domingo, 30 de setembro de 2012

Vejam o absurdo, a insensatez



A notícia, publicada pela Folha de S.Paulo, chocou a minha sensibilidade: o Ceará pagou mais de 3 milhões de reais ao tenor espanhol Plácido Domingo, para ele participar do show de inauguração de um megacentro de eventos na capital desse estado. O megacentro foi erguido, na maior parte, com o dinheiro público do governo cearense e custou 467 milhões de reais.
Vejam o absurdo, a insensatez. Lá no Ceará o governo de um estado pobre, carente, sujeito a secas, deu mais de 3 milhões de reais a um tenor medíocre, já em decadência, a fim de ouvir, naquele lugar de nababos, durante 40 minutos, os seus trinados de pássaro idoso, de voz enfraquecida, fatigada. Mais de 3 milhões de reais, repito, nessa terra cheia de miseráveis castigados pela fome, pelas secas devastadoras.
Que governo é este, o do senhor Cid Gomes, do PSB? É o governo de um irresponsável ou de um louco?
O tenor Plácido Domingo recebeu o dinheirão, explicou o perdulário Cid, por ser um dos cantores preferidos da presidenta Dilma Rousseff. No fundo, portanto, a escolha correspondeu a um ato de bajulação, de servilismo, de agachamento diante do governo federal. Mas a presidenta Dilma, talvez envergonhada ou enojada, não compareceu no evento, e enviou, à inauguração do luxuoso megacentro, a ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, como sua representante.
Cerca de 3 mil convidados, de barrigas intumescidas, gulosas, estiveram lá, sorrindo, comendo, bebendo, arrotando, enquanto milhares de cearenses se acham na miséria, famintos, sedentos, sob as garras aduncas da seca assassina.
Que governo é este, o do Ceará? Infeliz povo cearense! Agora me vem à memória os versos do eloquente e genial Guerra Junqueiro, nos quais descreveu a fome na terra de José de Alencar, no decorrer de uma anterior seca devastadora:

E por sobre esta imensa, atroz calamidade,
Sobre a fome, o extermínio, a viuvez, a orfandade,
Sobre os filhos sem mãe e os berços sem amor,
Pairam sinistramente em bandos agoireiros
Os abutres, que são as covas e os coveiros,
Dos que nem terra têm para dormir, Senhor!

Durma bem, governador Cid Gomes, durma bem depois de autorizar o pagamento de mais de 3 milhões de reais ao decadente tenor Plácido Domingo, para este soltar o seu gorgeio já algo danificado pelos corrosivos ácidos do tempo. Ronque muito, governador, com a consciência em paz, tranquila, e dispare melodiosos puns durante o sono, pois o megacentro de Fortaleza custou apenas a bagatela de 467 milhões de reais, quantia indigna de ser usada no socorro de milhares de cearenses açoitados pela seca, torturados pela fome. E o grande orador romano Marco Túlio Cícero acertou de maneira total quando escreveu isto no seu De petitione consulatus:
“A estupidez é a mãe de todos os males.”
(“Omnium malorum stultitia est mater”)

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