domingo, 15 de dezembro de 2013

Os livros dos três Emediatos


Um acontecimento literário singular ocorreu na Saraiva Megastore do Shopping Pátio Higienópolis, da cidade de São Paulo: três escritores, ao mesmo tempo, autografaram os seus livros. E daí, indagará o leitor desta coluna muito lida numa grande rede de jornais, e daí, aonde está a singularidade do fato? O acontecimento literário singular é este: um pai, Luiz Fernando Emediato, a sua filha, Fernanda Emediato, e o filho de Luiz, o garoto Antonio Alselmo Emediato, nascido em 2005, e portanto de apenas oito anos, autografaram os belos livros escritos por eles. Nunca houve um fato dessa natureza em nossa vida literária.

Darcy Ribeiro, pouco antes de falecer, soltou a seguinte frase:

“O Brasil ficou grandão, fortão, jogador de futebol e imbecil.”

Pura verdade. Se essa imbecilidade não atingisse também a mídia, dezenas de jornais, revistas, emissoras de televisão do nosso caótico país, o singular acontecimento teria sido divulgado em ampla escala, porque além de ser um fato inédito, os três autores possuem admirável talento literário.

Luiz Fernando Emediato autografou a segunda edição, revista e aumentada, do seu Não passarás o Jordão, mescla de romance e livro de memórias. É obra indispensável para quem deseja compreender, de forma abrangente, os absurdos, as violências, as torturas, os atos de arbítrio, a repressão doida, alucinada, da época da ditadura militar brasileira, imposta depois do Golpe de 1964. Ditadura da qual me tornei vítima, pois fui processado quatro vezes como “escritor e jornalista subversivo”, apesar de ser um democrata, um fogoso paladino da justiça, da liberdade, dos direitos humanos.

Não passarás o Jordão magnetiza o leitor da primeira até a última página. O estilo claro e límpido dessa obra, trouxe à minha memória esta frase de Monteiro Lobato sobre o escritor Camilo Castelo Branco, inserida numa carta enviada a Godofredo Rangel, conforme podemos ver no livro A barca de Gleyre, publicado em 1944 pela Companhia Editora Nacional:

“Camilo escrevia com a mesma naturalidade com que um homem de boa saúde mija.”

A naturalidade envolvente do livro de Luiz vai transformar-se num filme. E esse filme, acredito, alcançará sucesso em 2014, cinquenta anos depois do Golpe de 1964.

O livro de Fernanda Emediato se intitula A menina perdida. É a história de uma garota chamada Micaela Maria. Outros personagens dessa narrativa singela, bem escrita, reveladora de fértil imaginação: José Maria e Maria José, pais de Micaela, a princesa Charlotte XI, o rei George e a rainha Margot, a bruxa Mauzeb.

A história de Fernanda Emediato é da lavra de uma alma delicada, extremamente sensível. Pensei, ao terminar de lê-la: a filha do Luiz deve ter uma sensibilidade à flor da pele, é capaz de chorar nos momentos de melancolia. O seu livro A menina perdida se acha repleto de alma, de emoção. Impressionou-me, além disso, o destino da bruxa Mauzeb, pois Fernanda humanizou-a no fim da história, tirou-lhe a maldade...

Surpreende a inteligência, o talento literário do menino Antonio Anselmo Emediato, autor do livro Minha família. Fiquei emocionado com a sua bondade, com a sua pureza, com o seu profundo amor às suas duas famílias. Neste mundo cheio de almas torvas, sem luz, me comove contemplar a ternura de Antonio, a sua inocência, e peço ao Criador que o proteja sempre, que o defenda do ódio, da inveja e das armadilhas dos perversos. Lendo o seu livro, lembrei-me que Victor Hugo disse que quando a criança olha para nós, Deus nos sonda (“quand l’enfant nous regarde, on sent Dieu nous sonder”) e também deste verso do poeta inglês Swinburne (1837-1909), no poema “A song of welcome”:

“Onde não há crianças, não existe o céu.”

(“Where children are not, heaven is not”).

