quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A macaca de Milão e o meu macaco louco

Conta o escritor italiano Matteo Bandello (1485-1561) que existia no castelo Sforzesco de Milão, edifício do século XV, na época do duque Ludovico Sforza, uma macaca muito grande, muito alegre e muito brincalhona. Ela não fazia mal a ninguém. Andava à vontade dentro do castelo e pelas ruas daquela cidade gloriosa, situada entre a planície do Pó e os Alpes.
Uma casa, das várias frequentadas por ela, pertencia a velha senhora de San Giovanni Sul Muro. Dois jovens, seus filhos, brincavam sempre com o inofensivo animal, que gostava de ir ali, pois nessa casa era melhor tratado e tinha farta alimentação. Mas à noite a macaca retornava ao castelo.
Devido a sua idade avançada, a velha senhora adoeceu, ficou de cama. Mesmo assim, recebia a macaca e dava-lhe doces.
Um dia a enferma morreu. Lavaram o seu corpo e puseram uma touca na sua cabeça. Depois lhe enfiaram um vestido.
A macaca viu tudo. Celebrou-se, diante do caixão, o ofício fúnebre. Em seguida transportaram a morta para outro lugar.
Sozinha no quarto da extinta, a macaca quis imitar o ritual das mulheres que a vestiram. Pôs a touca na cabeça e a roupa no corpo peludo. Então se deitou na cama, cobriu-se, e até parecia a velha senhora em repouso...
Quando as criadas entraram no quarto, a fim de arrumá-lo, tiveram a forte impressão de que a morta havia voltado. Cheias de terror, desceram pela escada aos gritos. A velha senhora, estendida na cama, saíra do túmulo!
Os parentes e os dois rapazes, apavorados, de cabelos em pé, fugiram do aposento. Imediatamente mandaram chamar um padre. Este, munido de água benta e de um crucifixo, passou a orar, exortando os filhos da morta a não terem medo, porque a mãe deles possuía uma alma boa.
O padre benzeu toda a casa. Acompanhado pelo sacristão, foi até o quarto. Ao olhar a macaca de touca e deitada na cama, pensou que era a morta. Sentiu um pouco de medo, porém quis mostrar coragem e começou a derramar água benta em cima da macaca. Esta, vendo o religioso sacudir o aspersório, guinchava, batia os dentes.
Sob as unhas aguçadas do medo pânico, ele fugiu, deixando tombar no chão o aspersório, após o sacristão se escafeder, despencar-se pela escada abaixo e cair de pernas para o ar. Ao tropeçar nele, o padre também caiu.
Os filhos da morta e outras pessoas apareceram. Ansiosos, perguntaram o que tinha acontecido. Tonto, pálido, a tremer e quase sem poder falar, o padre respondeu:
-Ai de mim, meus filhos, que eu vi o demônio na forma da senhora vossa mãe!
Logo, entretanto, a macaca pula fora da cama. Ela tira alguns doces das caixas da morta e repleta de energia, de agilidade, saltita pela escada, rápida como um camundongo. Exibia na cabeça a touca da velha senhora e no corpo as roupas que ela usava. Apesar de se parecer com a defunta, os dois irmãos a reconheceram. Irresistível espetáculo cômico! E as gargalhadas estrugiram.
Piruetando, dançando, produzindo singulares macaquices, mil trejeitos, a macaca escapuliu, sem se deixar agarrar. Debaixo das risadas de todos, correu em desabalada carreira para o castelo Sforzesco...
Evoquei esta história, narrada por Matteo Bandello, porque se Milão, a bela cidade italiana onde se admira uma soberba catedral gótica, divertia-se com a tal macaca, eu também tenho um macaco que me diverte bastante. O meu macaco, embora eu ainda esteja vivo, me imita sem parar. Trata-se de um caso curioso, digno de análise.
Primeiro explico que o meu macaco é um ser humano, não integra a família dos símios. Ele costuma visitar as livrarias, como eu, e um livreiro me informou:
-Seu Fernando, há um fulano que copia tudo que o senhor faz.
-Quem é?
-É um sujeito magro como o senhor. Parece seu irmão gêmeo. Tem cara parecida com a sua, cabelos brancos iguais aos seus. Ele me disse que se casou com uma mulher pequena por sua causa.
-Eu não acredito.
-Foi o que me garantiu. Certa vez ele viu o senhor com a sua esposa aqui na livraria, e por ela ser baixa, ele também resolveu se casar com uma mulher pequena.
-Meu Deus, este homem deve ser louco!
-Eu também acho, seu Fernando. Como o senhor gosta de usar gravatas azuis, com bolinhas brancas, ele o imita. E sabe de uma coisa, esse maníaco me pediu isto: guardar para ele qualquer exemplar dos livros que o senhor compra.
-Incrível! Que loucura!
-Na semana passada o senhor levou um dicionário francês de História. Eu tive de separar o mesmo dicionário para ele. Há três dias o senhor comprou cinco exemplares do seu próprio livro sobre Obama, pois conforme me disse, não tem mais nenhum exemplar para dar como presente a qualquer amigo. Pois saiba, o maníaco comprou também cinco exemplares do seu livro Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido.
E o meu amigo livreiro acrescentou:
-O dono de um sebo aqui de São Paulo precisava de dinheiro. Mentindo, ele disse ao maníaco que o senhor havia comprado oitenta livros raros. Esse cara acreditou e pediu a relação das oitenta obras. Levou todas elas!
Não resta dúvida, se a cidade italiana de Milão, capital da Lombardia, teve uma grande e esperta macaca, eu, o escritor Fernando Jorge, tenho na cidade brasileira de São Paulo um fiel macaco. Só que o meu macaco é louco, precisa urgentemente de ser internado num manicômio...

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