Durante
35 anos, lá na Itália, o senhor Giuliano Pavanelli ficou em seu lar, sem sair.
E espontaneamente, para que a sua esposa, muito ciumenta, não sofresse. Mas um
dia o Giuliano saiu. De que maneira? Saiu defunto, num caixão de madeira por
ele mesmo fabricado... Como 35 anos equivalem a um bom espaço de tempo, ele se
pôs a estudar obras clássicas, a fim de se distrair. Aprendeu de memória a
“Divina comédia”, o extenso poema de Dante Alighieri, dividido em três partes e
com 14.233 versos. Em seguida se dedicou a memorizar os verbetes de um
dicionário. Quando chegou à letra “p” da página 1703, o Giuliano teve de parar,
pois a morte o colheu de surpresa.
Admirável
exemplo de amor conjugal? Não. Giuliano agiu como um tolo. E a sua mulher, pelo
fato de aceitar esse sacrifício insensato, provou ser paranoica. O seu ciúme
era uma doença da alma, o fruto de um desequilíbrio psíquico.
Além desse, outro caso de ciúme mórbido me impressionou
bastante, na minha longa carreira de escritor e jornalista: o da bela francesa
Catherine Lambrech. Ela vivia, no ano de 1968, em Gennevilliers, a poucos
quilômetros de Paris. Andava acorrentada pelos tornozelos e todas as vezes, ao
sair do lar, exibia uma corcunda artificial, feita de material plástico. O seu
enciumado marido, Gerhardt Lambrecht, obrigou-a a andar assim. Catherine
aceitou tudo isto “por amor”, como ela própria disse. Gerhardt havia sido
traído pela primeira esposa na Alemanha e antes de conhecer Catherine,
alistara-se na Legião Estrangeira.
Analisei
tal caso e cheguei à seguinte conclusão: Gerhardt era um neurótico sádico,
vítima de um agressivo distúrbio emocional, e a sua esposa gostava de sofrer,
de ser humilhada. Tornou-se o casal a união de um sadismo com um masoquismo,
ambas as taras alimentadas pelo ciúme, este “monstro de olhos verdes” (”green
eyed monster”), como afirmou Iago no ato III do “Otelo”, de Shakespeare.
Existem
três tipos principais de ciúme: o ciúme leve, algo natural; o ciúme forte,
nascido da desconfiança ou da insegurança de quem o sente; e o ciúme maluco,
frenético, apocalíptico, oriundo dos traumas psicológicos.
É
o ciúme uma prova de amor? Nem sempre. Muitas pessoas ficam ciumentas por se
sentirem lesadas nas suas vaidades. Não podem suportar a ideia de ceder a
alguém a posse de um coração. O poeta italiano Lorenzo Stecchetti (1845-1916),
cujo verdadeiro nome era Olindo Guerrini, é autor de uns versos que me servem
de exemplo. Ele descreve, nesses versos, como se atirava chorando, repleto de
paixão, aos pés de uma mulher insensível ao seu afeto. Desiludido, o poeta
decidiu procurar outra mulher, mas a primeira, quando soube disso, voltou
atrás:
“Tempos após, de uma
outra os passos eu segui,
Então, ela me chamou, abriu-me os braços
E amou-me por ciúme.”
Antes de concluir este bate-papo,
saliento que existe também o ciúme hipócrita. Quem é dominado por ele,
disfarça, cala-se, sorri, mas o ciúme, no íntimo dessa pessoa, está nervoso,
agitado, protestando. Como identificá-lo? Revelo: um involuntário e fugaz olhar
de despeito, às vezes, pode denunciar a presença oculta do monstro...
O ciúme na poesia do povo
“Tenho um nó no coração
E tenho a cabeça
inchada,
Ciúme mata ou maltrata,
Ou deixa a alma
aleijada.”
(Quadra popular do livro “Trovas brasileiras”, de
Afrânio Peixoto, publicado em 1944 pela Companhia Editora Nacional).
Pensamento
sobre o ciúme
“Il y a dans la jalousie plus d'amour propre
que d'amour”
(“Há no ciúme mais amor próprio do que amor”.)
Frase de La Rochefoucauld (1613-1680), escritor
francês.