A
historiadora mineira Guiomar de Grammont, no livro Aleijadinho e o aeroplano, lançado pela Civilização Brasileira,
afirma que o seu conterrâneo Antônio Francisco Lisboa, conhecido pelo apelido
de Aleijadinho, nunca existiu, é uma ficção inventada pelo historiador Rodrigo
José Ferreira Bretas.
No
entender da desconfiadíssima senhora Grammont, as obras do nosso genial
escultor são uma “criação coletiva”. Antes de exibir o seu erro primário e
fatal, que destrói completamente a sua afirmativa, vamos apresentar três erros
graves que ela cometeu.
Primeiro
erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Sem nenhuma prova, denegriu a
memória de Rodrigo Ferreira Bretas, o primeiro biógrafo do Aleijadinho, pois
sustenta que ele o “inventou”. Ora, Bretas era um homem honrado. Conforme
informo no meu livro sobre o Aleijadinho, já na sétima edição, ele veio à luz
em Cachoeira do Campo, no ano de 1814, e faleceu em 1866. Advogou na localidade
de Bonfim do Paraopeba, onde fundou e dirigiu um colégio. De 1852 a 1861, em
quatro legislaturas, foi atuante deputado à Assembleia Provincial. Também
exerceu o cargo de secretário do governo mineiro e lecionou filosofia em
Barbacena. Além de ter sido diretor do Ensino Público de Minas Gerais e sócio
correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ele dirigiu o
Colégio de Congonhas do Campo. Alguns dos seus discursos, pronunciados na
Assembleia Provincial, foram reunidos num opúsculo, hoje bastante raro. Em
1861, o governo mineiro o designou para representá-lo na instalação da vila de
São Paulo de Muriaé, fato que revela como era bem respeitado e gozava de
prestígio.
A desconfiadíssima
senhora Guiomar, sem nenhuma prova, mostra Rodrigo Bretas como um vigarista, um
“especialista em retórica”. Chega ao cúmulo de dizer, também sem nenhuma prova,
que ele “inventou” um pai para o Aleijadinho, o arquiteto português Manuel
Francisco Lisboa. E ainda sem nenhuma prova, garante que Bretas “incorporou”
dados da vida de Miguel Ângelo à vida do Aleijadinho. Mas o historiador mineiro
apenas coloca diante de nós algumas semelhanças entre o artista brasileiro e o
artista italiano, mais nada...
Segundo
erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Ela despreza os depoimentos dos
viajantes estrangeiros que estiveram em Minas Gerais no século XVIII, como o
francês Saint-Hilaire e o inglês Sir Richard Burton, Tais depoimentos provam
que o Aleijadinho existiu realmente. Os dois fazem referência à sua
deformidade. Aliás, três anos antes da morte do Aleijadinho, o barão Guilherme
de Eschwege visitou Minas em 1811 e depois escreveu no seu Journal von Brasilien:
“O
principal escultor que aqui se salientou era um homem aleijado, com as mãos
paralíticas. ”
Terceiro
erro grave da senhora Guiomar de Grammont. Não há nenhuma prova de que o Estado
Novo de Getúlio Vargas, instituído em 10 de novembro de 1937, criou o “mito
Aleijadinho”, para ele adquirir a imagem de “herói nacional”. Este herói já
existia: é Tiradentes. A tese da senhora Guiomar é tão ilógica, tão absurda,
tão desprovida de fundamento como a da senhora Isolde Helena Brans Venturelli,
que em 1979 quis provar, a todo custo, que os doze profetas esculpidos em pedra
sabão pelo Aleijadinho, no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em
Congonhas do Campo, representam os vultos da Inconfidência Mineira...
E
agora o erro mais grave da historiadora Guiomar de Grammont. Erro primário e
fatal, repito, e que destrói completamente esta afirmativa: o Aleijadinho nunca
existiu. Prezada e desconfiadíssima senhora Guiomar, meu Deus do Céu, como a
senhora pôde cometer este erro tão grande, tão impressionante? Se foram vários
os artistas que executaram as obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, como
se explica que ao longo de mais de quarenta anos os recibos assinados pelo
Aleijadinho apresentam sempre a mesma grafia? A assinatura dele era bem
característica. O livro primeiro de Receita e Despesa da Ordem de São Francisco
de Assis de Ouro Preto é a prova disso. A conclusão é lógica, se fossem vários
os Antônio Francisco Lisboa, as assinaturas seriam diferentes. Basta examinar
os recibos descobertos pelos pesquisadores do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. A afirmativa da desconfiadíssima senhora Guiomar, portanto,
desmorona, fica reduzida a pó. Ela se esqueceu desse pormenor, que é
fundamental, mas logrou convencer, com a sua tese maluca, até um jornalista
calejado como o Zuenir Ventura, de O
Globo...
Aconselho
a desconfiadíssima senhora Guiomar de Grammont a memorizar esta frase do
filósofo Francis Bacon (1561-1626), inserida no capítulo 31 de seus Essays:
“Nada
induz o homem a desconfiar muito, como saber pouco.”
(“There is nothing makes a man suspect much
more than to know little”)