No dia 10 de fevereiro de 2009, o calouro Bruno Ferreira, de vinte e um anos, do curso de Medicina Veterinária da Faculdade Anhanguera, em Leme, no interior do estado de São Paulo, foi levado em coma alcoólico para a Santa Casa daquela cidade. Dezenas de veteranos, aos berros, ou melhor, aos zurros, no decorrer de um trote, agrediram Bruno e outros calouros com chibatadas, obrigando-os a comer ração de cachorro, a nadar numa lama fedorenta, a ingerir grande quantidade de vodca e cachaça, a tomar banho no meio de montes de estrume, de restos de animais mortos. Um espetáculo ignóbil, de pura selvageria, de legitimo sadismo.
Na Universidade Federal de Goiás, os veteranos também embebedaram os calouros. Depois puseram coleiras neles. Uma jovem de dezenove anos desmaiou, mergulhada na embriaguês. Foi conduzida às pressas, em agudo estado de coma etílico, para o Hospital de Urgência de Goiânia.
Priscila Muniz, grávida de três meses, caloura de dezoito anos, teve de ser internada num hospital da cidade de Santa Fé do Sul, a 625 quilômetros de São Paulo, após sofrer no trote queimaduras de segundo grau, tanto nas costas como nas pernas e nos braços. A veterana que a atacou, valendo-se de forte mistura líquida de tiner e creolina, é aluna do curso de Pedagogia, ambiciona ser professora... Ela se aproximou da vítima e garantiu:
-Se eu não pegar você agora, vou pegar amanhã.
Tentando escapar, Priscila respondeu que estava grávida, mas mesmo assim a cretina despejou o líquido. Atingida, bem queimada, a caloura começou a passar mal, a perder os sentidos, antes de ser atendida no pronto-socorro.
O trote violento, bárbaro, tornou-se instituição sagrada no Brasil, pois os que o praticam, na maioria das vezes, não são punidos. A lei não existe para esses criminosos sádicos.
Em 1999, o estudante Edison Tsung Chi Hsueh morreu afogado numa piscina na USP, durante um trote regado a álcool, maconha e lança-perfume. Vomitando insultos, palavrões, os veteranos do curso de Medicina dessa universidade, mais de cinquenta, atiravam os calouros na água e pisavam nas mãos dos que, agarrados às bordas da piscina, queriam sair. Edison, rapaz tímido, de pesados óculos de grau, não sabia nadar. Ao fazer a autópsia, os legistas não encontraram, no seu cadáver, vestígios de álcool ou de drogas.
O DHPP, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, investigou o caso. Logo veio a público um vídeo onde Frederico Carlos Jana Neto, o “Ceará”, sextanista do curso de Medicina, afirmou sorridente numa choperia, junto de vários amigos:
-Eu matei o japonês. Sim, eu matei o japonês que se afogou!
Interrogado pela polícia, ele disse:
-Juro, isto foi apenas uma brincadeira de mau gosto!
“Ceará” ficou quatro dias preso. Alunos e mestres da Faculdade de Medicina protestaram contra a sua detenção. Oito professores da USP o visitaram, hipotecando-lhe solidariedade.
Quatro veteranos, acusados de causar a morte de Edison, livraram-se da ação penal no ano de 2006, porque o Supremo Tribunal de Justiça trancou a ação, devido a “falta de justa causa para embasar a denúncia”.
Hsueh Feng Ming, engenheiro civil e pai do estudante Edison Tesung Chi Hsueh, perdeu a esperança de ver a condenação dos assassinos do seu filho e morreu de desgosto em 2008.
Amigo leitor, faço questão de salientar: rapazes como esses estudantes criminosos pensam que ser jovem é mostrar-se perverso, imbecil, débil mental. Não, seus idiotas. Ser jovem é agir como criatura inteligente, repleta de alma, de coração, de sentimentos nobres.