Após ler os três livros dos três Emediatos – o da Fernanda e o do Antonio com lindas ilustrações de Mance – cheguei a esta firme conclusão: o talento literário, algumas vezes, é hereditário.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Liza Minelli quis suicidar-se, por causa do Edu Lobo


Liza Minelli
Fui amigo íntimo de Ênio Silveira, diretor da editora Civilização Brasileira, e troquei com ele dezenas de cartas, que o escritor Gabriel Kwak, secretário geral da UBE, pretende divulgar num livro. Aliás, devido a esse relacionamento, tive de depor na Polícia Federal, pois o meu querido amigo, na época do regime militar, era secretário do Partido Comunista. Um delegado alto, forte, corpudo, perguntou a mim:

-O senhor sabia que Ênio Silveira é comunista?

Respondi:

-Sabia.

-E sobre o que conversavam?

-Conversávamos sempre, antes do Golpe de 1964, sobre livros, literatura, arte, Castro Alves, Raul Pompéia, Machado de Assis, Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre, etc, etc. E não pertenço a nenhum partido, mas sou um democrata, um amante da liberdade, um defensor do direito de cada cidadão pensar como quiser, desde que se oponha a regimes de natureza nazi-fascista.

De cara brava, o homenzarrão afirmou:

-Fica bem claro, o senhor é um inocente útil, fecha os olhos diante das ações subversivas dos marxistas-leninistas.

Amigo do Ênio, um funcionário da Polícia Federal descreveu para ele como foi o interrogatório a que fui submetido. Rindo, o Ênio comentou:

-Meu caro “inocente útil”, se a coisa continuar assim, logo até o Carlos Lacerda vai ter que depor...

Eu indaguei:

-Você foi amigo do Carlos?

-Fui, mas nos separamos. O seu direitismo não combinava com o meu esquerdismo. Entretanto, depois de cair em desgraça junto dos milicos golpistas, que apoiara, um dia ele telefonou para mim e disse: Ênio, quero reatar a nossa amizade, sinto saudades das nossas conversas, você aceita? Condescendi, passamos novamente a nos encontrar.

Esta minha conversa com o Ênio ocorreu na sede de sua editora, uma casa velha da rua Muniz Barreto, número 715/721, do bairro carioca de Botafogo. O meu amigo tirou de uma gaveta um retrato em bom tamanho do Carlos Lacerda, no qual vi carinhosa dedicatória. Informou-me:

-Penso que ele me deu esta foto por gratidão.

-Como assim?

-Ajudei-o a sair de uma enrascada. Combinamos um almoço num restaurante do Leblon. Eu cheguei primeiro e quando o Carlos apareceu, veio na minha direção com passo incerto, vacilante, sinuoso. A distância era de uns vinte metros, porém notei, pelo seu andar e pela sua fisionomia, que estava alcoolizado. No meio da sala do restaurante havia uma grande e arredondada mesa de frios, de saladas. Pois bem, o Carlos se achava tão bêbado que desabou em cima dela, derrubando os pratos, os talheres, as verduras, as beterrabas, os pepinos, os tomates, os ovos cozidos. Parecia o estouro de um raio.

-E o que você fez?

-Levantei-me depressa, e aturdido, com a ajuda de vários garçons, procurei erguê-lo, mas foi difícil. O seu corpo pesava como alto monte de chumbo. E Fernando, que luta para o pôr de pé e o enfiar no automóvel! Travei em seguida outra peleja, a fim de impedir a divulgação desse desmoronamento nos jornais, nas revistas, nas emissoras de rádio e de televisão. Agora você pode compreender porque ele me enviou o seu retrato com a dedicatória carinhosa...

Contemplando meu olhar surpreso, o Ênio prosseguiu:

-Além do Carlos Lacerda, outra pessoa bêbada me deixou atrapalhado.

-Quem?

-A Liza Minelli.

Respondi, sacando o meu caderninho do bolso, com o objetivo de registrar as suas palavras:

-Explique-me como isto aconteceu.

Tranquilo, o Ênio Silveira começou a narrar:

-Após chegar aqui, no Rio de Janeiro, a Liza Minelli gostava de conversar comigo. Eu a convidei para escrever as suas memórias, a fim de serem lançadas simultaneamente pela minha editora e por uma editora americana. Achou interessante a proposta, mas logo desistiu de apoiar o projeto, pois se apaixonou pelo compositor Edu Lobo. Ele se tornou a sua ideia fixa, não quis saber de mais nada. Liza o chamava de wolf in sheepis skin (“lobo com pele de ovelha”).

