domingo, 2 de fevereiro de 2020

NÃO QUERO AGRADAR NINGUÉM


O professor Silveira Bueno, catedrático de Filologia Portuguesa da USP, autor de um monumental dicionário etimológico – prosódico do nosso idioma, sempre me dizia que o melhor método de aprender o português é o de corrigir as frases erradas da língua de Machado de Assis. Tenho adotado até hoje o seu método. Certa vez esse mestre me aconselhou:
-Fernando, não queira agradar a ninguém. Seja absolutamente sincero aponte o erro, mas evite a crítica de natureza pessoal.
Eu adorava a franqueza do professor Silveira Bueno, de quem fui aluno e amigo íntimo. Certa vez ele concedeu uma entrevista ao Caderno 2, de “O Estado de S. Paulo”. E assim comentou os numerosos erros gramaticais de um ilustre e conhecidíssimo membro da Academia Brasileira de Letras:
  “Este senhor precisa voltar à escola.”
  A equipe de redatores “O Globo” é excelente, uma das melhores do nosso país. Sou um leitor assíduo desse matutino, que para mim é o mais bem feito do Brasil, por ser eclético, moderno, bonito sob todos os aspectos.
Pelo fato de seguir o conselho do meu mestre Silveira Bueno, e ainda devido a minha repulsa pelas críticas injustas, aplicadas por Luiz Garcia, ombudsman de “O Globo”, a uma de suas colegas, eu passo agora a defendê-la, a provar como ela não errou. Mas enfatizo, a nossa crítica não tem nenhum caráter pessoal. Só o amor à verdade me impele. O mesmo amor que levou São Bernardo (1091-1153), um dos maiores vultos do Cristianismo, fundador da Abadia de Clairvaux, a afirmar o seguinte na obra Saper Matthaeum:
  “Não é só traidor da verdade quem diz o falso em vez do verdadeiro, mas também quem não diz independentemente a verdade que deve ser proclamada, ou não defende independentemente a verdade que necessita de defesa.”
  (“Non solum proditor estveritatis, qui mendacium pro veritate loquitur, sed qui nolibere pronuntiat veritatem, quam pronuntia­re oportet: aut libere defendit veritatem, quam defendere oportet”)
  Apoiando-me, portanto, no mestre Silveira Bueno, em São Bernardo e no meu amor à verdade, declaro que o ombudsman Luiz Garcia er­rou de modo feio ao criticar a sua colega Heliana Frazão, da sucursal de Salvador, por ela ter empregado a palavra cassável na reportagem “Wagner lança obra com cassável”, publicada na edição do dia 11 de janeiro de 2006  de “O Globo”. Garante o Luiz Garcia:
  “Esta palavra não existe” (“O Globo”, 12-1-2006, página 2).
  Você se precipitou, Luiz, a palavra cassável existe, e já está dicionarizada. Leia este verbete da página 294 do ótimo “Dicionário de usos do português do Brasil”, cujo autor é o professor Francisco S. Bor­ba, obra lançada pela Editora Ática em 2002:
  cassável adj (Qualificador de nome humano abstrato) 1 passível de ser demitido de suas funções; que pode ser cassado: Moreira está lista dos deputados cassáveis de Brasília (VEJ). Na pessoa passível de ser demitida de suas funções: presidentes da Câmara e do Senado enviam nomes cassáveis às respectivas comissões (VEJ); Cassável já teve defesa suficiente, diz Aristides (FSP)."
  Antes de criticar as suas de colegas de “O Globo”, senhor Luiz Garcia, não se afobe, tome mais cuidado, e memorize este provérbio:
"Quem quer chegar muito depressa, arrisca-se a ficar man­co”

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

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