Um acontecimento literário singular ocorreu na Saraiva
Megastore do Shopping Pátio Higienópolis, da cidade de São Paulo: três
escritores, ao mesmo tempo, autografaram os seus livros. E daí, indagará o
leitor desta coluna muito lida numa grande rede de jornais, e daí, aonde está a
singularidade do fato? O acontecimento literário singular é este: um pai, Luiz
Fernando Emediato, a sua filha, Fernanda Emediato, e o filho de Luiz, o garoto
Antonio Alselmo Emediato, nascido em 2005, e portanto de apenas oito anos,
autografaram os belos livros escritos por eles. Nunca houve um fato dessa
natureza em nossa vida literária.
“O Brasil ficou grandão, fortão, jogador de futebol e
imbecil.”
Pura verdade. Se essa imbecilidade não atingisse também a
mídia, dezenas de jornais, revistas, emissoras de televisão do nosso caótico
país, o singular acontecimento teria sido divulgado em ampla escala, porque
além de ser um fato inédito, os três autores possuem admirável talento
literário.
Luiz Fernando Emediato autografou a segunda edição,
revista e aumentada, do seu Não passarás
o Jordão, mescla de romance e livro de memórias. É obra indispensável para
quem deseja compreender, de forma abrangente, os absurdos, as violências, as
torturas, os atos de arbítrio, a repressão doida, alucinada, da época da
ditadura militar brasileira, imposta depois do Golpe de 1964. Ditadura da qual
me tornei vítima, pois fui processado quatro vezes como “escritor e jornalista
subversivo”, apesar de ser um democrata, um fogoso paladino da justiça, da
liberdade, dos direitos humanos.
Não passarás o Jordão magnetiza o leitor da primeira até a
última página. O estilo claro e límpido dessa obra, trouxe à minha memória esta
frase de Monteiro Lobato sobre o escritor Camilo Castelo Branco, inserida numa
carta enviada a Godofredo Rangel, conforme podemos ver no livro A barca de Gleyre, publicado em 1944
pela Companhia Editora Nacional:
“Camilo escrevia com a mesma naturalidade com que um
homem de boa saúde mija.”
A naturalidade envolvente do livro de Luiz vai
transformar-se num filme. E esse filme, acredito, alcançará sucesso em 2014,
cinquenta anos depois do Golpe de 1964.
O livro de Fernanda Emediato se intitula A menina perdida. É a história de uma
garota chamada Micaela Maria. Outros personagens dessa narrativa singela, bem
escrita, reveladora de fértil imaginação: José Maria e Maria José, pais de
Micaela, a princesa Charlotte XI, o rei George e a rainha Margot, a bruxa
Mauzeb.
A história de Fernanda Emediato é da lavra de uma alma
delicada, extremamente sensível. Pensei, ao terminar de lê-la: a filha do Luiz
deve ter uma sensibilidade à flor da pele, é capaz de chorar nos momentos de
melancolia. O seu livro A menina perdida
se acha repleto de alma, de emoção. Impressionou-me, além disso, o destino da
bruxa Mauzeb, pois Fernanda humanizou-a no fim da história, tirou-lhe a
maldade...
Surpreende a inteligência, o talento literário do menino
Antonio Anselmo Emediato, autor do livro Minha
família. Fiquei emocionado com a sua bondade, com a sua pureza, com o seu
profundo amor às suas duas famílias. Neste mundo cheio de almas torvas, sem
luz, me comove contemplar a ternura de Antonio, a sua inocência, e peço ao
Criador que o proteja sempre, que o defenda do ódio, da inveja e das armadilhas
dos perversos. Lendo o seu livro, lembrei-me que Victor Hugo disse que quando a
criança olha para nós, Deus nos sonda (“quand
l’enfant nous regarde, on sent Dieu nous sonder”) e também deste verso do
poeta inglês Swinburne (1837-1909), no poema “A song of welcome”:
“Onde não há crianças, não existe o céu.”
(“Where children are not, heaven is not”).
Após ler os três livros dos três Emediatos – o da
Fernanda e o do Antonio com lindas ilustrações de Mance – cheguei a esta firme
conclusão: o talento literário, algumas vezes, é hereditário.