Jornalista atuante, colaborador do Estado de Sergipe, Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Correio Paulistano e de outros órgãos, Gilberto Amado condenou as obras de dois mandões da república das letras, num artigo publicado no diário O País, em 23 de setembro de 1913. Esses mandões – podemos classificá-los desse modo porque eram muito severos, autoritários – chamavam-se Elói Pontes e Lindolfo Collor, autores, respectivamente, dos livros A luta anônima e Elogios e símbolos. A crítica de Gilberto, áspera, inexorável, não se valeu de circunlóquios:
“Recebi por mãos deles, e com as mais penhoradas dedicatórias, os seus livros. Mas ao lê-los foi tal a minha impressão ante a volumosa nulidade literária, tão prestigiosamente impingida ao público ingênuo, que a minha serenidade e o meu bom gosto se revoltaram. É demais! De resto é um crime acoroçoar a vaidade desses rapazes a um trabalho inútil como a literatura, quando o país, em plena agitação do progresso, exige atividades propícias nas profissões remuneradoras”...
Crítica desapiedada, sem qualquer dúvida, porém justa em relação à poesia de Lindolfo Collor. Analise o leitor, por exemplo, estes versos do empertigado gaúcho de São Leopoldo:
“E deixo todo livre e sem entraves
o pensamento no país inconho
da Fantasia, onde gorjeiam aves,
sob a cúpula azul de um céu risonho.”
Versos de um rimador, de um poeticida, de um assassino da poesia. Quase total carência de gosto, de senso crítico. Horrível o tal “país inconho” para combinar com “céu risonho”.
E o último verso também é um desastre:
“só com os meus versos e com meu Orgulho”.
Reminiscência grotesca, infeliz, do epílogo do soneto “Avatara”, de Olavo Bilac:
“Mas o simum do orgulho enfunava o meu peito:
E eu galopava, livre, e voava, satisfeito
Da força de ser só, da glória de ser triste!”
Sim, péssima, execrável, a poesia de Lindolfo Collor, se é que podemos lhe dar o nome de poesia. Ele, um rapaz alto, robusto, descendente de alemães, sempre de monóculo como um marechal prussiano, ficou fulo de raiva, pôs-se de trombra. No outro dia, logo em seguida ao aparecimento da crítica, o poeticida ataca Gilberto Amado a bengaladas, quando o sergipano atravessava a rua do Ouvidor, de braço com o jornalista João do Rio. Ligeiro, Gilberto saca o seu revólver e dispara: pummmm!
Aterrorizadas, as pessoas se escafederam em todas as direções...
Imenso escândalo, a agressão repercutiu intensamente, logo se converteu no assunto predileto de todas as rodas da capital federal. João Ribeiro, num artigo, usou a expressão “intolerância porreteira”, e Lindolfo Collor, no vespertino A Noite, publicou uma descrição do episódio.
Bem, aí está a fúria de um poetastro contra o articulista de um diário. Perder a compostura por causa de uma crítica de jornal, como se deduz, não constitui o privilégio exclusivo de certos cabras-topetudos, mas é também o labéu de alguns intelectuais dogmáticos, pedantes, metidos a besta.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro “Cale a boca, jornalista”, cuja 5ª edição foi lançada pela Editora Novo Século