-Paixão voraz, Ênio?

-Paixão lelé da cuca, Fernando, paixão de doida internada num manicômio. Essa americana gemia, soluçava de paixão. Desejando acalmá-la, apagar as labaredas daquele fogo vulcânico da estrela do filme Cabaré, de 1972, levei-a até a cidade litorânea de Cabo Frio, onde eu veraneava numa casa em cima de um penhasco. E disse a Liza: o Edu Lobo é casado com uma bela moça, chamada Wanda Sá, e a ama muito.

-A sua reação?

-Soltou, ou melhor, rosnou estas palavras, i don’t care a hang (“pouco me importa”). E garantiu, the course of true love never did run smooth (“o caminho do amor verdadeiro nunca foi fácil”).

-Ouvindo isto, você ainda tentou apagar o incêndio talvez vaginal do corpo histérico da Liza Minelli?

-Tentei. No afã de distraí-la, de desviar o seu maníaco pensamento da figurinha esquelética do Edu Lobo, fui com ela aos locais turísticos de Cabo Frio, às salinas, à lagoa de Araruama, ao forte de São Mateus, à ponte Feliciano Sodré, à igreja de Santa Maria dos Anjos, etc, etc. e não adiantou nada, a gringa só falava do Edu Lobo, volta e meia dizia, love at first sight (“foi amor à primeira vista”). Mas eu não parei de insistir, Liza, o Edu é casado, adora a sua esposa, e a americana replicava, all’s fair in love and war (“no amor e na guerra, tudo vale”).

-Puxa, que paixão, Ênio! Essa mulher sofria de um teimoso desarranjo mental, em vez de ser vítima de um passageiro desarranjo intestinal!

-É, Fernando, o seu cérebro ficou avariado. Uma noite, lá na casa do penhasco, após comer bastante feijão preto no almoço, ela me pediu para lhe dar bebida (give me to drink, some drink). E exigiu uma “bebida intoxicante” (an intoxicating drink). Peguei a garrafa do uísque Black and White e enchi com ele a metade de um copo. Liza protestou, queria “beber como um tubarão” (to drink like a shark), de um só trago (to drink off in one gulp). Esvaziou a garrafa em menos de uma hora e agarrando outra, do uísque Old Smuggler, não cessou de o entornar na garganta roxa, de veias intumescidas.

Ênio Silveira fez uma pausa e não tardou a continuar:

-Meu leal amigo Fernando Jorge, agora vem a parte mais dramática. A Liza Minelli pulou da cadeira e disse, com voz rouca, que “morria de tristeza”, que “todas as suas esperanças se desfizeram” (die of broken heart, all our hopes fell to the ground). Sonhava em “ter apenas uma palavra” do Edu Lobo, (a word with you). E jurou estar “a morrer de amor” (to die of love), porém disposta “a encarar a morte de maneira firme” (to look death stead fastly in the face). Aproximou-se da porta de entrada da casa e tonta, assumindo um ar trágico, bêbada como uma cachaceira, implorou a presença da morte para a “libertar da sua vida desgraçada” (a death, come and put an end to my wretched existence).

-Meu Deus! E ai, Ênio?

-Aí, Fernando, ela abriu a porta de entrada da casa e citou este provérbio americano: one pair of heels is often worth two pairs of hands (“um par de calcanhares, às vezes, vale por dois pares de mãos”). Provérbio que corresponde à nossa expressão “pernas pra que te quero?” Nervoso, agitado, compreendi imediatamente, Liza ia suicidar-se, jogando o corpo nos rochedos. Lembrei-me, num átimo, do suicídio em 1969 de sua mãe, Judy Garland, encontrada morta no banheiro do seu apartamento londrino, depois de ter ingerido uma cavalar quantidade de vodca e de pílulas para dormir. Ligeiro, segurei a Liza Minelli pela cintura, impedindo-a de se atirar no penhasco. Embora bem pesada, entupida de álcool, consegui arrastar o seu corpo e colocá-la numa cama, onde se afundou, roncou e peidou, durante quase um dia inteiro.

E o Ênio Silveira concluiu:

-Repito, Fernando, o Carlos Lacerda e a Liza Minelli foram as duas pessoas no pileque que mais me deixaram atrapalhado...

