Fiquei rubro de indignação ao ler, num
recente exemplar da revista Veja São
Paulo, a reportagem sobre as pessoas que vindas do interior do estado
bandeirante, chegam na capital paulista de jatinhos, helicópteros e carrões
importados, para comprar roupas e objetos caríssimos. Esta gente é recebida com
tapetes cor de sangue e grandes curvaturas vertebrais pelos vendedores de
butiques, de lojas classudas da “rota do luxo” da metrópole.
Assinada por Ricky Hiraoka, a bem
feita e bem escrita reportagem informa: a empresária Patrícia Diniz, de
Campinas, em apenas uma tarde de compras, torrou 85 mil reais. Veio a São Paulo
de helicóptero vermelho, da cor da minha indignação, gastando com o aluguel do
aparelho, numa viagem de poucos minutos, 10 mil reais. O cabelereiro Djalma
Kais, cuja careca cintila como bola de bilhar, cobrou a modesta quantia de 12
mil reais, a fim de retocar a maquiagem de Patrícia e os seus ondulados cabelos
castanhos. Mulher linda, simpática, balzaquiana cheia de requintes (38 anos de
idade), ela usa sapatos Armani, lenço Versace, bolsa Hermès, joias Cartier e
Tiffany, marcas que eu, revoltado homem da “plebe fedorenta”, considero
sinônimos de desperdício, exagero, exibicionismo, elitismo, aristocratícismo.
Eis os outros gastos da risonha
Patrícia Diniz: 940 reais por um lenço preto do Louis Vuitton, um par de óculos
da Chanel por 1.640 reais, uma camiseta de paetê por 2.390 reais, um casaquinho
por 2.900 reais, dois coletes de pele, cada um por 9.900 reais, perfazendo a
quantia de 19.800 reais.
A empresária almoçou no restaurante
Parigi, do grupo Fasano, situado na rua Amauri do Itaim Bibi, refeição cujo
custo foi uma pechincha, 900 reais, pagos com dezoito notas de 50 reais.
Feliz, a carregar sacolas enormes que
mostravam as etiquetas do Tufi Duek, da Chanel, do Louis Vuitton, a
extrovertida Patrícia, dona de perturbadoras pernas hipnóticas, regressou a
Campinas no vistoso helicóptero vermelho, super entusiasmada por ter gasto, em
apenas quatro ou cinco horas, a insignificância, a burundanga, a frioleira, a
bagatela de 85 mil reais... Ela declarou: faz isto todas as semanas, com gasto
mensal de 320 mil reais, tão – somente...
Salienta também a reportagem de Ricky
Hiraoka, de modo imparcial, que o médico nutrólogo Danny César, o “Doutor
Hollywood” do Balneário Camboriú de Santa Catarina, acompanhado pela sua
esposa, a blogueira Michelle Jumes, após chegar ao campo de Marte em voo
fretado por quase 5 mil reais, visitou a loja do Versace, no Shopping Cidade
Jardim, e ali comprou um par de sapatos por 1.800 reais. Danny não se esqueceu
de passar no Jassa, o cabelereiro especializado na arte de tingir de verde, ou
de azul, ou de cinzento, os fios da cabeça octogenária do Silvio Santos.
Depois Danny entrou em duas lojas
elegantérrimas da rua Oscar Freire, a Schutz e a Chilli Beans. Criatura inimiga
de locais suspeitos, como essas churrascarias populares, de rodízio, decidiu
almoçar no sofisticado restaurante Figueira Rubaiyat, da rua Haddock Lobo, no
qual os puns são discretos e onde gastou a ninharia de míseros 898 reais. A
colunista social Alik Kostakis, do jornal Última
Hora, tinha razão: “gente fina é outra coisa”.
Quando anoiteceu, o “Doutor Hollywood
do Sul”, com várias sacolas grávidas, havia gasto a chorumela de 11 mil reais.
Soma reles, desprezível! Talvez o pequeno gasto o envergonhou, pois só os
miseráveis fulanos da plebe, como o revoltado escritor Fernando Jorge, procuram
gastar o menos possível.
Segundo Ricky Hiraoka, a senhora
Daniela Mott, de São José dos Campos, encomendou oito vestidos numa loja da
chamada “área nobre” de São Paulo. Preço de cada vestido: 8 mil reais. Despesa
total: 64 mil reais. Provavelmente a senhora Daniela vai vender cada vestido
por 16 ou 18 mil reais, como é de praxe...
Lethicia Bronstein, estilista da
referida área, consegue vender vestidos de noiva por 20 mil reais. As
compradoras, na maioria, não são paulistanas e sim do interior do estado.
Agora certos leitores poderão indagar:
-Fernando Jorge, por que você se
enraiveceu ao tomar conhecimento desses fatos? Você é recalcado, vítima de
aniquilador complexo de inferioridade? Sente inveja dos ricos? Então não sabe
que cada pessoa tem pleno direito de gastar o seu dinheiro como quiser? Ignora
que hoje, até na China comunista, existem milionários?
Eu respondo, de forma sincera:
-No Brasil ainda há uma sociedade
bastante injusta, desigual, onde vemos indigentes dormindo nas ruas,
professores com vencimentos irrisórios, aposentados sem dinheiro suficiente,
jovens de famílias pobres, modestas, privados de estudar, de frequentar escolas
ou universidades, milhões de patrícios na pindaíba, enfermos, mal nutridos,
necessitados de rápida assistência médica, trabalhadores que recebem salários
vexatórios, humilhantes, impróprios para sobreviver, pagar o aluguel, comprar
roupa, calçado, alimentos, remédios, viajar em ônibus ou nos trens do metrô.
Pergunto: como permanecer frio, calado, indiferente, vendo tudo isto e a
grã-fina Patrícia Diniz comprar dois coletes por 19.800 reais? É impossível se
conformar ao saber que ela gastou, em poucas horas, 85 mil reais na compra de
panos, badulaques do Versace, do Hermès, do Armani, produtos idênticos ou até
inferiores a outros, das loja comuns.
Se alguém se opõe a estas minhas
palavras, discorda, replico:
-Jamais aceitarei tal orgia de gastos,
pois ferindo, machucando a sensibilidade do meu coração democrático, eu enxergo
no outro lado – o lado sombrio – as queixas, a angústia, o sofrimento dos
apara-migalhas de uma sociedade egocêntrica, desumana, apaixonada por coisas
fúteis, admiradora do seu próprio umbigo, surda às lamentações dos desgraçados,
capaz de esbanjar o dinheiro e incapaz de dá-lo a um hospital, a uma creche, a
uma escola, a um asilo de idosos, a um orfanato.
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