Admito, sou um escritor e jornalista perigoso,
mas sincero, amigo da verdade, isento de paixão política. Entretanto, o
cinismo, a hipocrisia, o ressentimento, a imensa cara de pau do político
Moreira Franco, do PMDB, deixou-me estarrecido. Desde que foi exonerado da
Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, no final de 2014, após
se empenhar na campanha pela reeleição de Dilma Rousseff, esse homem de cabelos
brancos, com cara de cotonete, ou segundo Leonel Brizola, de gato angorá, não
para de falar mal da Dilma, em conversas reservadas, informou a jornalista
Fernanda Krakovics (O Globo,
25-12-2015). Esclareceu a minha colega:
“O ex-ministro é um dos principais defensores
do Impeachment.”
Sem desejar defender a presidenta, eu pergunto:
possui autoridade moral o senhor Moreira Franco? Respondo: nenhuma. Agora
vomita aranhas, cascavéis e escorpiões em cima da Dilma, porque está frustrado,
não se conforma, sente falta, muitas saudades, do cargo exercido por ele. O seu
coração se entupiu de ódio, de fúria, de inveja, de desassossego, e ao
contemplar a sua fisionomia precocemente envelhecida, lembrei-me de um trecho
da Bíblia, do versículo 24 do
capítulo XXX do Eclesiástico, que afirma: “a inveja e a cólera abreviam os
dias, a inquietação traz a velhice antes do tempo.”
Volto a indagar: é dono de autoridade moral, o
rancoroso, o despeitado Moreira Franco?
Eleito governador do Rio de Janeiro, no ano de
1987, intermináveis eram as denúncias, durante o seu mandato, de graves
irregularidades em processos de licitação, na sede do Departamento Estadual de
Trânsito (Consultar a página 2.339 do volume II do Dicionário Histórico – Biográfico Brasileiro, da Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 2001, verbete assinado pelos pesquisadores Sarah
Escorel e Luís Otávio de Sousa).
Em 27 de abril de 1998, o Supremo Tribunal
Federal condenou Moreira, por haver cometido ato lesivo ao patrimônio público.
O ex-governador, no ano de 1991, usou o dinheiro do povo, do contribuinte, a
fim de mandar imprimir o livro Moreira
Franco, ele governou para todos. Volume com 274 páginas, 180 fotos
coloridas e tiragem de 50 mil exemplares.
Foi condenado em todas as instâncias. Impetrou
recursos na Justiça estadual, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo
Tribunal Federal. Perdeu de forma esmagadora. Aliás, a primeira derrota desse
político inescrupuloso ocorreu em 1992, na Quarta Vara da Fazenda Pública do
Rio de Janeiro, quando o juiz Ademir Paulo Pimentel o condenou ao ressarcimento
de uma quantia equivalente a 150 mil dólares, por descumprimento do Artigo 37
da Constituição Estadual, que veda a autopromoção do administrador na
publicidade de atos e obras públicas. Resumindo: o pérfido Wellington Moreira
Franco, nascido no Piauí, viu-se obrigado a devolver, aos cofres públicos, o
equivalente a 402 mil reais, pelo fato de ter usado a Imprensa Oficial do
Estado do Rio de Janeiro para a publicação de 50 mil exemplares do livro onde é
enaltecido como um governador dinâmico, capaz de realizar obras dignas de
louvores incondicionais...
A Justiça, naquela época, no intuito de cobrar
a dívida do condenado, decidiu leiloar o seu superluxuoso apartamento,
localizado em frente da Lagoa Rodrigo de Freitas.
No ano de 1999, como não se elegeu senador,
Moreira Franco recebe este convite: ocupar o cargo de assessor especial do
presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele aceita. Oh, como isto é bonito!
Formosa homenagem a um cidadão modestíssimo, repleto de probidade!
Jornalista bem informado, Moacir Japiassu me
disse, em Brasília, que a Dilma ignorava o desfalque do Moreira, porém, ao
saber, apressou-se a demiti-lo. O FHC, contudo, sabia, e mesmo assim o manteve
como seu assessor especial. Num discurso proferido no Palácio da Alvorada, em
maio de 1999, o meu xará bradou:
“Eu me orgulho de dizer que este é um governo
de moral, e um governo que tem na moral seu fundamento não pode transigir com
interpretações equivocadas, levianas!”
Nomeando o Moreira Franco “assessor especial”,
FHC mostrou como não existia coerência, entrosamento, entre o seu falar e o seu
fazer. A verborragia do ex-presidente me trouxe à memória a frase atribuída a
Talleyrand (1754-1838), ministro de Napoleão: “as palavras foram dadas ao homem
para disfarçar o seu pensamento” (La
parole a eté donné à l’homme pour déguiser sa pensée).
Fernando Henrique Cardoso poderá alegar, em sua
defesa, que o mundo está cheio de incoerências. E se é conhecedor de episódios
históricos, talvez cite, como exemplo, a batalha de Almança, travada entre
ingleses e franceses, no ano de 1707, na qual os primeiros foram comandados por
um francês, o Marquês de Ruvigny, e os segundos, os franceses, por um inglês, o
Duque de Berwik...
Incoerência, acrescento, existe até nos
animais. Curioso é o caso de um cão pastor, narrado pelo naturalista canadense
Ernest Thompson Seton (1860-1946) no livro Wild
animals i have known (“Os animais selvagens que conheci”), publicado em
1898. Esse cão, durante o dia, era bom, manso, educado, mas à noite fugia e ia
viver uma vida de pirata, de bandido, de assassino de galinhas...
Ultimas perguntas. A incoerência de FHC é
justificável? Depois de proclamar a moralidade do seu governo, ele não errou ao
nomear, como seu assessor especial, um assaltante dos cofres públicos? Aguardo
a resposta, xingando os nossos políticos corruptos, querendo enforcá-los.
Preciso me controlar!