A mocidade é bela, mas a desses cretinos é horrenda
Sou, modéstia à parte, um escritor e jornalista superorganizado. Nunca abro a boca, nos debates dos programas de rádio ou de televisão, para falar sobre assuntos que não conheço. Já deixei nesses debates muita gente em situação difícil, pois estou extremamente bem informado. Documento tudo, posso provar tudo, graças às informações extraídas do meu rico arquivo, fruto de mais de quarenta anos de minuciosas pesquisas, de cuidadoso recolhimento de dados.
Adoto também esse método para escrever os meus livros e os meus artigos. Portanto o que vou informar aqui não pode ser posto em dúvida.
No ano de 1962, os veteranos de Medicina da PUC de Sorocaba, agarraram um calouro e o despiram. Em seguida ele foi colocado num barril cheio de água e volumosa quantidade cal. Consequência: o calouro morreu com a pele em fogo, toda queimada. E observem, os jovens cretinos que fizeram isto eram estudantes de Medicina! Imagine agora, amigo leitor, quantos pacientes eles mataram, se lograram concluir os seus cursos...
Em 1973, calouros da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, de Piracicaba, foram obrigados a comer grama com urina de porco. Resultado: tiveram diarréias e vários pegaram graves infecções intestinais.
Em 1980, num trote, o jovem Carlos Alberto Sousa, por não permitir o corte dos seus cabelos, recebeu golpes nos rins, no estômago, no fígado, no peito. O agressor teve uma pena leve: apenas cinco anos de prisão.
Ainda em 1980, na Academia Militar de Realengo, do Rio de Janeiro, um calouro, depois de ser amarrado a trilhos de trem, sofreu um enfarte fatal.
Em 1992, surrado por veteranos do curso de Educação Física da Faculdade Maria Teresa, de Niterói, o calouro Roberto Alcântara de Oliveira quase perdeu a vida.
Em 1994, os veteranos queimaram vinte calouros com o corrosivo nitrato de prata, na Escola Técnica Conselheiro Antônio Prado (ETECAP), de Campinas.
Em 1997, desfigurado por socos e pontapés, a sangrar, o calouro Mário César Caliman tentou fugir do ataque dos veteranos, internando-se num matagal, onde aranhas venenosas o picaram, Submetido aos cuidados de médicos e enfermeiras de um hospital, Mário conseguiu sobreviver.
Em 2006, quinze veteranos da Universidade Federal de Uberlândia, forçaram um calouro a se deitar sobre um enorme formigueiro. O moço, sob centenas de picadas, ficou com o corpo todo ferido, inchado, ensanguentado. Dores insuportáveis o atenazaram no leito de um hospital, ele nem podia dormir. Dois dos seus agressores foram expulsos da universidade e treze ficaram suspensos por quatro meses. Pena leve...
A ferocidade dos jovens cretinos se expande de todas as maneiras. Orgulham-se de ser burros e perversos. As feras carniceiras – os tigres, os leões, os abutres, os crocodilos – são melhores do que eles, porque matam por imposição da lei da sobrevivência, mas os jovens cretinos ferem, espezinham, torturam, assassinam, por cálculo e sadismo, pelo exclusivo prazer de causar o mal.
Há poucos dias um estudante da Universidade Mackenzie agrediu sem nenhuma razão, no Jardim Guanabara de Campinas, o mendigo Irenaldo Onofre Salvador Júnior, homem fraco, doente, quase cego. O estudante raspou-lhe a cabeça, quebrou os seus dentes e encharcou as suas roupas com álcool.
Eu sinto pena do Brasil, ao olhar esses jovens degenerados. Poderemos confiar neles, quando se tornarem médicos, advogados, professores, engenheiros, políticos?
O poeta latino Ovídio escreveu estas palavras nas “Heroïdes”, coletânea de versos elegíacos:
“Ars fit, ubi a teneris crimen condiscitur annis” (verso 25 do capítulo IV).
É um verso que pode ser traduzido assim, de modo mais extenso:
“Quem desde os seus primeiros anos se acostuma com a maldade, faz logo do crime uma arte”.
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