No seu livro Porque me ufano do meu país, publicado em 1901, o
Conde Afonso Celso declarou que uma das características do brasileiro era a
honradez no desempenho das funções públicas ou particulares”. E depois
garantiu:
“Os homens de Estado costumam deixar o poder mais pobres do que nele
entram... Casos de venalidade enumeram-se raríssimos, geralmente profligados. A
República apoderou-se de surpresa dos arquivos do Império: nada encontrou que o
pudesse desabonar... Quase todos os homens políticos brasileiros legam a
miséria às suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício
público?”
Afonso Celso escreveu estas palavras no início do século XX, há mais de
cem anos. Imaginem quantos políticos desonestos, safados, ladrões, teríamos de
citar, se a pergunta do conde fosse aplicada aos dias atuais. Lendo o trecho
acima reproduzido, somos obrigados a exclamar:
-Meu Deus do Céu, como o Brasil retrocedeu, como mudou para pior!
O assalto aos cofres públicos é o progresso, dirá alguém, é a
consequência fatal do crescimento da nação. Todavia, se o raciocínio é este,
vamos indagar, como se estivéssemos recitando uma ladainha:
Foi o progresso do Brasil que fez o Tribunal de Contas da União mostrar
que no primeiro semestre de 1991 os órgãos das administrações, o Poder
Judiciário e os ministérios da Educação e da Infraestrutura praticaram 1.031
irregularidades?
Foi o progresso do Brasil que fez a Polícia Federal de Alagoas reunir
documentos, em junho de 1992, com os quais foi possível provar que a
primeira-dama Rosane Collor deu presentes aos seus pais, amigos e primos,
valendo-se de verbas da Legião Brasileira de Assistência?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde contratar sem
licitação, durante o governo Collor, a Masters Consultores Associados, por 18
bilhões de cruzeiros?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde adquirir na
gestão de Alceni Guerra, com preços acima do mercado, 22 mil guarda-chuvas, 23
mil bicicletas, 60 mil filtros de água, 250 mil caixas de hidratação e 8 mil e
400 toneladas de feijão quase podre?
Foi o progresso do Brasil – e eu paro aqui, senão esta coisa não tem fim
– foi o progresso do Brasil que fez o ministro Jarbas Passarinho declarar, em
23 de março de 1992, que “não dá para impedir que ministro roube”? (Consultar a
edição desse dia do jornal O Estado de S.Paulo).
E a solução? Qual é a solução? Há pouco tempo tive um sonho: eu vi, no decorrer
desse sonho, todos os canalhas que lesam os nossos cofres públicos no porão de
um navio, com o aspecto de ratos. Quando este navio se achava num alto mar
cheio de tubarões, ele afundou. Aí as feras começaram a devorar os canalhas.
Tubarões comendo ratos gorduchos, para o bem do povo e a felicidade geral da
nação... Que maravilha! Depois acordei. Oh, tristeza, era apenas um sonho!
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Escritor e jornalista,
Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos
Dumont, cuja 7ª edição acaba de ser lançada pela editora HarperCollins
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