segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

UM LOUCO NO CÉU DO BRASIL


Aqui no Brasil, no dia 29 de setembro de 1988, um avião da Vasp, o Boeing 737, com 7 tripulantes e 98 passageiros, foi sequestrado pelo maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição, de 28 anos. O apa­relho fazia a rota Porto-Velho - Rio de Janeiro.
Depois de aterrissar em Brasília e Belo Horizonte, o Boeing partiu na direção do Rio. Munido de um revólver, nesse momento Raimundo anunciou o sequestro. Ele conseguiu chegar à cabine do comando. Interpelado por Ronaldo Dias, comissário de bordo, o maranhense disparou um tiro e o atingiu na cabeça, de raspão. Também deu vários tiros, no in­terior da cabine, e uma das balas matou o co-piloto Salvador Evangelista. O comandante Fernando Murilo de Lima e Silva, atingido por outra bala na perna esquerda, tentou acalmar o desequilibrado, que queria obrigá-lo a mudar a rota do avião, a fim de o jogar, com os 98 passageiros e tudo, contra o Palácio do Planalto, onde o presidente José Sarney despachava.
Tal manobra, como procedimento de voo, seria impossível, explicou o comandante. A palavra deste convenceu Raimundo.
Mas a situação adquiriu cores negras quando a Aeronáuti­ca entrou em alerta. Dois caças F-5, da Força Aérea Brasileira (FAB), passaram a escoltar o Boeing 737. Pedro Azambuja, presidente da Federação Nacional dos Aeroviários, mostrou o perigo:
“Havia a possibilidade de que a aeronave fosse abatida pelos caças, caso Nonato persistisse em se aproximar da Esplanada dos Ministérios.”
Recorrendo ao artifício de convencer o sequestrador com os seus argumentos, o comandante, auxiliado pelo co-piloto Gilberto Renhel, fez o avião aterrissar em Cuiabá, no Aeroporto Santa Genoveva.
Durante seis horas o Boeing 737 permaneceu na pista, enquanto agentes do Exército e da Polícia Federal, no total de 400 homens, tentavam. negociar com Raimundo. Ele pediu um avião para fugir, mas o go­verno, preliminarmente, exigia a libertação de todos os reféns.
Às 19 horas, o sequestrador e o comandante desceram da aeronave. Irrompeu um intenso tiroteio, e Raimundo caiu atingido por três tiros na região dos rins. Levado a um hospital de Cuiabá, os médicos o operaram. Recuperou-se, disseram os médicos, porém ele morreu no mês se­guinte, em outubro de 1988. Segundo o laudo de necropsia, assinado pelos legistas Nelson Massini e Badan Palhares, a sua morte foi causada por três tiros.
Portanto, antes do ataque dos terroristas árabes às Torres Gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, ataques com aviões, nós, brasileiros, tivemos um terrorista que tam­bém usou o mesmo recurso para causar a morte, a desgraça: o avião. Os nos­sos jornais não se lembraram disso, na época do ataque às Torres Gêmeas.
                 
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

domingo, 19 de janeiro de 2020

OBEDEÇA NÃO VIRE DEFUNTO


Os 26 mil habitantes de Biritiba-Mirim, na Grande São Paulo, foram proibidos de morrer, pois o prefeito Roberto Pereira da Sil­va, do PSDB, conhecido como “Jacaré”, havia enviado à Câmara Municipal dessa cida­de um projeto de lei, a fim de propor isto. Biritiba-Mirim é dona de um só cemitério, que está superlotado, com túmulos até nos seus corredores. Jazi­gos foram ocupados por mais de duas famílias e polêmica resolução federal impedia o prefeito de mandar construir uma nova necrópole, devido a questões ambientais. Eis o começo do projeto:
“Roberto Pereira da Silva, prefeito municipal de Biritiba-Mirim, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu promulgo a seguinte lei:
            Artigo 1º - Fica proibido morrer em Biritiba-Mirim.
            Parágrafo único. Os infratores responderão pelos seus atos.
            Artigo 2º - Esta lei vigorará até a construção de um novo cemitério municipal.
Artigo 3º - Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”.
Depois de concluir a leitura do projeto, lembrei-me de um verso da Divina Comédia de Dante Alighieri, o 46 do canto III do ln­ferno: ­

            “Questi no hanno speranza di morte”
            (“Estes não têm a esperança de morrer")

