domingo, 29 de julho de 2018

Recebi, por causa do Sílvio Santos, duas vaias monumentais


Sou grato ao Marcos Caldeira Mendonça, colega que é o maior defensor do progresso de Itabira e dos itabiranos, por me permitir evocar em O Trem alguns episódios da minha vida de jurado dos programas de televisão. O meu objetivo é fornecer dados, informações curiosas, a um futuro historiador desses programas.
Contarei agora como, num dos tais programas, recebi duas vaias imensas, tão estrondosas como dois peidos do gigante Pantagruel, comilão de apetite infinito, famoso personagem de uma obra satírica do escritor François Rabelais (1494-1553), profundo analista das debilidades da alma dos seres humanos.
Antes de ser jurado Flávio Cavalcanti no Rio de Janeiro, na TV Tupi, Canal 4, fui seu jurado em São Paulo no programa “Flávio Especial”, transmitido às terças-feiras pela mesma emissora, para todo Brasil.
O costureiro Dener, o advogado Clécio Ribeiro, o ator Carlos Zara, as atrizes Eva Vilma e Márcia de Windsor, além de outros, eram meus colegas de júri.
Carlos Zara, ator bonitão, muito vaidoso, começou a ter inveja de mim no programa, sentindo-se ofuscado devido às frases de efeito que eu soltava. Certa noite, o programa estava no ar, ele me fitou e não se conteve:
– Flávio, não sou como certos jurados seus que gostam de impressionar, soltando frases de efeito sem conteúdo.
O apresentador comentou:
– Fernando Jorge, parece que o Zara, seu colega de júri, fez uma crítica a você.
Respondi de modo firme:
– Meu caro Flávio, aconselho o Carlos Zara a tirar os dois a do seu sobrenome e substitui-los por um e e um o, passando a chamar-se Carlos Zero.
A minha resposta foi tão fulminante que as pessoas do auditório, o Flávio e os demais jurados caíram numa gargalhada fragorosa, idêntica à se Júpiter, o soberano dos deuses na mitologia romana, pai do raio e do trovão.
No intervalo dos comerciais o Carlos Zara se aproximou de mim, queixando-se:
– Você me humilhou em rede nacional de televisão.
Minha resposta:
– Apenas me defendi. Respeite-me como seu colega de júri que eu o respeitarei. Não tenho sangue de donzela tímida, anêmica e desprotegida.
Abriu a boca, arregalou os olhos e nunca mais quis me gozar. Orgulho-me de jamais aceitar qualquer tipo de humilhação, de possuir sangue espanhol e árabe, desses dois insignes povos repletos de brio, de dignidade.
Num outro programa o Flávio avisou:
– Atenção, meu júri, dentro de dez minutos vai aparecer aqui, no palco, o meu querido colega Sílvio Santos, pois vou entrevista-lo. Finda a entrevista, vocês, do júri, devem dar a nota para ele. A nota máxima é cinco.
De fato logo apareceu no palco o Sílvio Santos, todo sorridente, cabeludo, ainda sem as operações plásticas no rosto, a ostentar uma roupa de calças largas como as do cantor Elvis Presley (1935-1977), o maior símbolo do rock n’roll nos anos de 1950. Aliás, o cabelo do Sílvio, como o do Elvis, parecia estar lambuzado de brilhantina... As “macacas de auditório” gritaram, pularam assanhadíssimas, palmas vigorosas ecoaram, até os membros do júri se ergueram, aplaudindo. Eu também me levantei, contrafeito, mas não bati palmas, pois jurados precisam ser sóbrios, tranquilos, imparciais, equilibrados.
Para cada resposta que o Sílvio Santos dava ao Flávio, ele recebia aplausos intensos do auditório e dos meus colegas de júri. Eu permanecia frio, imperturbável.
Concluída a entrevista, o Flávio pediu:
– Jurados, comecem a dar as notas para o Sílvio. Qual é a sua nota, minha querida Márcia de Windsor?
Ela se extravasou:
– Flávio, que nota posso dar para este homem lindo, encantador, ma-ra-vi-lho-so? Cinco é pouco! Eu dou cem mil, duzentos mil!
Os aplausos estrugiram como fogos na noite de São João. Em seguida o Flávio perguntou ao Dener qual era a sua nota. Magrelo, bem pálido como mimosa virgem prestes a ser deflorada, o costureiro deu a nota:
– Concordo totalmente com a minha colega Márcia de Windsor. Cinco é pouco! Eu dou um milhão para esse homem simpatiquerrimo, eleganterrimo!
Trovoada de palmas. Sílvio Santos, no palco, sorria feliz, eufórico como quem ganhou milhares de dólares num cassino de Las Vegas. Todos os meus colegas de júri agiram dessa forma, mas havia chegado a minha vez e o Flávio indaga:
– Escritor e jornalista Fernando Jorge, que nota você dá para o meu querido colega Sílvio Santos? 

