A
notícia, publicada pela Folha de S.Paulo,
chocou a minha sensibilidade: o Ceará pagou mais de 3 milhões de reais ao tenor
espanhol Plácido Domingo, para ele participar do show de inauguração de um
megacentro de eventos na capital desse estado. O megacentro foi erguido, na
maior parte, com o dinheiro público do governo cearense e custou 467 milhões de
reais.
Vejam
o absurdo, a insensatez. Lá no Ceará o governo de um estado pobre, carente,
sujeito a secas, deu mais de 3 milhões de reais a um tenor medíocre, já em
decadência, a fim de ouvir, naquele lugar de nababos, durante 40 minutos, os
seus trinados de pássaro idoso, de voz enfraquecida, fatigada. Mais de 3 milhões
de reais, repito, nessa terra cheia de miseráveis castigados pela fome, pelas
secas devastadoras.
Que
governo é este, o do senhor Cid Gomes, do PSB? É o governo de um irresponsável
ou de um louco?
O
tenor Plácido Domingo recebeu o dinheirão, explicou o perdulário Cid, por ser
um dos cantores preferidos da presidenta Dilma Rousseff. No fundo, portanto, a
escolha correspondeu a um ato de bajulação, de servilismo, de agachamento
diante do governo federal. Mas a presidenta Dilma, talvez envergonhada ou enojada,
não compareceu no evento, e enviou, à inauguração do luxuoso megacentro, a
ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, como sua representante.
Cerca
de 3 mil convidados, de barrigas intumescidas, gulosas, estiveram lá, sorrindo,
comendo, bebendo, arrotando, enquanto milhares de cearenses se acham na
miséria, famintos, sedentos, sob as garras aduncas da seca assassina.
Que
governo é este, o do Ceará? Infeliz povo cearense! Agora me vem à memória os
versos do eloquente e genial Guerra Junqueiro, nos quais descreveu a fome na
terra de José de Alencar, no decorrer de uma anterior seca devastadora:
“E por sobre esta imensa, atroz calamidade,
Sobre a fome, o
extermínio, a viuvez, a orfandade,
Sobre os filhos sem
mãe e os berços sem amor,
Pairam sinistramente em
bandos agoireiros
Os abutres, que são
as covas e os coveiros,
Dos que nem terra têm
para dormir, Senhor!”
Durma
bem, governador Cid Gomes, durma bem depois de autorizar o pagamento de mais de
3 milhões de reais ao decadente tenor Plácido Domingo, para este soltar o seu
gorgeio já algo danificado pelos corrosivos ácidos do tempo. Ronque muito,
governador, com a consciência em paz, tranquila, e dispare melodiosos puns
durante o sono, pois o megacentro de Fortaleza custou apenas a bagatela de 467
milhões de reais, quantia indigna de ser usada no socorro de milhares de
cearenses açoitados pela seca, torturados pela fome. E o grande orador romano
Marco Túlio Cícero acertou de maneira total quando escreveu isto no seu De petitione consulatus:
“A
estupidez é a mãe de todos os males.”
(“Omnium malorum stultitia est mater”)