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor de Drummond e o elefante Geraldão, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século e cuja primeira edição já está quase esgotada.

 

sábado, 14 de setembro de 2013

JÂNIO QUADROS COMIA MARMITA?


Sou um fiel leitor de dicionários e enciclopédias. Tenho na minha eclética biblioteca, de 30 mil volumes, cerca de 4 mil dicionários e enciclopédias sobre todos os assuntos. Estou lendo os verbetes da “Nova Enciclopédia Ilustrada Ana Maria”, lançada pela Editora Abril. Trata-se de uma obra bem impressa e de leitura agradável. Aliás, a Editora Abril merece toda a nossa admiração, pois ela sempre contribuiu para aumen­tar a cultura do povo brasileiro. Infelizmente essa “Nova Enciclopédia Ilustrada Ana Maria” contém vários erros. Passarei a mostrar alguns, com a esperança de que a Editora Abril os corrija, antes de publicar a segunda edição dessa obra.

Na página 17 do primeiro volume, no verbete sobre a Academia Brasileira de Letras, o tímido Machado de Assis aparece como o fundador dessa instituição. Garanto, não é verdade. Quem fundou a ABL, em 1897, foi o jornalista Lúcio de Mendonça. Provei tal fato no meu livro "A Academia do fardão e da confusão - A Academia Brasileira de Letras e os seus 'imortais' mortais”, um lançamento da Geração Editorial. Machado de Assis tornou-se, isto sim, o primeiro presidente da ABL.

Folheando a enciclopédia ao acaso, encontrei, na página 55 do volume quarto, a seguinte informação: o livro "O Mandarim”, de Eça de Queiroz, é um romance. Não está certo, é uma novela. Eça escreveu-a em 1880 para o "Diário de Portugal” e a sua tradução em francês surgiu em 1884, na “Revue Universelle Internationale”, de Paris.

Num verbete sobre a imperatriz Leopoldina, esposa do nosso D. Pedro I, na página 63 do sétimo volume, há uma informação errada. O verbete assegura: em 1823 a imperatriz começou "a perder a popularidade e o prestígio para a amante do marido, a Marquesa de Santos” Desminto, nunca a virtuosa Leopoldina perdeu a popularidade e o prestígio. Pelo contrário, ela ficou ainda mais popular e querida em 1823, porque o povo se solidarizou com a imperatriz, compreendeu o seu infortúnio.

Também há um erro sobre Monteiro Lobato, na página 83 do sétimo volume. O livro “Urupês”, de Lobato, não é uma coletânea de contos só a respeito do Jeca Tatu, pois este personagem não aparece na maioria desses contos.

Outro erro, agora na página 24 do oitavo volume: não foi a Marquesa de Santos que rompeu em 1829 a sua ligação com D. Pedro I e sim ele, desejoso de se casar, após a morte de Leopoldina, com a princesa Amélia de Leuchtenberg. Alberto Rangel provou isto no seu clássico livro “Dom Pedro Primeiro e a Marquesa de Santos”, publicado em 1916.

Mais um erro, e no verbete sobre Mário Quintana, da página 56 do décimo volume: “A rua dos cata-ventos”, livro desse poeta, não é composto de poemas e sim de sonetos.

Ainda no décimo volume, o verbete sobre Júlio Ribeiro, da página 103, informa que este escritor reuniu no livro “Uma polêmica célebre”, em 1935, uma série de artigos contra um padre português. Indago: como o Júlio Ribeiro, falecido em 1º de novembro de 1890, conseguiu realizar essa proeza no ano de 1935? Ele ressuscitou?

Aconselho os responsáveis pela “Nova Enciclopédia Ilustrada Ana Maria”, da Editora Abril, a tomarem mais cuidado na elaboração dos textos, pois no verbete sobre Jânio Quadros, da página 49 do décimo volume, podemos ler estas palavras:

“...nas campanhas eleitorais costumava comer marmita...”

Comer marmita? Juro, eu não sabia que o Jânio devorava panelas de metal! Os dentes dele eram de aço?

 

Quem autorizou o senhor a morrer?


