japão, ele afirmou que havia contemplado Jesus Cristo num
trecho do autódromo, antes do fim da prova. Leiam as suas palavras:
-Eu
estava agradecendo a Deus pela vitória. Deus me presenteou.Era um presente
enorme, essa vitória. Mesmo rezando, eu estava superconcentrado, me preparando
para uma curva longa, de 180 graus, quando vi a imagem de Jesus.
Ele era tão grande, tão grande... Não estava no chão. Estava suspenso, com a
roupa de sempre, e umaluz em
volta. O seu corpo inteirinho subia para o céu, alto, alto,
alto, ocupando
todo o espaço. Eu vi essa imagem incrível, enquanto guiava o carro de corrida.
Guiava com precisão, com força, com...
Ai, nesse momento,
Ayrton Senna ficou mais emocionado, os seus olhos se umedeceram e ele acrescentou:
-É de enlouquecer, não é? É
de
enlouquecer...
Que moço estranho, o Ayrton Senna! Pairava no
seu rosto a melancolia das criaturas que morrem cedo. Ayrton era um místico, um
médium com o dom de ter visões, um ser repleto de bondade, de espiritualidade.
Agora eu o vejo
como um espírito de luz, guiando no espaço negro da morte um belíssimo e
resplandecente carro de corrida. Para onde vai esse carro etéreo, mais veloz do
que os carros de corrida do nosso planeta? Vai em direção à Luz suprema, à Luz
de todas as luzes, à Luz que ressuscita os mortos e que se chama Deus. E de
onde vem a força desse carro celestial do Ayrton? Vem de sua alma, da sua bondade,
da sua piedade, da humana ternura do seu coração sensível e extremamente
generoso...
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