Desde 1983 até 1995, ano do seu falecimento, o jornalista Amaral Netto quis legalizar a pena de morte em nosso país. Julgando que a maioria da população lhe dava apoio para realizar esse projeto, encaminhou como deputado, na Câmara Federal, a emenda destinada a estabelecer um plebiscito. Sua iniciativa repercutiu no mundo inteiro e ele recebeu um minucioso documento, com o protesto de mais de oitenta nações.
Eu costumava ver na televisão as entrevistas do Amaral Netto. Uma coisa me surpreendia: ele tinha o hábito de declarar que o próprio Jesus Cristo era a favor da pena de morte. Ora, basta ler a “Bíblia” com atenção para saber como isto não é verdade. Jesus nunca pronunciou qualquer frase ou qualquer palavra, a fim de apoiar a pena capital.
Mas descobri o motivo que instigava o Amaral a espalhar aquela mentira. Foi quando examinei o seu livro “A pena de morte”, lançado pela Editora Record em 1991, pois ele, depois de ler o prefacio do padre Emílio Silva de Castro para a sua obra, passou a acreditar que de fato o Salvador dera apoio a essa pena. O padre modificou uma frase de Jesus no Sermão da Montanha, isto é, o texto do versículo 21 do capitulo quinto do Evangelho de São Mateus. Eis a frase de Cristo, adulterada pelo padre, e que o Salvador nunca proferiu:
“Não matarás e quem matar será réu de morte” (página 21 do livro de Amaral Netto).
A expressão “réu de morte” designa “o que está condenado à morte por crime”, segundo esclarece um verbete da página 4.452 do volume quinto do “Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa”, de Laudelino Freire (Livraria José Olympio Editora, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1957).
Jesus Cristo nunca se expressou desta forma – “Não matarás, e quem matar será réu de morte” - porque a rigor a frase do Filho de Deus é assim, segundo a “Bíblia” traduzida diretamente dos originais pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma:
“Não matarás, e quem matar será submetido a juízo”, (Mat. V. 21).
Cristo não podia apoiar a pena de morte, pois ele abrogou a Lei de Talião, do “olho por olho, dente por dente”, a lei da chamada “vingança justa”, conforme se vê no versículo 28 desse capítulo do Evangelho de São Mateus. Ao ser preso no Jardim do Getsêmani, informam os versículos 51 e 52 do capítulo vigésimo sexto do mesmo evangelho, o Rabi da Galiléia aconselhou a um discípulo, que ali, com a sua espada, havia cortado a orelha de um homem:
"Guarda a tua espada, porque todos que pegam a espada pela espada, perecerão".
Mais uma vez, portanto, ele condenou o espírito de vingança, de represália, salientando apenas isto: a violência gera a violência e causa a destruição, o aniquilamento. Não é correto, por conseguinte, dizer que Cristo nesta passagem apoiou a pena de morte, como dá a entender o Amaral Netto na página 80 do seu livro. Aliás, segundo os versículos 17, 18 e 19 do capítulo décimo do Evangelho de São Mateus, pondo-se Jesus a caminho, um homem correu ao seu encontro, e após se ajoelhar, perguntou-lhe:
-Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?
O Nazareno exaltou a bondade de Deus e respondeu:
-Tu conheces os mandamentos, “não matarás”...
As provas são esmagadoras. Todavia, mesmo assim, oh fato incrível!, o padre Emilio Silva de Castro, no prefácio do livro de Amaral Netto, obrigou o Redentor a apoiar a pena de morte! É por isto que o Amaral vivia proclamando: até Jesus Cristo foi um defensor dessa pena. O jornalista aceitou sem pestanejar a adulteração do padre, mas agiu de boa fé, não sabia que estava sendo enganado.
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