Os 26 mil habitantes de Biritiba-Mirim, na Grande São Paulo, foram proibidos de morrer, pois o prefeito Roberto Pereira da Sil­va, do PSDB, conhecido como “Jacaré”, havia enviado à Câmara Municipal dessa cida­de um projeto de lei, a fim de propor isto. Biritiba-Mirim é dona de um só cemitério, que está superlotado, com túmulos até nos seus corredores. Jazi­gos foram ocupados por mais de duas famílias e polêmica resolução federal impedia o prefeito de mandar construir uma nova necrópole, devido a questões ambientais. Eis o começo do projeto:

“Roberto Pereira da Silva, prefeito municipal de Biritiba-Mirim, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu promulgo a seguinte lei:

            Artigo 1º - Fica proibido morrer em Biritiba-Mirim.

            Parágrafo único. Os infratores responderão pelos seus atos.

            Artigo 2º - Esta lei vigorará até a construção de um novo cemitério municipal.

            Artigo 3º - Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”.

Depois de concluir a leitura do projeto, lembrei-me de um verso da Divina Comédia de Dante Alighieri, o 46 do canto III do ln­ferno: ­

            “Questi no hanno speranza di morte”

            ("Estes não tem a esperança de morrer")

O poeta italiano, nessa passagem, mostra uma multidão desesperada, a agitar-se no vestíbulo do reino dos demônios. Apenas a morte a libertaria, trazendo-lhe a paz... Como esses condenados descritos por Dante, os biritibanos jamais poderiam ir para a cidade dos pés juntos. A lei os obrigaria a permanecer vivos. Se um deles parasse de respirar, o prefeito Roberto lhe faria esta pergunta:

            -Quem autorizou o senhor a morrer?

            Resposta do defunto:

            -Aconteceu, prefeito, eu não tenho culpa.

            -Tem sim. O senhor violou o artigo 1º da Lei Anti-Defunto.

            -Juro, doutor Jacaré, aconteceu.

            -Se o senhor esticou a canela, foi porque também desrespeitou o artigo 3º da referida lei, que determina que os munícipes, para não morrer, deverão cuidar da saúde.

            -Mas eu estava com saúde perfeita! Morri de repente.

            -E quem mandou o senhor morrer de repente?

            -Aconteceu, sei lá!

            -Olhe, as suas palavras não me convencem. Então o senhor não sabia que aqui, em Biritiba-Mirim, é proibido morrer?

-Eu sabia, doutor Jacaré, eu sabia, mas repito, aconteceu!

            -Ouça, o parágrafo único do artigo 1º da Lei Anti-Defunto especifica que os infratores responderão pelos seus atos. Portanto, eu or­deno: volte a viver. Ressuscite, vamos!

-Doutor Jacaré, como é que eu vou fazer tal coisa?

-Ressuscite, não seja teimoso!

-Juro, eu não consigo, não consigo!

-Trate de dar um jeito. Peça a ajuda do salvador do Brasil, o Lula.

-Se eu fizer isto, morrerei mais uma vez.

Aí, nesse momento, o prefeito se enfureceria, chamaria um policial e berraria:

-Prenda esse defunto estúpido! Eu lhe ofereci a chance de ressuscitar e ele não quis. Que fique na cadeia, até o dia do seu jul­gamento!

Sou uma cobra cheia de veneno!


Idoso membro da Academia Brasileira de Letras deseja enfrentar-me num duelo. Declarou isto a mim pelo telefone, mas sem explicar como se efetuará o confronto, se com espadas, ou peixeiras, ou revólveres, ou motosserras, ou metralhadoras... Contendo o riso, propus que o embate se realize em Buenos Aires, pois aqui no Brasil as nossas leis não permitem duelos sangrentos. Sugeri: eu e o meu adversário, lá na capital da Argentina, usaremos como armas dois guarda-chuvas, de cabos bem compridos. E à maneira de espadas, um guarda-chuva se baterá contra o outro. Depois, o primeiro que ficar arrebentado, estraçalhado, reduzido a tiras, será o do perdedor...

Qual o motivo desse desafio grotesco? Simples, o provecto membro da ABL se enfureceu ao ler o meu livro A Academia do fardão e da confusão, pois nele apresento a verdadeira história da Academia Brasileira de Letras, de maneira clara, segura, honesta, rigorosamente documentada. Com voz senil, infantil, fininha, fraquinha, o embolorado acadêmico soltou estes zurrinhos pelo telefone:

- Senhor Fernando Jorge, o senhor é muito, muito, muito perigoso, uma cobra cheia de veneno. Mas não tenho medo do senhor, ouviu? Quero ver se é capaz de me enfrentar num duelo, quero ver!