Limitei-me a erguer o braço direito e a mostrar só um dedo na mão. Flávio repetiu:
– Que nota você dá?
E eu, sereno, com o dedo espetado no ar:
– Estou dando apenas a nota um.
A vaia que recebi parecia o estouro de uma bomba:
– Uuuuuuuu! Fora, fora, careta, quadradão! Fora, fora! Uuuuuuuuu!
Flávio tentou silenciar o auditório e não conseguiu. A barulhada me deixou impassível. Continuei sereno, frio como um sujeito calculista, desprovido de emoções, e o Sílvio Santos se conservava sorridente. Então o Flávio, com bastante esforço, logrou acalmar o auditório:
– Por favor, auditório, por favor, desejo saber porque o jurado Fernando Jorge deu apenas a nota um para o meu querido colega Sílvio Santos. Diga-me, Fernando, você quer ser diferente, original? Por que deu esta nota tão baixa para o Sílvio?
Minha explicação:
– Até fui generoso, Flávio. Em vez de um, eu devia lhe dar a nota zero.
As vaias estrondejaram novamente:
– Uuuuuuuuu! Fora, fora! Careta! Quadradão! Fora, fora, fora! Uuuuuuuuu!
Outra vez, com dificuldade, o Flávio fez o auditório ficar quieto. Levantei-me e fingindo estar irritado (às vezes sou ator), pronunciei estas palavras:
– Flávio, se eu não puder justificar a minha nota, retiro-me do programa, não quero mais ser seu jurado, vou embora.
O silêncio foi completo e com a mais absoluta calma fui dizendo:
– Não sou inimigo do senhor Sílvio Santos, que está aí sorrindo ao seu lado, Flávio. Pelo contrário, até o admiro, por ser um bom empresário, porém dei a nota um porque ele soltou duas grandes mentiras ao responder às suas perguntas. Primeira mentira, garantiu que é solteiro. Pura mentira. É casado. Segunda mentira, afirmou que não tem filhos. Tem sim, é pai de duas filhas adolescentes.
Citei o nome da esposa e os nomes das duas filhas. E prossegui:
– Sílvio Santos, o senhor se encontra aí todo sorridente, junto do Flávio. Ouça, não me desminta, senão será pior. Respeite a sua esposa, as suas duas filhas. Coisa feia! Deixe de mentir, assuma, aceite a verdade, o senhor é casado.
Veja, amigo leitor, como as pessoas em certas circunstâncias, mudam de repente. Aquele auditório hostil, depois de me xingar e vaiar estrepitosamente, passou a me aplaudir com entusiasmo! O escritor francês Eduard Laboulaye (1811-1883), não errou ao salientar no livro Le prince Caniche: o povo é maleável como cera, mas o seu comportamento depende da mão que o maneja...
No dia seguinte, após a cena aqui descrita, eu estava na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde exercia o cargo de chefe da Divisão Técnica de Biblioteca, quando o telefone tocou e uma funcionária minha atendeu. Informou-me que assessora do Sílvio Santos desejava falar comigo. Peguei o fone e ouvi ela dizer: Sílvio o convida para ser entrevistado por ele no seu programa da TV Globo. Surpreso, esclareci:
– Não posso aceitar o convite. O Sílvio deve estar com raiva de mim e quer vingar-se, porque o desmascarei ontem, como jurado do Flávio Cavalcanti.
A moça protestou, alegando: o Sílvio não é vingativo. Embora ouvindo isto, mostrei-me bem desconfiado:
– Ora, então por que ele quer me entrevistar?
– É porque acha que o senhor dá Ibope na TV.
Argumentei:
– Vou, mas com uma condição. Diga ao Sílvio que se ele me humilhar na entrevista, reajo, vou manda-lo a merda e xinga-lo sem parar.
Fui, o programa era gravado num amplo e velho teatro do bairro do Bexiga. Na plateia, mais de quinhentas pessoas, a maioria mulheres.
Ao chegar a minha vez de ser entrevistado, antes da gravação, eu disse ao ex-camelô da carioca Rua da Alfandega:
– Sílvio, vamos evitar uma cena desagradável. Você quer vingar-se de mim, não é? Está entupido de ódio, pois o desmascarei no programa do Flávio.
Sempre sorridente, pôs a mão no meu ombro e se abriu:
– Fernando, pensa mesmo que estou zangado? Você não me conhece, Fernando! Até gostei do seu julgamento. Se dissesse, por exemplo, que tenho vinte amantes, apesar de ser eu casado, não me importaria, pois o que quero, olhe, acredite, é que falem de mim, bem ou mal, mas que falem de mim!
Durante meia hora o Sílvio Santos entrevistou-me, sem me ofender. Que homem esperto! É capaz de dar nó em gravata debaixo de piscina cheia. Foi por isto que se tornou o dono do Baú da Felicidade, aliás um baú mais da felicidade dele do que da dos outros...
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.
 