O poeta italiano, nessa passagem, mostra uma multidão desesperada, a agitar-se no vestíbulo do reino dos demônios. Apenas a morte a libertaria, trazendo-lhe a paz... Como esses condenados descritos por Dante, os biritibanos jamais poderiam ir para a cidade dos pés juntos. A lei os obrigaria a permanecer vivos. Se um deles parasse de respirar, o prefeito Roberto lhe faria esta pergunta:
            -Quem autorizou o senhor a morrer?
            Resposta do defunto:
            -Aconteceu, prefeito, eu não tenho culpa.
            -Tem sim. O senhor violou o artigo 1º da Lei Anti-Defunto.
            -Juro, doutor Jacaré, aconteceu.
            -Se o senhor esticou a canela, foi porque também desrespeitou o artigo 3º da referida lei, que determina que os munícipes, para não morrer, deverão cuidar da saúde.
            -Mas eu estava com saúde perfeita! Morri de repente.
            -E quem mandou o senhor morrer de repente?
            -Aconteceu, sei lá!
            -Olhe, as suas palavras não me convencem. Então o senhor não sabia que aqui, em Biritiba-Mirim, é proibido morrer?
            -Eu sabia, doutor Jacaré, eu sabia, mas repito, aconteceu!
            -Ouça, o parágrafo único do artigo 1º da Lei Anti-Defunto especifica que os infratores responderão pelos seus atos. Portanto, eu or­deno: volte a viver. Ressuscite, vamos!
            -Doutor Jacaré, como é que eu vou fazer tal coisa?
            -Ressuscite, não seja teimoso!
            -Juro, eu não consigo, não consigo!
-Trate de dar um jeito. Peça a ajuda do salvador do Brasil, o Lula.
            -Se eu fizer isto, morrerei mais uma vez.
Aí, nesse momento, o prefeito se enfureceria, chamaria um policial e berraria:
-Prenda esse defunto estúpido! Eu lhe ofereci a chance de ressuscitar e ele não quis. Que fique na cadeia, até o dia do seu julgamento!
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

domingo, 12 de janeiro de 2020

Morreram por causa de suas burrices!


Rajadas da metralhadora Kalashnikov mataram Jean Cabut, Georges Wolinski, Bernard Verlhac e Stéphanie Carbonnier, cartunistas, na redação do Charlie Hebdo, um jornal pequeno e achincalhador de Maomé, de Jesus Cristo, do papa Francisco, da Santíssima Trindade. Sangueira na França, em Paris. Os árabes assassinos, com máscaras negras, saíram gritando, após o ataque:
-Allah Akbar! (Alá é grande!).
-Vingamos o profeta Maomé!
Ao todo, em pouco mais de cinco minutos do ataque, perderam a vida doze pessoas.
Antes desse morticínio do dia 7 de janeiro de 2015, o Charlie Hebdo, em 2011, foi alvo de um atentado a bomba.
Qual é causa de tamanha fúria? Por que os cartunistas tiveram, de modo violento, os fios de suas vidas rompidos?
Examino a capa da edição de 10 de julho de 2013 (número 1099), do Charlie Hebdo. Ela exibe um muçulmano a segurar o Alcorão, a Bíblia dos árabes, crivado de balas. O muçulmano afirma, também atingido por estas:
-O Alcorão é da merda. Isto (o livro sagrado) não detém as balas (Le Coran c’est de la merde. Ça n’arrête pas les balles).
Veja, amigo leitor, a estupidez do cartunista. É a mesma coisa que dizer para um cristão:
-A Bíblia é uma bosta.
Na edição de 19 de setembro de 2012 (número 1052), aparece o profeta Maomé totalmente nu, exibindo uma bunda feminina enorme, que está sendo filmada. Palavras do profeta, no desenho:
-E minhas nádegas? Tu amas as minhas nádegas? (Et mes fesses? Tu les aimes, mes fesses?).
Que cretinice! Que ofensa à fé dos árabes! Nojenta imbecilidade!
Agora vejam a capa da edição de 1º de outubro de 2014 do Charlie Hebdo (número 1163). O cartunista Charb (Stéphanie Carbonnier), mostra o profeta Maomé de joelhos, prestes a ser degolado por um terrorista encapuzado, todo vestido de preto. O terrorista declara, com o seu facão no pescoço de Maomé:
-Tua goela, infiel! (Ta gueule, infidèle!).
Maomé responde:
-Eu sou o profeta, idiota! (Je suis le prothète, abruti!).
Os achincalhes em cima do adorado Maomé prosseguiram. Num número especial do cretino Charlie Hebdo, ele aparece ocultando o rosto e dizendo:
-É duro ser amado pelos cons (C’est dur d’être aimé par des cons!).
Segundo o Dictionnaire de l’argot moderne, de Géo Sandry e Marcel Carrère (Editions du Daupphin, Paris, 1953), a palavra con, na gíria francesa, significa “homem pouco inteligente, imbecil” (homme peu inteligent, imbécile). Portanto, conforme o infecto Charlie Hebdo, todos muçulmanos que veneram Maomé são completos mentecaptos!
Em outro número do jornaleco ignóbil, Maomé se apresenta nu, de quatro, com uma grande estrela em cima do ânus, do seu órgão sexual. Texto da porcaria:
“Maomé: uma estrela é nascida! (Mahomet: une étoile est née!).
Eu pergunto: de que forma o mundo islâmico deveria reagir, ao contemplar essas infâmias? Existem cerca de 1,3 bilhão de muçulmanos no planeta Terra e milhões deles se acham dispostos a se imolarem em defesa de Maomé e do Alcorão. Daí concluímos: os cartunistas do Charlie Hebdo agiram como burros. Morreram por causa de suas burrices.

