sábado, 14 de dezembro de 2019

A IMBECILIDADE É INFINITA


Uma coisa que sempre me impressionou, neste mundo, é ver a enorme quantidade de pessoas que fazem questão de provar como são débeis mentais. Eu as encontro em toda parte, nas ruas, nos bares, nos restauran­tes, nos lugares públicos. Logo identifico o cretino satisfeito com a sua própria cretinice. Burros verdadeiros, e, portanto, incapazes de se corrigirem, de não se mostrarem ridículos e importunos, eles aumentam a minha admiração por gatos, girafas, cachorros, camelos e elefantes, pelas centenas de criaturas do reino animal. Perto desses idiotas, qualquer quadrúpede me dá a impressão de ser um Einstein, um Rui Barbosa.
Há pouco tempo fui almoçar num restaurante da rua Haddock Lobo, com várias salas. Escolhi uma dessas salas e somente um casal se achava ali, a distância de oito metros da minha mesa. Era um homem de meia idade e uma jovem bem bonita, de 18 ou 20 anos. Comecei a ler o jornal que havia trazido, enquanto o prato não vinha. Ouvi o homem maduro dizer, bai­xinho:
            -Ele está nos olhando?
            A moça me fitou, disfarçadamente, e respondeu:
            -Não.
            O homem franziu a testa, preocupado. De fato, eu não estava olhando os dois, de modo direto, mas embora com os meus olhos postos no jornal, podia vê-los, sem que percebessem. Aí o fulano soltou as seguintes palavras:
            -Querida, como você é linda! Me dá um beijo forte, gostoso!  
            Falou bem alto, para eu ouvir. Meio constrangida, a jovem o atendeu. Então o cretino quis saber:
            -Olhe de novo, veja se ele está nos olhando.
            Continuei a ler o jornal, porém tenho a capacidade de ouvir e enxergar a certa distância, com os olhos abaixados. O cretino, grudado na moça, voltou a perguntar:
                -Ele está nos olhando?
            Outra vez a moça respondeu:
            -Não.
            De cara fechada, irritado, o debilóide pediu:
            -Me dá mais um beijo forte, gostoso.
            Algo envergonhada, ela o beijou de leve na face, mas ele
reagiu:
            -No rosto não, querida, quero um beijo bem longo, forte e gostoso na minha boca! Um beijão!
            Ao pedir isto, o homem me fitou com o rabo do olho. Eu continuei a ler o jornal e disse a mim mesmo: o cretino quer que eu o admire e sinta inveja dele, mas não vou lhe dar este prazer!
                Concentrei-me na leitura do jornal, apesar do meu prato já ter chegado. Frenético, o exibicionista não sabia mais como agir, a fim de chamar a atenção. Acariciava os cabelos da moça, o seu rosto, beijava a sua boca, pedia para ela o beijar, sussurrava-lhe palavras melosas no ouvido, sempre com o rabo do olho na direção da minha pessoa.
            Firme, apesar de estar vendo tudo isto com os meus olhos abaixados, continuei mergulhado na leitura do jornal.
            Eles já. haviam terminado a refeição e o sujeito teve de chamar o garçom. Pagou a conta e ambos se levantaram. Ao passar perto de mim, o fulano me olhou com ódio, com fúria, e graças a Deus foi embora. O garçom me disse, após eu lhe contar o que aconteceu:
            -Doutor, esse homem é um empresário muito rico e a sua mania é a de querer ser invejado pelos outros homens, pois pensa que é um grande conquistador de mulheres. Respondi:
            -Não, ele não é um grande conquistador de mulheres. É ape­nas um grande cretino!
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins

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