domingo, 22 de julho de 2018

Meu filho matou o Paulo Francis!


É verdade, meu filho matou o Paulo Francis. Como se chama esse meu filho? Chama-se Vida e obra do plagiário Paulo Francis, livro de minha autoria, lançado pela Geração Editorial no ano de 1996. Saiu agora a sua terceira edição, revista e aumentada.
Desde 1980, quando o Francis residia em Nova York, como correspondente da Folha de S.Paulo, eu alimentei o projeto de escrever um livro para o destruir culturalmente, jornalisticamente. E consegui.
Cláudio Abramo, meu amigo íntimo, conhecia tal projeto. Era muito grato a mim, pois após brigar em 1963 com os Mesquitas de O Estado de S.Paulo, no qual exercia as funções de secretário de redação, ficou sem dinheiro, e eu pude ajudá-lo, arrumando para ele, numa poderosa editora, a lucrativa tarefa de traduzir dezenas de livros do inglês. Dois anos depois, em 1965, Cláudio ingressa na Folha de S.Paulo, onde se tornaria o responsável por uma completa e modernizadora reforma gráfica. Sempre reconhecido, generoso, fez a Folha publicar uma reportagem sobre as minhas críticas ao historiador Augusto de Lima Júnior, que afirmou: o Aleijadinho é uma lenda, uma farsa, nunca existiu (reportagem da edição de 31-10-1966). Biógrafo do genial escultor mineiro, pulverizei o disparate do Júnior. Aliás, devo ao Cláudio Abramo a divulgação, no referido jornal, de quatro notícias providas de fotos de bom tamanho, sobre o meu romance satírico O grande líder (edições de 21-12-1969, de 1-2-1970, de 5-4-1970 e de 20-9-1970).
Certa noite quente de verão, visitei o Cláudio na redação da Folha de S.Paulo e ele me convidou a ir a um bar da sede do jornal, com o objetivo de saborearmos um sorvete. Lá no bar, ele me disse:
-Fernando, você está vendo aquele fulano?
Apontou-me um sujeito gorducho, balofo. Respondi que sim. Cláudio esclareceu:
-Esse fulano é redator da Folha, adora o Paulo Francis, mostra-se fanático por ele, e soube que você vai escrever um livro contra o seu ídolo.
O sujeito nos viu e se aproximou. Notei que se achava algo bêbado. Grunhiu na minha frente:
-Você é o Fernando Jorge?
Confirmei. Ele, semelhante a um porco, cuinchou como perfeito suíno:
-Eu te odeio, quero te matar, te estrangular, porque você pretende bater no meu adorado Paulo Francis!
A fera parecia mesmo um suíno e além da cara de porco, tinha chulé de boca. Meio tonto, acrescentou, sob o olhar divertido do Cláudio Abramo:
-Saiba de uma coisa, jamais um redator da Folha vai comentar o seu livro contra o Paulo Francis! Jamais! Never, never, digo em inglês! Impedirei que isto aconteça!
De modo leve, rindo, Cláudio Abramo o empurrou, protegendo-me da agressividade do suíno alcoolizado, que ao se afastar não se conteve:
-Paulo Francis é tudo, everythig, e você, Fernando Jorge, é nada, nothing!
Se esse quadrúpede é ainda redator da Folha de S.Paulo, fico a imaginar como deve se sentir ao ler, na contracapa da terceira edição de Vida e obra do plagiário Paulo Francis, estas palavras de Irene Solano Vianna, ex-editora da Folha, a respeito do livro, opinião expressa em 22 de março de 1997:
“Os exemplos levantados por Fernando Jorge são incontestáveis, bem documentados: o senhor Paulo Francis escrevia mal, plagiava sobretudo citações e ideias, errava feio nas ostentações de sua pseudo cultura... Não tinha compromisso algum com a exatidão dos fatos ou respeito pela honra e dignidade alheias”.

