segunda-feira, 24 de julho de 2017

O senador José Sarney afirma que as estrelas são vacas!


José Sarney se vale, no seu poema “Maribondos de fogo”, das rimas fáceis e dos recursos primários, com o propósito de impressionar o leitor. O resultado é um desastre, como se vê na página 64:



“Ventos e ventas ardentes

Das minhas tardes videntes”



Puxa, então existem tardes que são videntes? Tardes mães Diná? Quanto elas cobram por uma consulta? Cinqüenta ou cem reais?

Mas o cúmulo do destrambelho, no “poema" Os maribondos de fogo, aparece na página 50 dessa obra teratológica. Vejam, acreditem, na referida página o Sarney compara as estrelas a vacas:



“As estrelas são vacas

que vagam e se perdem

nas enseadas da noite”



Bem, se são vacas, devemos pedir a todos astronautas pa­ra levar imensas quantidades de capim ao espaço. Proponho, transformemos o firmamento num infinito capinzal.

Eu indago, muito curioso: que espécie de capim elas preferem? O capim-bobó? O capim-açu? O capim-gordura? O capim-guiné? O capim­-jaraguá? O capim-membeca? O capim-bambu? O capim-canudinho? O capim-de-angola? O capim-elefante? O capim-limão? O capim-marmelada? O capim-de­-burro? O capim-barba-de-bode?

É de vital importância ficar conhecendo o tipo de capim que as estrelas, ou melhor, as vacas do céu, gostam de devorar. Sim, pois um desses capins, apenas um, pode ajudá-Ias a produzir mais leite. Aliás, leite supersadio, espumante, saboroso, extraído das suas magníficas e adi­posas tetas.

Sou grato ao Sarney, pois eu, afundado na minha infame ignorância, não sabia que as estrelas são quadrúpedes, as fêmeas dos touros. E suplico, entreguem sem demora a ele o Prêmio Nobel. A sua descoberta foi sen-sa-cio-nal, revolucionou a ciência cujo objetivo é revelar a natureza dos astros e analisar as leis que os regem.

Inspirado na asnal (ou genial) descoberta sarneyana, eu produzi estes versos, enquanto olhava, numa noite suavemente romântica, a imensidão toda estrelada, ou melhor, toda avacalhada:



Estrelas, estrelas!

Vocês são vacas,

porém vacas cintilantes

que no céu sem fim,

comem muito capim,

e que brilham mais,

muito mais

do que os fúlgidos diamantes!



Eu e o Sarney,

nunca violamos a lei,

nem somos pessoas velhacas,

por chamá-las de vacas.



Adoramos os seus mugidos

que soam em nossos ouvidos,

como doces melodias,

tocadas pelo Messiasl



Os astrônomos garantem:

o Sol é uma estrela

cuja luz é cor de ouro.

Mentira, mentira,

isto desperta a minha ira!

Eu e o Sarney sabemos

que assim como as estrelas

são vacas,

ele, o Sol,

é um louro e lindo touro gay!

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro “O Aleijadinho, sua vida, sua obra, sua época, seu gênio”, cuja 7ª edição foi lançada pela Editora Martins Fontes.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

