Já
narrei, no meu livro “Cale a boca, jornalista!”, um episódio tragicômico da
vida do grande ator de teatro Procópio Ferreira, mas é interessante, aqui em
nosso despretencioso bate-papo, evocar esta história outra vez, pois ela prova
como o ódio e a fúria dos mandões contra a imprensa do país de Lula podem
impregnar a alma de um artista, modificando-lhe a personalidade.
Em
1º de julho de 1933, apareceu no Correio
da Manhã uma crônica de Gondin da Fonseca, que ele assinou com e pseudônimo
de M. Cláudio. Conforme escreveu o autor desta crônica, o nome João é
indispensável na feitura dos pseudônimos:
“Vão-se
de cada vez tornando-se mais raros os pseudônimos sem João: Mendes Fradique,
Tristão de Ataíde, Oscar d’Alva, Procópio Ferreira.
O
caso deste último é interessante. Nascido no Funchal (ilha da Madeira),
Procópio, que se chama, efetivamente, segundo já li em livro, João do Quintal
Ferreira Júnior, veio pequeno para o Brasil e aqui estudou, cresceu e se fez
homem. Entrando para o teatro, adotou um pseudônimo que a multidão já vai
decorando e celebrizando. Amigos dos nossos homens de boemia e de letras,
auxiliou ou custeou integralmente do seu bolso a publicação dos versos de Moacyr
de Almeida – o saudoso poeta falecido com 23 anos – e das Fábulas, de Catulo Cearense. Além disso, quantas peças nacionais
tem interpretado no decurso deste último decênio? Quantas?
E
Gondin acrescentou de modo lírico, pondo o artista nos carrapitos da lua:
“Todavia,
mais do que qualquer comendador, presidente de sociedades regionais
portuguesas, Procópio não esquece a Mãe-Pátria, o velho Portugal, e assim é
que, nas suas companhias, admite de preferência atores lusitanos. Atores,
atrizes, comparsas, empregados subalternos, etc. Poder-se-á, no entanto, com
justiça, negar aplauso a tal atitude? Não, por certo. O que ás vezes acontece é
que, na confusão de prosódias verificada no palco da companhia de Procópio,
nasce para o espectador um vago mal-estar: dir-se-ia que as peças são
bilíngues”...
Célere,
impetuoso, após ler estas linhas no Correio
da Manhã, o ator pegou um revólver e voou até a redação do periódico, a fim
de matar M. Cláudio. De fato, como salienta Gondin da Fonseca, a pecha de português doeu mais em Procópio do que
qualquer outra que lhe pudesse ser lançada, pois ele se sentiu “injuriado,
aviltado, sujo em sua honra”. Só encontrou um caminho: a desafronta à bala. A
muito custo, informa Gondin, “um redator do jornal o dissuadiu de levar por
diante os seus propósitos sanguinários”. Mas Procópio impôs ao Correio da Manhã a publicação do
seguinte termo do registro de nascimentos da 3ª Pretoria Cível da freguesia de
Santo Antônio.
Depois
da publicação do termo, a Colônia lusa mostrou-se ofendida. O embaixador de
Portugal explicou:
-E
por duas razões. Primeiro, porque ele não provou chamar-se Procópio; segundo,
porque se envergonhou de ser português. Arre! Ser português é desdouro?
Temos
a impressão de que Procópio Ferreira, influenciado pelo assalto dos tenentes ao
Diário Carioca, ocorrido no ano
anterior, também resolveu socorrer-se da violência, da força bruta, para
“desenxovalhar a sua honra”. Portanto convém repetir: o ódio, a fúria dos
mandões contra a imprensa, podem impregnar o espírito de um artista,
modificando-lhe a personalidade...