Também os cristãos, os que amam Jesus Cristo, foram ultrajados pelos débeis mentais do Charlie Hebdo. Exemplos não faltam. Na primeira página da edição de 7 de dezembro de 2011 (número 1016) dessa pústula da imprensa francesa, Jesus convida, de braços abertos e rosto de maluco:
-À mesa! (À table!).
Eis como o Charlie Hebdo classificou a Santa Ceia: “o jantar dos imbecis” (Le diner de cons).
A Santíssima Trindade foi retratada em poses obscenas, pornográficas, pelo jornalzinho imundo. No desenho, Jesus faz sexo anal com Deus, e o Espírito Santo com Jesus (Le pere, le fils, le saint esprit).
Há uma charge do montículo de pus Charlie Hebdo onde o papa Bento XVI, no ato da consagração eucarística, carrega uma camisinha, um preservativo, em vez da hóstia sagrada.
Na edição de 24 de julho de 2013 (número 1101), sob o título “O papa no Rio” (Le pape à Rio), o papa Francisco é puta carioca quase pelada, de sandálias altas, erguendo uma de suas pernas nuas e confessando:
-Disposto a tudo para aliciar clientes! (Prêt à tout pour racoler des clients!).
No avião que conduziu às Filipinas, o atual chefe da Igreja Católica opinou:
-A liberdade de expressão não dá direito de insultar a fé do próximo. Se o meu bom amigo Alberto Gasparri xingar a minha mãe, pode esperar que levará um soco. É normal. Você, nesse sentido, não pode ofender, desrespeitar, debochar.
Embora o papa tenha dito a verdade, o verborrágico Reinaldo Azevedo, num texto caótico publicado na Folha de S.Paulo (edição de 16-1-2015), agrediu o Sumo Pontífice, assegurando que suas opiniões sobre o ataque aos cartunistas e à liberdade de julgar “são covardes, imprecisas e politiqueiras”. Crítica ilógica, desconexa. Reinaldo, coloque óculos no seu cérebro. O senhor está com miopia mental.
Rafinha Bastos apoiou os canalhas do Charlie Hebdo, porque “o humorista deve ser livre para arriscar, questionar e provocar”. Mas Rafinha não é humorista, é apenas um grosseirão. Quando a cantora Wanessa Camargo estava grávida, ele disse que “comeria” essa cantora e o seu filho. Se bestialidade é humor, eu não sabia...
Gerald Thomas, famoso por ter em 2003 abaixado as calças e mostrado a sua bunda horrorosa no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, apoia o Rafinha, prega a “irrestrita liberdade de expressão”, cada um pode dizer o que quiser, mentir, caluniar, chamar Nossa Senhora de prostituta, etc, etc. Ótimo, Gerald, ótimo, ponha em prática a sua opinião, insulte, só pelo prazer de insultar, um severo delegado de polícia ou um altivo general do nosso Exército. Depois levarei para você, lá na Penitenciária Bangu 2, um sanduiche de mortadela...
Milhares de pessoas, em Paris, hipotecaram solidariedade ao repugnante jornal Charlie Hebdo. E usavam estes slogans: Nous sommes tous Charlie (“Somos todos Charlie”) e Je suis Charlie (“Eu sou Charlie”). Vendo pela televisão o movimento, a passeata, lembrei-me de novo desta frase de Voltaire: “a multidão, frequentes vezes, é uma besta com mais de mil cabeças”.

Fernando Jorge:
www.fernandojorge.com