Recebi dezenas de e-mails de todas as
partes do nosso país, dizendo que a cantora Adriana Calcanhotto se apoderou da
tese de um livro de minha autoria. O livro, do qual já foram vendidos 118 mil
exemplares, intitula-se Se não fosse o
Brasil, jamais Barack Obama teria nascido, da editora Novo Século, e nele
provo isto: a obsessão da mãe de Obama pelo filme Orfeu Negro, de 1959, baseado numa peça de Vinicius de Moraes e
dirigido pelo francês Marcel Camus (1912-1982), causou o nascimento do atual
presidente dos Estados Unidos.
Num dos referidos e-mails, o
pesquisador Marcelo de Almeida, da cidade paulista de São José dos Campos,
situada no Vale do Paraíba, declarou o seguinte:
“A pré-quinquagenária Adriana
Calcanhotto, com a maior cara-de-pau, não teve nenhum escrúpulo ao empalmar a
tese do escritor Fernando Jorge. Ela precisa fazer uma alteração no seu nome,
passar a se chamar Adriana Calca em Outro e não Adriana Calcanhotto. O outro é
Fernando Jorge. Calca, presente do
indicativo do verbo calcar, funciona
aqui como sinônimo do verbo decalcar,
que significa plagiar, imitar servilmente”.
Prezado Marcelo, o amigo está sendo
demasiado severo. A Adriana não furtou de maneira direta a minha tese, pois
atribuiu a autoria desta ao José Miguel Wisnik, a fim de o agradar, de
lisonjeá-lo. Mas ele, Wisnik, bem antes do texto da Adriana, havia reconhecido
que eu, Fernando Jorge, sou o autor da tese, em seu artigo “Obama, filho do
Brasil”, publicado na edição do dia 12 de junho de 2010 do jornal O Globo. Palavras de Wisnik, no início
do artigo:
“Se
não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido. O título amalucado
do livro de Fernando Jorge ganha ao longo da obra a forma reiterada e obsessiva
de um bordão. Entre informações biográficas, dados históricos sobre o racismo
americano e brasileiro, sobre literatura, teatro e música, sobre relações políticas,
diplomáticas e culturais entre os dois países, o argumento se fecha
obstinadamente a cada passo, com o refrão que dá nome ao livro. Tudo conspira
para provar que o primeiro presidente mulato americano, que afinal chegou antes
do previsto pelo famoso romance de Monteiro Lobato (O presidente negro), só veio a nascer graças ao toque de magia de
um filme baseado por sua vez na obra de um outro escritor brasileiro – Vinicius
de Moraes”.
Após expender estas considerações,
José Miguel Wisnik acrescentou:
“O mais maluco é que eu também acho
que a tese de Fernando Jorge tem fundamento. Só que é bom deixar cada maluco
com o seu sintoma. O de Fernando Jorge investe na forma contumaz da ideia fixa.
Repetindo sem parar a sua obsessão...”
Meu comentário: se sou doido, o Wisnik
é igual a mim, pois me apoiou... E ele salienta:
“Fernando Jorge, em sua furiosa busca
da prova literal, repisa a semelhança de Breno Mello, ator que representou
Orfeu no filme de Camus, com Obama pai”.
Sim, é inegável. A mãe de Obama, por
ter ficado apaixonadíssima pelo filme Orfeu
Negro, baseado na peça Orfeu da
Conceição, de Vinicius de Moraes, apresentada no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro em 1956 (o filme é de 1959, como informei), viu no pai de Obama, belo
moço negro nascido na África, o sósia, o irmão gêmeo, a transposição do gaúcho
Breno Mello, e não resistiu, entregou-se a ele. Dessa união entre uma jovem
americana completamente branca, nascida no Kansas, e um rapaz africano
completamente negro, nascido no Quênia, surgiu o mulato Barack Hussein Obama,
que pela primeira vez arregalou os seus pequeninos olhos perspicazes em
Honolulu, capital do Havaí, destino turístico internacional, no dia 4 de agosto
de 1961.
Embora José Miguel Wisnik, num artigo publicado em
2010 no jornal O Globo, tivesse dado
apoio à tese do meu livro, a cantora e compositora Adriana Calcanhotto resolveu
atribuir a autoria dessa tese a ele, o honesto Wisnik. O texto de Adriana,
intitulado “Vai Vai Vai Vai Vai”, apareceu na edição do dia 20 de outubro de 2013 desse periódico.
Segundo Adriana, foi Wisnik quem descobriu que Vinicius de Moraes “inventou o
primeiro presidente americano negro”. Ela endossa a minha tese, atribuindo a
sua criação, no entanto, ao Wisnik, e opondo-se à insofismável eloquência da
verdade:
“...sem o Vinicius, aquela branca
americana não se apaixonaria por um queniano parecido com o ator que fez o
papel de Orfeu no filme de Marcel Camus”.
José Antônio Rubino Martinez, de São
Paulo, enviou estas linhas à seção “Dos leitores” de O Globo:
“A interessante crônica de Adriana
Calcanhotto sobre Vinicius de Moraes (20-10) merece um reparo: quem descobriu,
na verdade, que o poetinha inventou o primeiro presidente americano negro, não
foi Zé Miguel Wisnik e sim o escritor e jornalista Fernando Jorge, como revela
no seu livro Se não fosse o Brasil,
jamais Barack Obama teria nascido. Zé Miguel até escreveu um artigo sobre o
livro, publicado nesse jornal em 2010, e deu apoio à afirmativa de Fernando
Jorge”.
Lendo a crônica de Adriana, verifiquei
outra coisa: ela atribuiu a si mesma a descoberta da fonte inspiradora do
“Soneto de fidelidade”, do Vinicius, feita por mim. Fui o descobridor dessa
fonte, que é este verso do poeta Henry de Régnier:
“L’amour est eternel tant qu’il
dure”
(“O amor é eterno enquanto dura”)
E acentuei no meu livro sobre Obama,
para eliminar qualquer dúvida: o “Soneto de fidelidade”, escrito em Oxford, na
Inglaterra, é de 1939, e Henry de Régnier faleceu no ano de 1936. Assim sendo,
o soneto de Vinicius veio à luz cinco anos depois da morte do poeta francês,
nostálgico evocador de Versailles no livro La
cité des eaux (“A cidade das águas”), publicado em 1902.
Nas Histórias sem data, livro de contos, o nosso Machado de Assis
classifica o plágio de “embrião da ladroeira”, e Alfred de Musset (1810-1857),
na poesia “La coupe et les lèvres” (“A taça e os lábios”), confessa que odeia o
plagiário como odeia a morte” (“Je hais
comme la mort l’état de plagiaire”), mas proclama com orgulho:
“Meu copo não é grande, porém bebo no
meu copo”.
(“Mon verre n’est pas grand, mais
je bois dans mon verre”).
Discordo de Machado de Assis. Para mim
o plágio não é o “embrião da ladroeira”. Ele, a rigor, é a própria ladroeira.
Todavia, não odeio o plagiário, à semelhança de Alfred de Musset. O plagiário
me faz rir, diverte-me, como acho graça num larápio desastrado...
Agora pergunto: será que o cidadão
Marcelo de Almeida acertou, por garantir que a cantora Adriana Calcanhotto
precisa alterar o seu nome e passar a se chamar Adriana Calca em Outro?