Salienta Luís Eblak, também da Folha de S.Paulo, num artigo aparecido na edição de 22 de maio de 2010 desse jornal: o meu trabalho “é a grande crítica publicada em livro durante a vida de Francis”. Percorrendo o texto do Eblak, fiz uma pergunta. Cadê a promessa do seu colega, de que jamais um redator da Folha comentaria o livro? Cadê?
Logo após o lançamento da primeira edição de Vida e obra do plagiário Paulo Francis, conforme me informou José Maria Homem de Montes, diretor de O Estado de S.Paulo, houve uma reunião nesse jornal, pois provei o seguinte no livro: Francis, colaborador do Estadão (ocupava nele uma página inteira), era racista como Hitler, plagiário, difamador, apedeuta, autor de textos repletos de cretinices, de incongruências, de erros palmares de português. Um dos diretores do matutino propôs na reunião:
-Sugiro dar meia página do nosso jornal para o Fernando Jorge apresentar as acusações, e também meia página ao Paulo Francis, a fim de se defender.
Mas outro diretor se opôs:
-Desculpe, não concordo. Cometeríamos um erro. Examinei o livro do Fernando. A documentação do volume é diabólica, esmagadora, indestrutível. O Francis perderia. Além disso o acusador, ganhando, iria vender ainda mais o livro.
José Maria Homem de Montes, meu amigo e um dos diretores de O Estado de S.Paulo, descreveu-me essa reunião.
Depois do falecimento do Paulo Francis, a jornalista Sônia Nolasco, sua esposa, telefonou de Nova York para o Luiz Fernando Emediato, editor do livro, e declarou:
-Viu o que você fez, Emediato? Você fez o Fernando Jorge matar o meu marido!
Segundo correu, o Francis se instalara no seu banheiro nova-iorquino, lendo o meu livro contra ele, no momento em que teve o enfarte.
“Filósofo” entre aspas, Olavo de Carvalho defecou, com cólicas mentais, um intestinal livro fedorento, intitulado O imbecil coletivo. Neste há onze páginas de ataques a Vida e obra do plagiário Paulo Francis. Ele me chamou de “galo de bigodes”. Antes ser, porém, “galo de bigodes” do que pensador raquítico, um pintinho de perninhas frágeis, como é sem dúvida o autor do livreco. Se um dia uma ideia habitar realmente a sua cabecinha, o subfilósofo Olavinho Pintinho de Carvalhinho poderá morrer de congestão cerebral...
Alberto Dines, um dos fundadores do Labjor na Unicamp, do Laboratório dos Estudos Avançados de Jornalismo, garantiu em 1997, numa entrevista concedida ao Correio Popular de Campinas: a minha obra causou a morte do Paulo Francis. Ora, se sou pai de um homicida, desejo então saber se o meu filho deve ser fuzilado, ou enforcado, ou condenado à prisão perpétua. Ele, entretanto, está com a consciência tranquila, pois liquidou o Adolf Hitler da imprensa brasileira.

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, cuja 7ª edição acaba de ser lançada pela editora HarperCollins Brasil.