Não sou inimigo de nenhum povo e de nenhum país e sim dos governos de certas nações. Um amigo dotado de bela cultura, jornalista de “O Estado de S.Paulo”, que me viu ser entrevistado no programa “Provocações”, do Antônio Abujamra, da TV Cultura, e que leu a entrevista que concedi ao colega Gilberto Amendola do “Jornal da Tarde”, publicada na edição do dia 8 de julho de 2009 desse periódico, o referido amigo chegou a esta conclusão:
-Fernando Jorge, você é um anarquista, um fiel seguidor do italiano Enrico Malatesta e do russo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin.
Não posso negar: sempre tive uma entusiástica admiração pelos anarquistas. Desde jovem eu lia e aplaudia os textos do inglês William Godwin (1756-1836), paladino da tese de que o homem pode tornar-se perfeito pela educação e pela razão, e se conseguir criar uma sociedade livre de qualquer coercitivo governo autoritário. Sonho utópico, irrealizável? Depois mergulhei na leitura das obras de Bakunin (“Deus e o Estado”, “O catecismo revolucionário”, “Os princípios da revolução”), cuja escola se opunha vigorosamente ao socialismo ditatorial de Karl Marx e defendia uma espontânea ação revolucionária, com o objetivo de destruir o “desumano capitalismo” da época moderna. Confesso também li e reli, e até adorei, o livro “A doutrina anarquista ao alcance de todos”, do professor José Oiticica (1882-1957), um homem puro, honrado, profundo conhecedor do nosso idioma, tão conhecedor que lecionou Filologia Portuguesa na Universidade de Hamburgo.
Diversas vezes perguntei a mim mesmo: sou ou não sou um anarquista? Bem, se ser anarquista é rebelar-se contra a macaqueação do brasileiro diante do americano, contra a sua mania de querer falar bem o inglês e mal o português, então de fato eu sou um fanático adepto de Peter Alexievitch Kropotkin (1842-1921), autor, entre outros livros, das “Palavras de um revoltado” e de “A conquista do pão”, lidos e relidos por mim, o primeiro publicado em 1885, e o segundo em 1892.
Repito, não sou inimigo de nenhum povo e de nenhum país, mas não aceito, não me conformo, esculhambo, meto o porrete nessa paranóia de milhões de brasileiros se obstinarem em serem macacos dos americanos. Isto para mim é falta de cultura, de caráter, de personalidade, de patriotismo.
Você liga o rádio e só ouve a música cacofônica dos Estados Unidos. Os brasileiros americanizados, ou melhor, americanalhados, metidos a besta, acham que é prova de mau gosto, de atraso, ouvir um tango argentino, uma canção italiana, mexicana ou francesa. Ouvimos mais a ensurdecedora música cacofônica americana do que a nossa, a da Bethânia, da Gal, da Zizi Possi, do Caetano Veloso. E se ligarmos a televisão, é só filme americano de quinta ou oitava categoria, exibindo cretinices, assassinatos, barbaridades. Filmes para os criminosos se sentirem estimulados a assaltar, a estrangular, a fuzilar, a cortar cabeças.
O brasileiro é tão macaco do americano, tão complexado, tão sem personalidade, que hoje, em dezenas de lojas comerciais, quando deseja anunciar uma grande liquidação, ele coloca as palavras inglesas off e sale.
Lá no Rio de Janeiro, os jovens da alta classe média copiam nas praias os jogos da americana National Football League. É o Superbowl! É o Touchdown! Eles mal sabem se expressar em português, mas gritam, no decorrer das partidas:
-Field goals! (Gol de campo!)
-Tight-end! (Bloqueio!)
-Safety! (Vale dois pontos!)
-Defensive tackies! (Jogar pelo meio da defesa!)
-Defensive ends! (Defender as pontas!)
-Quaterbaks! (Armação das jogadas de ataque!)
As mocinhas americanizadas do Leblon, de Ipanema, de Copacabana, da Barra da Tijuca, vendo as partidas dos simiescos garotões, vomitam estas palavras, como se estivessem soltando orgasmos:
-Wonderful! (Maravilhoso!)
-Beauty! (Beleza!)
-What a bit of luck! (Que sorte!)
-Gracious goodness!, good gracious! (Ora essa, céus, meu Deus!)
-That makes us square! (Agora estamos quites!)
-Over again! (Outra vez!)
-Well, I’m jiggered! (Por essa eu não esta esperava!)
Entrevistada por uma repórter de televisão, uma das tais mocinhas assim se expressou:
-Prefiro falar o inglês do que o português. Acho tão feia, tão cafona a nossa língua! Take my Word for it. (Dou-lhe a minha palavra). My dream (meu sonho) é conhecer, em New York City, o Music and Dance Booth, no Bryant Park. Take my word for it! (Dou-lhe a minha palavra!)
Ao ver esta fulana na televisão, eu pensei: amanhã, se os Estados Unidos invadirem o Brasil, milhões de jovens como ela vão renegar a sua nacionalidade, trair o seu país, virar americanos ou americanas de carteirinha.
Na pátria do Lula existem idosos americanizados. Rubem Fonseca, nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, no dia 11 de maio de 1925, não parece um escritor brasileiro e sim americano. Os textos dos seus contos e romances se assemelham às narrativas de John Steinbeck, Ernest Hemingway e Jerome David Salinger. Aliás, Rubem imita este último na vida pessoal, usa o estratagema de nunca dar entrevistas, a fim de se mostrar difícil, estranho, singular... É oportuno dizer que esse escritor cem por cento americanizado, estudou administração e comunicação nas universidades de Boston e de Nova York.
João Ubaldo Ribeiro, no artigo “Vergonha da mesóclise” (“O Globo”, 2-6-2009), provou como o fascínio pelo inglês dos americanos está mudando, de forma corrosiva, horrenda, a língua portuguesa falada em nosso país.
Brasileiro, você quer continuar a ser macaco do americano? Peça para ficar numa jaula de um jardim zoológico dos Estados Unidos, a fim de nela pular, guinchar, fazer caretas, empinar o rabo e comer bananas, pipoca e amendoim, em frente dos olhos aparvalhados dos visitantes.
Brasileiro, tenha um pouco de vergonha na cara, pare de ser macaco do americano!