sábado, 23 de março de 2013

O ROMANCE AUTOBIOGRÁFICO DE MINO CARTA



A literatura brasileira se enriqueceu agora com um romance autobiográfico de primeira categoria, O Brasil, de Mino Carta, lançado pela Editora Record. Obras desse caráter, na literatura do nosso país, romances autobiográficos, são A conquista e Fogo fátuo, do Coelho Neto, publicados respectivamente em 1899 e 1929; O Ateneu, de Raul Pompéia, joia da nossa literatura, aparecida em 1888; Fretana, de Carlos Dias Fernandes, livro publicado em 1936.
Nos dois romances autobiográficos do maranhense Coelho Neto, que chegou a ser eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros (e muito combatido pelos modernistas de 1922), ele evoca os vultos da sua geração literária, Olavo Bilac, Paula Nei, Luís Murat, Aluísio Azevedo, Guimarães Passos, etc. Em O Ateneu, do fluminense Raul d’Ávila Pompéia, obra de intensa densidade psicológica, narrada na primeira pessoa, esse escritor angustiado (suicidou-se) descreve o drama de um menino (ele próprio) metido num internato. Fretana, do pernambucano Carlos Dias Fernandes, é a reminiscência dos personagens e dos fatos do nosso movimento simbolista, onde se destacou o grande poeta negro Cruz e Sousa. Um dos episódios mais impressionantes do referido romance: a descrição dos funerais desse poeta infeliz, torturado pela miséria, cujo cadáver viajou num vagão de transporte de bois e muares.
O Brasil, de Mino Carta, é a evocação ora sentimental, ora irônica, ora sarcástica, de todo um período da história de nossa imprensa contemporânea. Aliás, não apenas dessa imprensa, mas também da política brasileira, sobretudo a da época do Golpe de 1964, durante a qual, como frisei no meu livro Cale a boca, jornalista!, o paciente Mino, devido aos cretinos interrogatórios dos gorilas, ficou com a auréola dos santos, a sua linda coroa de luz.
O romance autobiográfico O Brasil já se mostra indispensável para os estudantes dos cursos de Jornalismo e para os que desejam conhecer, de maneira larga, minuciosa, uma fase crucial da história do Brasil. Mino Carta maneja, com absoluta elegância e desenvoltura, a opulenta língua portuguesa. Tem definições lapidares:
“A tortura é a forma mais vil da covardia...” (página 66).
“... estes generais ganharam estrelas, jamais batalhas” (página 70).
Às vezes, num traço rápido, singular, caricatural, Mino fotografa a realidade:
“... morena brutalmente silenciosa” (página 146).
“... Victor Civita sai de trás da mesa em forma de feijão...” (página 166).
“Com o tempo, o rosto de Sarney assumiu-se como máscara da Comedia dell’Arte, misto de Capitan Spaventa, Dottor Balanzone e Brighella, o bom companheiro de Arlequim”... (página 319).
O talento de escritor de Mino avulta nos retratos de figuras sinistras ou não. Vejam como ele descreve as pessoas macabras ou as perigosas:
“... um homenzarrão de olhos azuis de frieza aterradora, entregue à volúpia do comando e à índole feroz dos germanos” (retrato do delegado, ou melhor, do monstro Sérgio Paranhos Fleury, página 62).
“É gordo, nariz bulboso, as mãos sobre a mesa são dois sapos a engatilhar o salto, a pele do rosto também evoca o batráquio” (retrato do ministro, ou melhor, do sinistro Armando Falcão, página 86).
“... chegou de terno branco, panamá, sapatos bicolores. Pele azeitonada, nariz predador, olhos negros, parece-me mais siciliano do que qualquer siciliano nato” (retrato do jornalista, ou melhor, do mafioso Assis Chateaubriand, página 115).
“Por onde passara, o homem pançudo de cabelos pintados na tonalidade acaju, rosto flácido de tez rosada em que se plantavam duas seteiras em lugar dos olhos, deixara um rastro de assaltos aos cofres públicos...” (retrato do governador, ou melhor, do assaltante Adhemar de Barros, páginas 187 e 188)
“...impecável interprete de tráficos escusos em mercados delirantes de insinuações sórdidas e jactâncias grosseiras, varrido pelo vento do deserto a trazer o cheiro da bosta de camelo” (retrato do político, ou melhor, do embostelado Paulo Salim Maluf, páginas 267 e 268).

