Recebi a carta de um leitor que declarou isto:
“Casei-me com uma jovem linda, bem feminina, de rosto delicado e voz suave. Mas após cinco anos de matrimônio, pêlos de barba surgiram na sua fisionomia. Eles não pararam de crescer e ela, cansada de cortá-los, tornou-se barbuda! Hoje carrega uma abundante barba negra. Muitos pensam que a minha esposa é homem!”
O meu leitor levou-a a um endocrinologista. Este, depois de examiná-la cuidadosamente, informou-lhe: a jovem não é hermafrodita, com genes dos dois sexos, nem transexual, criatura predisposta a mudar de sexo, do ponto de vista psicológico. Ela é mesmo mulher, porém vítima da anomalia chamada hipertricose ou hirsutismo, cuja característica é o acentuado aumento da pilosidade. Tal anomalia pode ser geral, em todo corpo, ou localizada no rosto, de caráter genético ou adquirido. E certos distúrbios provocam a hipertricose, como a insuficiência ovariana e o excesso de atividade das glândulas supra-renais.
Cheio de angústia, o meu leitor não sabe o que fazer. Ele a ama bastante e vive ao seu lado numa fazenda de Minas Gerais, longe do convívio social. A esposa barbuda está grávida do segundo filho. O meu leitor pergunta:
“Existiram mulheres barbudas que deram à luz? Se existiram, este fato me consolará um pouco. Verei que não sou o único homem que teve filhos com uma mulher barbuda.”
Prezado leitor, sim, existiram. Uma delas foi a alemã Lisa Schoeffer, nascida em Hamburgo, no século XIX. Dona de barba espessa, comprida, era lindíssima e gerou quatro filhas também muito bonitas, mas sem barbas.
Ficou famoso, na Espanha do inicio do século XX, o caso da sedutora Viola Mercedes. Desde a idade de três anos, ela começou a ter pêlos nas partes laterais das faces, ou melhor, suíças, que pouco a pouco se transformaram numa barba cerrada. Mercedes, bem feminina, de voz doce, envolvente, casou-se aos dezessete anos e as suas filhas não não apresentavam nenhuma anormalidade.
Um quadro do pintor espanhol José Ribera (1591-1652), mestre do realismo barroco, intitulado La mujer barbuda, exibe uma senhora de barba enorme, farta, junto do seu marido, e sustentando nos braços o filho recém-nascido. Um seio da barbuda aparece na tela. Pormenor interessante: o marido tem barba, mas a dela é bem maior do que a dele...
Portanto, prezado leitor, você não é o único homem do mundo cuja esposa barbuda virou mãe.
Sempre houve mulheres barbudas e várias ficaram famosas.
Anne de Vaux, no século XVII, heroína da cidade francesa de Lille, lugar-tenente no regimento de Mercy, tinha barba no queixo.
A mais célebre mulher barbuda dos Estados Unidos foi Annie Jones, do século XIX. Menina ainda, o audacioso empresário Phineas Taylor Barnum, incomparável showman, mostrou-a em Nova York, no picadeiro do seu circo. Ela possuía, desde os nove meses, além de vastos bigodes, uma barba opulenta. Annie fez a felicidade de três maridos e ficou viúva, pela última vez, aos vinte e sete anos. Ganhou milhares de dólares. Orgulhava-se tanto dos seus bigodes, da sua barba, que pediu no testamento para ser enterrada com ambos. Queria, até no além, ostentar os títulos de Super-Mulher Barbuda e Super-Mulher Bigoduda...
Outra americana barbuda famosa: a senhora Post Myers, na primeira década do século XX. Bem cedo, com pouca idade, a sua barba e o seu bigode nasceram. Post era dotada de beleza rara. Os rapazes enviavam-lhe cartas apaixonadas. E aos quatorze anos a barba da adolescente já media quinze centímetros de largura. Antes de completar dezoito anos, quatro moços a pediram em casamento, mas ela os rejeitou e só deu o seu coração a um senhor chamado Myers, que era homem de negócios. Depois de se casar, a encantadora jovem bigoduda e barbuda explicou:
“O meu marido gosta da minha barba. Ele a acha muito bonita e sempre me diz que se eu a cortar, abandona-me”.
Post Myers e o seu esposo tiveram três filhos: duas meninas e um menino. Morreram quando eram pequenos. O casal não conseguiu saber se as duas meninas iam herdar da mãe os pêlos faciais.
Evoquei todos estes fatos a fim de convencer o meu leitor a aceitar de modo natural a barba da sua esposa. Faço questão de aconselhá-lo a não ter preconceito. Ele, o preconceito, é a idiotice vitoriosa, a miopia da mente, das células cerebrais. Só admito um preconceito: o preconceito contra o preconceito.
Se é verdadeiro, o amor nos obriga a amar tudo na criatura amada: verruga, calvície, nariz meio torto, pé ou orelhas avantajados. A prova disso é que se a pessoa muito querida falece com uma dessas características, passamos a sentir saudades até de qualquer defeito do seu físico.
O gosto é caprichoso, pois inúmeras vezes gostamos de coisas que outros abominam. Reza a quadra popular, colocada por Afrânio Peixoto no livro Trovas brasileiras:
“Duas coisas neste mundo
São minha grande paixão:
Perna grossa cabeluda,
Peito em pé no cabeção”
Ora, se as pernas grossas cabeludas de uma mulher são amadas, por que um barbudo rosto feminino não pode ser?
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