Eu respondi:

- Prezado e deteriorado acadêmico, garanto, sou capaz, porém estabeleço duas condições. Primeira, a luta terá de ser com guarda-chuvas, lá em Buenos Aires, no picadeiro de um circo. Segunda, o senhor se fantasiará de palhaço.

Após me xingar com sonoros palavrões, o carunchoso acadêmico desligou o telefone.

Doeu-me a barriga, de tanto gargalhar, e logo me lembrei daquela imagem do poeta francês Catulle Mendès (1843-1909), fundador do Parnasianismo:

“O riso é o ruído que produz o bater das asas da alegria” ...

(“Et le rire, c’est le bruit d’aile que fait la joie”...)

As informações do meu livro A Academia do fardão e da confusão, lançado pela Geração Editorial, continuam a irritar diversos membros da ABL. Dou um exemplo. Eles não se conformam, insultam-me, porque mostrei, nas páginas 229 e 230 dessa obra, como a Academia Brasileira de Letras mandou queimar, em 1940, um livro correto sobre ela, na lavra de Fernando Nery, diretor da sua secretaria. O referido livro, com prefácio de Afrânio Peixoto, descreve a safadeza dos membros da ABL na feitura dos verbetes do Dicionário da língua portuguesa, idealizado por Laudelino Freire e patrocinado pela casa dos “imortais” mortais. Durante dez anos, os acadêmicos incumbidos da redação do dicionário, não fizeram nada, mas recebiam à guisa de pagamento, todas as semanas, uma alta quantia. Que imoralidade!

Também evoco, no capítulo 35, o desrespeito aos restos mortais do acadêmico Elmano Cardim, cujo corpo foi expulso do seu túmulo, no mausoléu da Academia, para ceder lugar a outro corpo, o de Darcy Ribeiro. Fato que gerou na Justiça um processo contra a ABL, movido pelo filho de Cardim, o senhor Elmano Gomes Cardim Júnior. E a Academia saiu derrotada, por causa da sentença da 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da cidade do Rio de Janeiro, que a condenou, no dia 25 de fevereiro de 1999, a indenizar a família Cardim, pois os filhos do falecido não autorizaram a ABL a realizar a exumação do corpo do acadêmico.

O desvario do débil mental da Academia, quando falou comigo pelo telefone, sem dizer o seu nome, revela o insano desespero da instituição a qual ele pertence, diante dos vergonhosos fatos expostos na minha obra.

Os países ricos cobiçam a Amazônia


Sou cem por cento nacionalista, até a última gota do meu sangue. Quero que o Brasil seja integralmente nosso, e não da China, ou da Rússia, ou da Alemanha, ou dos Estados Unidos, de qualquer nação desse mundo atrapalhado. E me preocupo deveras com a Amazônia. Fiquei estarrecido quando a Funai, na década de 1990, ousou propor a demarcação de uma imensa área de terras contínuas em Roraima, a fim de beneficiar poucas centenas de índios.

Hoje, a possível entrega de tais glebas aos silvícolas, na reserva Raposa Serra do Sol daquela região, é sem dúvida uma ameaça à integridade territorial do nosso país. Um perigo bem assustador, porque a ONU acaba de aprovar, inclusive com o voto cego da pátria de Lula, a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, composta de quarenta e seis artigos. Reza o artigo quarto do documento:

“Os povos indígenas, no exercício do seu direito de livre determinação, têm direito à autonomia ou ao auto-governo...”

Coisa absurda, pois se os índios ianomâmis declararem que a sua reserva se tornou independente do Brasil, ela formará outra nação e nós seremos obrigados a reconhecê-la!

Leia, amigo leitor, o artigo nono do documento aprovado pela ONU, com o total apoio do Brasil:

“Os povos indígenas têm direito a pertencer a uma comunidade ou nação indígena.”