Exibindo o aspecto físico dessas figuras, Mino Carta coloca diante de nossos olhos, igualmente, as suas almas turvas. Características que se ajustam, de modo perfeito, à natureza de tais monstros. Olhem, por exemplo, este retrato do ex-capitão Heitor de Aquino Ferreira:
“Heitor é sombrio mesmo quando ri, bicho retesado no esforço de conter a agressividade” (página 270).
Eis como o autor, repleto de ironia, nos apresenta “o príncipe dos sociólogos” (esta definição é dele):
“Fernando Henrique é assunto inesgotável, esquerdista bombástico desde a mocidade em odor de pendores comunistas, narciso sedutor da USP” (páginas 278 e 279).
Lendo este trecho do livro O Brasil, eu me convenci ainda mais de que FHC sempre foi um esquerdista de fachada. Esperto, falastrão, tenaz estuprador da respeitável senhora Língua Portuguesa, ele não para de cometer solecismos. Hoje transformado em ídolo dos Mesquitas, o senhor FHC escreve artigos verbosos, tediosos, dignos de serem vendidos nas farmácias, pois causam profundas sonolências, geram até pesadelos.
A leitura do magnético livro de Mino Carta revela como o poder político é efêmero. Cadê o poder do general Emilio Garrastazu Médici, “dotado da arrogância dos recalcados”, segundo Mino? Cadê o poder do Golbery do Couto e Silva, outro general, apelidado de Mago do Planalto, “homem enxuto, miúdo, fisicamente nervoso”? Cadê o poder do doutor Ulysses Guimarães, que conforme Mino, tinha um “sorriso de boca fechada”? Cadê o poder de Jânio Quadros, “magrelo empinado, olhar assimétrico, ares de galo de rinha”? Cadê o poder do Antônio Carlos Magalhães, baiano munido de “violências medievais, de ferocidades sicilianas”? Todos eles, porém, estão vivos, respirando, bufando, no fascinante O Brasil, romance autobiográfico do talentosíssimo Mino Carta, e todos nos trazem à memória a seguinte frase da obra intitulada Imitação de Cristo, atribuída ao místico alemão Thomas Hemerkem Kempis (1380-1470):
“O quam cito transit gloria mundi!”
(“Oh, quão ligeira passa a glória deste mundo!”)

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor de “Drummond e o elefante Geraldão”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século e cuja primeira edição já está quase esgotada.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabenizo e homenageio por meio deste o ESCRITOR FERNANDO JORGE e toda a equipe pelo lançamento do livro “DRUMMOND E O ELEFANTE GERALDÃO”. Parabéns pelo EXCELENTE TRABALHO, DETERMINAÇÃO E PROFISSIONALISMO, realizado neste belíssimo trabalho e um brinde pelo SUCESSO! O potencial de trabalho de vocês é de grande valor para a comunicação brasileira. Recebam esta singela homenagem com meus sinceros votos de muitas realizações e planos futuros. Desejo nestas poucas palavras votos de muita SABEDORIA, CONHECIMENTO, ENTENDIMENTO e principalmente DISCERNIMENTO em todos os seus caminhos. Acabei de depositar na conta de vocês a importância de muitos DIAS, SEMANAS, MESES E ANOS DE FELICIDADE E PROSPERIDADE, SAÚDE, PAZ, AMOR e que Deus estenda às mãos sobre vocês e toda sua família e acrescente 100 por cento de juros em cima de tudo isso.

“A MAIOR RECOMPENSA PELO TRABALHO NÃO É O QUE A PESSOA GANHA, MAS O QUE ELA TORNA- SE ATRAVÉS DELE.”

DESEJO SUCESSO A TODOS!

PAULINHO Solução
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Salto/SP