A bestialidade do Doutor Horror

Advogada, ex-procuradora da República e da Fazenda Nacional, padece de aguda cegueira mental a senhora Larissa Sacco, esposa do médico estuprador Abdelmassih. Ela exibe essa cegueira no seu artigo “Quem é Roger Abdelmassih” (Folha de S.Paulo, 2-10-2014). Assegura no texto ilógico que nunca houve qualquer tipo de cerceamento, por parte dele, da sua “liberdade sexual”.
Ora, Roger foi condenado a 278 anos de prisão por 48 crimes sexuais contra 37 mulheres. Aceitemos o argumento de o médico jamais ter abusado sexualmente da futura esposa. Isto o absolve? Roger seria um burro chapado, um legitimo cretino, se estuprasse Larissa, que é advogada, uma conhecedora do Código Penal.
A consorte do Doutor Horror o vê como um inocente, um quase anjo. E indaga: por que as acusadoras de Roger voltaram a procurá-lo? Respondo: elas não sabiam, durante os estupros ficavam dopadas. Exames posteriores comprovaram a violência.
O próprio estuprador admitiu a sua culpa, como é evidente na reportagem “As confissões de Abdelmassih”, feita por Alexandre Hisayasu (VEJA, 15-10-2014). Eis a confissão de Roger, gravada pelo seu psiquiatra:
“Deus quis quebrar o prepotente (ele, Roger)... o comedor!... Que passava mulher pra trás... O grande comedor, que provavelmente achava que tudo tava disponível, a mulher jogava o milho, e eu ia comer, e levei ferro. Você sabe que mulher é um bicho desgraçado mesmo”.
Roger sentia-se igual a um galo no cio. Viu como ele define as mulheres, Larissa? A senhora “é um bicho desgraçado”? Concorda?
No artigo em defesa do estuprador, ela exalta o “caráter reto” do marido, a sua “falta de culpa”. Então, senhora Larissa, leia o depoimento de Vanuzia Leite Lopes, de 54 anos, concedido à repórter Natália Cancian, da Folha de S.Paulo:
“Foi em 1993. Ele sempre me elogiava. Falava que era bonita. Mas nunca pensei que um médico fizesse isso (estupro). Só soube porque o remédio para dormir não fez efeito o tempo todo. Quando acordei, ele estava em cima de mim. Estava com o ânus sangrando e cheia de esperma (ela, Vanuzia). Fiquei chocada. Tentava me desvencilhar, fui empurrando (o Roger). Consegui colocar a roupa e sai chorando, desesperada. De lá fui a uma delegacia e me encaminharam para exames”.
Veja agora, Larissa, as consequências do estupro do seu marido, ainda segundo o depoimento da vítima:
“Depois disso aconteceu um fato terrível. Como ele fez sexo anal e vaginal, e tinha me dado muito hormônio, meu ovário estava hiperestimulado e preparado para multiplicar tudo que recebesse. Ele multiplicou uma bactéria. Dez dias depois, eu já estava quase morta. Tiraram minhas trompas e ovário, que infeccionou. Fiquei quarenta dias no hospital” (Folha de S.Paulo, 16-10-2014).
Larissa tece louvores a Roger, por este ser um pai e um marido perfeitos, uma criatura repleta de amor aos filhos, à família. E daí? Tal sentimento prova a sua inocência? Excelente pai e marido foi também Joseph Fouché (1754-1820), o monstruoso responsável pelos morticínios de Lyon, na época de Napoleão (eu o evoquei no meu livro Água da fonte). Sob o teto do seu lar esse álgido assassino, informa Stefan Zweig, era “o mais amante dos maridos, o mais terno dos pais de família”.
Outro ótimo esposo, idêntico sob este aspecto a Roger, foi o médico inglês Harold Shipman (1946-2004), o Doutor Morte (Doctor Death), pai exemplar de quatro filhos, marido dedicado de Primrose Oxtoby, preso em 1998, após liquidar mais de 297 pacientes, a maioria mulheres, com doses diárias e letais de diamorfina. Harold, o pior serial killer da Inglaterra (Britain’s worst serial killer), enforcou-se na sua cela da penitenciaria de Wakefield.
As palavras do juiz Thayne Forbes, após condená-lo a prisão perpétua, aplicam-se de forma justa a Roger Abdelmassih:
“O senhor abusou da confiança dessas vítimas, pois era o médico delas. Usou suas habilidades médicas de maneira fria, perversa e calculista, sem demonstrar remorso.”
Senhora Larissa, continue a defender o seu encantador marido, tão puro, tão inocente como Joseph Fouché e Harold Shipman...
Os estupros de Roger me trouxeram à memória a novela The strange case of dr Jekill and mr. Hyde, publicada em 1886, mais conhecida pelo título de O médico e o monstro, do escritor escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894). Nessa história, sempre que ingeria uma droga, o médico Henry Jekill se transformava no demoníaco doutor Edward Hyde, num crápula odioso, cruel, repulsivo, de baixos instintos.
Para virar monstro, à semelhança do doutor Jekill, o doutor Abdelmassih não precisava tomar nenhuma droga. Bastava-lhe obedecer as ordens ditadas pela sua voraz e insaciável bestialidade, disposta, em qualquer hora, a devorar indefesas carnes femininas.
Concluindo, reproduzo a seguinte frase do crítico e lexicógrafo britânico Samuel Johnson (1709-1784), autor de ensaios famosos:
“Quem se converte numa besta, liberta-se do esforço de viver como um ser humano”.
(“He who make a beast of himself, gets rid of the pain of being a man”)