Nestas palavras não há a menor obscuridade. Se dezenas de índios, lá na Amazônia, proclamarem que as suas terras se separaram do Brasil e se transformaram num novo país, a ONU os apoiará e jamais poderemos impedir que este crime de lesa-pátria não aconteça.

Revoltado diante de tão monumental estupidez, eu afirmo:

A delegação do Brasil na Assembleia das Nações Unidas, ao endossar estes artigos, mostrou uma completa fraqueza mental.

Devido a essa declaração sobre os direitos dos povos indígenas, insensatamente aprovada em Nova York pelos nossos representantes, começaram a surgir novas tentativas de internacionalizar a região amazônica, sob o pretexto de defender os índios e de preservar a floresta. Dois jornais, o The Independent, de Londres, e o The New York Times, voltaram a dizer que o patrimônio da Amazônia é maior para a humanidade de que o das nações que possuem o seu território.

Há muito tempo os países ricos já se manifestaram a favor da internacionalização dessa extensa parte da América do Sul, como os Estados Unidos, pela voz de Al Gore; como a Inglaterra, pela voz de Margaret Tatcher; como a França, pela voz de Françoís Mitterrand; como a Espanha, pela voz de Felipe Gonzales; como a falecida União Soviética, pela voz de Mikhail Gorbachev.

Milhares de ONGS suspeitas estimulam, de certa forma, as reservas dos índios a se libertarem do controle do governo federal. E a demarcação de terras contínuas, junto às fronteiras com o Peru, a Colômbia e a Venezuela, só contribuirá para acelerar as futuras proclamações de independência dessas reservas. Fácil profetizar isto, embora eu não me considere um Nostradamus.

Vou citar aqui os nomes dos generais do nosso exército que sempre nos advertiram sobre esta ameaça feita à integridade do Brasil: Santa Rosa, Zenildo Lucena, Augusto Heleno, Cláudio Figueiredo, José Maria de Andrada Serpa.

Cometeu um ato impatriótico o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao assinar o decreto que homologou a reserva Raposa Serra do Sol, de terras contínuas. E agiu de modo correto o governo de Roraima, por ter solicitado, do Supremo Tribunal Federal, a revisão do nefasto decreto.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Sou um revoltado homem da “plebe fedorenta”


Fiquei rubro de indignação ao ler, num recente exemplar da revista Veja São Paulo, a reportagem sobre as pessoas que vindas do interior do estado bandeirante, chegam na capital paulista de jatinhos, helicópteros e carrões importados, para comprar roupas e objetos caríssimos. Esta gente é recebida com tapetes cor de sangue e grandes curvaturas vertebrais pelos vendedores de butiques, de lojas classudas da “rota do luxo” da metrópole.

Assinada por Ricky Hiraoka, a bem feita e bem escrita reportagem informa: a empresária Patrícia Diniz, de Campinas, em apenas uma tarde de compras, torrou 85 mil reais. Veio a São Paulo de helicóptero vermelho, da cor da minha indignação, gastando com o aluguel do aparelho, numa viagem de poucos minutos, 10 mil reais. O cabelereiro Djalma Kais, cuja careca cintila como bola de bilhar, cobrou a modesta quantia de 12 mil reais, a fim de retocar a maquiagem de Patrícia e os seus ondulados cabelos castanhos. Mulher linda, simpática, balzaquiana cheia de requintes (38 anos de idade), ela usa sapatos Armani, lenço Versace, bolsa Hermès, joias Cartier e Tiffany, marcas que eu, revoltado homem da “plebe fedorenta”, considero sinônimos de desperdício, exagero, exibicionismo, elitismo, aristocratícismo.

Eis os outros gastos da risonha Patrícia Diniz: 940 reais por um lenço preto do Louis Vuitton, um par de óculos da Chanel por 1.640 reais, uma camiseta de paetê por 2.390 reais, um casaquinho por 2.900 reais, dois coletes de pele, cada um por 9.900 reais, perfazendo a quantia de 19.800 reais.

A empresária almoçou no restaurante Parigi, do grupo Fasano, situado na rua Amauri do Itaim Bibi, refeição cujo custo foi uma pechincha, 900 reais, pagos com dezoito notas de 50 reais.

