Uma chinesa, na província de Chongquing, foi
autorizada a bater no seu marido, o senhor Zhang, uma vez por semana. Cansado
de apanhar diariamente, ele aceitou este acordo. Fato digno de registro: esta
mulher é campeã de kung fu, exímia na arte de aplicar golpes certeiros e
decisivos.
Ora, se o senhor Zhang aceitou tal acordo,
significa que ele é um masoquista, sente prazer de fundo sexual na dor física
ou psíquica, ou em ambas ao mesmo tempo. A palavra masoquismo, proposta pelo médico e psiquiatra alemão Krafft-Ebing
(1840-1903), deriva do nome de um romancista austríaco, Leopold Sacher-Masoch,
vítima dessa anomalia. Krafft-Ebing apresenta três tipos de masoquismo no seu
livro mais famoso, Psychopathia sexualis,
publicado em 1886: masoquismo ideal, masoquismo simbólico, masoquismo
fetichista.
Zhang é masoquista e a sua esposa é sadista.
Fiel discípula de Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade (1740-1814),
ela gosta de moldar a cara de Zhang com porradas, como uma escultora que amassa
dócil argila.
Interessante, os substantivos masoquismo e sadismo se originaram dos nomes de dois romancistas: o austríaco
Masoch e o francês Sade. O primeiro tinha a imperiosa necessidade de sofrer, de
maltratar a sua carne, de se humilhar, e o segundo de torturar, de infligir
dor, agudos padecimentos aos seres humanos.
Não sou puritano nem moralista. Todavia o
masoquismo e o sadismo me fornecem a impressão de que certos homens e certas
mulheres se tornaram uma doença da natureza. Hoje, quando os vejo, me parece
que a civilização é também sinônimo de loucura. E cito a propósito esta frase
do filósofo americano Amos Bronson Alcott (1799-1888), colocada na obra Table Talk:
“Civilisation degrades the many to exalt the
few”
(“A civilização degrada a muitos para elevar
alguns poucos”).
Já vi, inúmeras vezes, mulher batendo em homem
e homem batendo em mulher, com mútuo consentimento. Nessas ocasiões sempre me
vem à cabeça este velho provérbio:
“Deus os fez e o diabo os ajuntou”.
Eu conheci um fulano que quase todos os dias
apanhava da sua mulher. Vivia com a cara cheia de hematomas, o nariz muito
vermelho, os olhos circundados por manchas pretas, consequência dos murros, dos
tabefes aplicados. Chegou a me confessar:
- A minha mulher me bate porque eu mereço.
Perguntei, espantado:
- Você merece apanhar?
- Mereço, pois chego tarde em casa, não limpo a
cozinha e tenho preguiça de ir à feira.
- E a sua mulher, como reage?
- Ela me dá bofetões, eu mereço.
Descobri que esse saco de pancadas passou a
ficar com jeito de mulher na voz, no modo de agir. Enquanto ele perdia a
masculinidade, a sua esposa – eu verifiquei – ia ganhando uns ares enérgicos de
machona. Houve uma inversão, a fulana parecia um homem sádico e ele uma mulher
masoquista...
Outro dia presenciei uma cena que me
impressionou. Achava-me em frente da banca de jornais de um amigo chamado Luís.
De súbito, perto da banca, vi uma mulher magrinha, de uns trinta anos, receber
o bofetão de um homem encorpado, com fisionomia de criminoso nato. A mulher
caiu, porém logo se levantou e quis beijar o agressor:
- Querido, deixa eu te dar um beijo, não fique
zangado!
O brutamontes a repeliu e sapecou-lhe um novo
bofetão. Ela voltou a cair, mas ergueu-se pela segunda vez. Depois tentou
beijá-lo:
- Te amo, te adoro, você é o meu homem, a minha
vida!
Mais um bofetão, o terceiro. A mulher desabou.
Conseguiu levantar-se, e com o rosto em brasa, da cor de uma salada de tomates,
o nariz fino e a boca murcha a sangrar, procurava beijar o monstro:
- Quero te dar mil beijos, meu querido, minha
paixão!
Ele rosnou:
- Eu vi tudo, sua sem-vergonha!
A mulher gemia, soluçava:
- Sou tua, meu amor! Sou tua!
Quarto bofetão. Ela caiu e logo se levantou:
- Você me bate porque me ama! Bate, bate, faz
de mim o que quiser!
Quinto bofetão, que a derruba. A mulher fica de
pé, outra vez. Beija e abraça o tarado. Aliás, os dois são tarados. Ele aceita
os beijos. Em seguida foram embora juntinhos, agarradinhos, abraçados como um
casal plenamente feliz.
Voltei-me para o Luís, o dono da banca de
jornais, e que para minha surpresa nem se importou com aquilo:
- Luís, você se manteve tranquilo!
O meu amigo explicou:
- Doutor Fernando, aqui todo o dia é a mesma
coisa, todo o dia ele dá bofetões nela e no fim saem abraçados...
Muitos homens e mulheres gostam de apanhar para
castigar a si próprios. Autopunição. E muitos agressores, a fim de não
agredirem a si mesmos, espancam as pessoas. Trata-se de outra forma de
autopunição.
Descrevi episódios vistos por mim, mas a
verdade deve ser mostrada: a mulher é mais vítima das agressões masculinas do
que o homem é das agressões femininas. O homem é quase sempre o mais violento,
o mais covarde. Comparativamente, são poucos os homens agredidos por mulheres.
Viva pois a Lei 11.340, a chamada Lei Maria da Penha, protetora das mulheres
vitimadas pela selvageria masculina. A constitucionalidade dessa excelente lei
está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal pelos machistas
empedernidos, desejosos de substituí-la por um projeto de lei que reforma o
Código de Processo Penal. Em suma, querem liquidar a Lei Maria da Penha.
Mulheres do Brasil, não aceitem isto, reajam,
defendam esta lei justa, correta e necessária!
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