quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

JÂNIO QUADROS, NO PALÁCIO DA ALVORADA, FEZ O EMBAIXADOR DOS ESTADOS UNIDOS ENTRAR NO SEU GUARDA-ROUPA!

Fiz esta pergunta a Jânio Quadros, durante um dos meus almoços com ele, na sua casa da rua 9 de Julho, em Santo Amaro:
- Houve muita pressão dos Estados Unidos para o senhor apoiar a ação armada que o governo do presidente Kennedy planejava contra Cuba?
Eufórico, com o rosto mais vermelho, Jânio Quadros fitou-me. Bebeu um pouco de vinho e de modo desembaraçado, às vezes escandindo as sílabas de algumas palavras, começou a rememorar:
- Um mês depois da minha posse na presidência da República, nos fins de fevereiro de 1961, desembarcou em Brasília o Adolfo Berle Jr. Este, no ano de 1945, como embaixador dos Estados Unidos, havia contribuído para a derrubada do Estado Novo, da ditadura de Getúlio Vargas, mas eu jamais iria tolerar qualquer interferência do governo norte-americano em nossa política interna. Nem quis recebê-lo, pois não ignorava que o seu plano consistia em forçar o Brasil a participar de uma ação jurídica e diplomática cujo objetivo era legalizar a intervenção direta dos Estados Unidos em Cuba, como aconteceu na Coréia e no Congo, sob os auspícios da OEA e da ONU.
Indaguei, repleto de curiosidade:
- E de que maneira o senhor descascou o pepino?
- Eu não o descasquei. Quem o descascou foi o Afonso Arinos de Melo Franco, o meu ministro das Relações Exteriores, a quem incumbi de falar com o Berle. O enviado de Kennedy, vendo que não conseguia nada, pediu socorro ao John Moors Cabot, embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Cabot, na ânsia de agradar o Berle e o Kennedy, ousou interferir em nossa vida política.
- Bem, e aí, o que o senhor fez?
- Impaciente, fervendo de indignação, mandei chamar o John Moors Cabot. Ele, muito sem jeito, entrou no meu gabinete. Decerto já sabia que eu me achava bem informado sobre o seu vil procedimento. Sentou-se na minha frente, diante de uma mesa baixa, e fui direto ao assunto: “embaixador Cabot, o senhor é o representante de um país com o qual a minha pátria, o Brasil, mantém tradicionais laços de amizade, desde a época de Tiradentes, mas agora o senhor não está se comportando bem!”
- O senhor teve a coragem de dizer isto?
- Sim, é claro, pois era a pura verdade!
- E ele, qual foi a sua reação?
- Ficou pálido. Eu o encarei de modo firme, sem desviar o meu olhar irado dos seus olhos, enquanto lhe dizia: “o senhor está metendo o bedelho em nossa vida política. Asseguro, o senhor não tem o direito de fazer isto, assim como o nosso embaixador em Washington não tem o direito de interferir nos assuntos internos dos Estados Unidos”.
- E aí, presidente, o que ele disse?
- Nervoso, a gaguejar, quis me contradizer. Reagi: “não, não, não, o senhor não me desminta, eu posso apresentar as provas! Vou adverti-lo, ou o senhor pára de meter o bedelho em nossa vida política, ou serei obrigado, para o bem dos tradicionais laços de amizade entre o Brasil e os Estados Unidos, a pedir ao seu governo a sua substituição por outro embaixador. Escolha”.
- E como acabou o encontro, presidente?
- Levantei-me e o despedi, sem lhe apertar a mão. Ele estava tão nervoso, tão atarantado, que em vez de sair pela porta do gabinete, entrou no meu guarda-roupa!
Eu e a dona Eloá rimos a valer, provocando os latidos dos três cães do casal.

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