A senhorita Stella Thompson, de trinta e sete anos, que mora em Havant, Inglaterra, resolveu não se mudar do local onde vive, embora tenha herdado do progenitor uma vasta e moderna residência. O motivo é que ela não se conforma em abandonar um rato pelo qual se afeiçoou, chamado “Will-o’-the-Wild”.
-Se eu deixar esta casa – pergunta a mulher – quem tratará da alimentação de Will? É um ratinho muito tímido e não sabe defender a própria subsistência.
A senhorita Thompson, conforme declarou, já teve em certa ocasião nada menos de vinte e oito ratos soltos no seu apartamento.
-É bastante bonita e confortável a casa do meu pai, no Sussex – disse ela – porém não quero deixar Will sozinho. Levá-lo comigo seria uma solução arriscada, pois ele poderia morrer por estranhar o ambiente.
Esta inglesa sentimental, ao contrário de tantas criaturas do seu sexo, nutre uma profunda simpatia por esses ágeis roedores, que nunca foram, através dos séculos, animais benquistos.
Quase todos os irracionais são símbolos para o homem. A abelha representa a indústria; o galo, a vigilância; a formiga, o trabalho; o boi, a paciência; o leão, a força; a coruja, o estudo; a pomba, a paz; o cão, a fidelidade; a ovelha, a mansuetude... E o rato? Este é símbolo da cupidez e da podridão.
Os hindus veneram a vaca. No estado de Caxemira, aquele que tirar a vida de uma, é castigado com sete anos de cadeia. Em Madagascar, recebe pena de morte quem mata um crocodilo. O tigre, esse belo quadrúpede carniceiro, é adorado em Bengala e nas ilhas de Sonda. Até o urubu, o negro e feio urubu, tem os seus admiradores, porquanto no Daomé os nativos o respeitam como um deus. Mas... e o rato, quem o enaltece, lhe presta homenagens? Se não me engano, o seu único panegirista, na época contemporânea, foi Walt Disney, o criador dos desenhos animados de Mickey Mouse...
Dos outros animais o homem aprendeu inúmeras coisas valiosas. A aranha ensinou-lhe a arte de tecer. Alguns pássaros, como o joão-de-barro, deram exímias lições de engenharia. A raposa mostrou o que é a astúcia; a lebre, o que é a velocidade; a mula, o que é a obstinação... E assim por diante. O rato apenas ensinou o homem a ser guloso e rapinante.
O sexo frágil sempre demonstrou por ele uma tremenda antipatia. A senhorita Stella Thompson é uma exceção. Adora esses tratantes, estremece de ternura ao vê-los. Acha que são lindos, mimosos, encantadores. Nem lhe passa pelo cérebro que os patifezinhos transmitem a peste bubônica e a disenteria bacilar.
O amor é cego, dizem com razão. Eu compreendo, no entanto, porque essa inglesa excêntrica quer bem aos ratos. Solteirona, quase atingindo os quarenta, tem um coração ardente, repleto de meiguice. Como não pode extravasar todo o carinho que ele encerra junto a um esposo e a um filho, volta-se para os tais animalejos.
No fim das contas, aqui entre nós, amigo leitor, um rato merece mais estima que certos homens.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido, lançado pela Editora Novo Século
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