Feliz, a carregar sacolas enormes que mostravam as etiquetas do Tufi Duek, da Chanel, do Louis Vuitton, a extrovertida Patrícia, dona de perturbadoras pernas hipnóticas, regressou a Campinas no vistoso helicóptero vermelho, super entusiasmada por ter gasto, em apenas quatro ou cinco horas, a insignificância, a burundanga, a frioleira, a bagatela de 85 mil reais... Ela declarou: faz isto todas as semanas, com gasto mensal de 320 mil reais, tão – somente...

Salienta também a reportagem de Ricky Hiraoka, de modo imparcial, que o médico nutrólogo Danny César, o “Doutor Hollywood” do Balneário Camboriú de Santa Catarina, acompanhado pela sua esposa, a blogueira Michelle Jumes, após chegar ao campo de Marte em voo fretado por quase 5 mil reais, visitou a loja do Versace, no Shopping Cidade Jardim, e ali comprou um par de sapatos por 1.800 reais. Danny não se esqueceu de passar no Jassa, o cabelereiro especializado na arte de tingir de verde, ou de azul, ou de cinzento, os fios da cabeça octogenária do Silvio Santos.

Depois Danny entrou em duas lojas elegantérrimas da rua Oscar Freire, a Schutz e a Chilli Beans. Criatura inimiga de locais suspeitos, como essas churrascarias populares, de rodízio, decidiu almoçar no sofisticado restaurante Figueira Rubaiyat, da rua Haddock Lobo, no qual os puns são discretos e onde gastou a ninharia de míseros 898 reais. A colunista social Alik Kostakis, do jornal Última Hora, tinha razão: “gente fina é outra coisa”.

Quando anoiteceu, o “Doutor Hollywood do Sul”, com várias sacolas grávidas, havia gasto a chorumela de 11 mil reais. Soma reles, desprezível! Talvez o pequeno gasto o envergonhou, pois só os miseráveis fulanos da plebe, como o revoltado escritor Fernando Jorge, procuram gastar o menos possível.

Segundo Ricky Hiraoka, a senhora Daniela Mott, de São José dos Campos, encomendou oito vestidos numa loja da chamada “área nobre” de São Paulo. Preço de cada vestido: 8 mil reais. Despesa total: 64 mil reais. Provavelmente a senhora Daniela vai vender cada vestido por 16 ou 18 mil reais, como é de praxe...

Lethicia Bronstein, estilista da referida área, consegue vender vestidos de noiva por 20 mil reais. As compradoras, na maioria, não são paulistanas e sim do interior do estado.

Agora certos leitores poderão indagar:

-Fernando Jorge, por que você se enraiveceu ao tomar conhecimento desses fatos? Você é recalcado, vítima de aniquilador complexo de inferioridade? Sente inveja dos ricos? Então não sabe que cada pessoa tem pleno direito de gastar o seu dinheiro como quiser? Ignora que hoje, até na China comunista, existem milionários?

Eu respondo, de forma sincera:

-No Brasil ainda há uma sociedade bastante injusta, desigual, onde vemos indigentes dormindo nas ruas, professores com vencimentos irrisórios, aposentados sem dinheiro suficiente, jovens de famílias pobres, modestas, privados de estudar, de frequentar escolas ou universidades, milhões de patrícios na pindaíba, enfermos, mal nutridos, necessitados de rápida assistência médica, trabalhadores que recebem salários vexatórios, humilhantes, impróprios para sobreviver, pagar o aluguel, comprar roupa, calçado, alimentos, remédios, viajar em ônibus ou nos trens do metrô. Pergunto: como permanecer frio, calado, indiferente, vendo tudo isto e a grã-fina Patrícia Diniz comprar dois coletes por 19.800 reais? É impossível se conformar ao saber que ela gastou, em poucas horas, 85 mil reais na compra de panos, badulaques do Versace, do Hermès, do Armani, produtos idênticos ou até inferiores a outros, das loja comuns.

Se alguém se opõe a estas minhas palavras, discorda, replico:

-Jamais aceitarei tal orgia de gastos, pois ferindo, machucando a sensibilidade do meu coração democrático, eu enxergo no outro lado – o lado sombrio – as queixas, a angústia, o sofrimento dos apara-migalhas de uma sociedade egocêntrica, desumana, apaixonada por coisas fúteis, admiradora do seu próprio umbigo, surda às lamentações dos desgraçados, capaz de esbanjar o dinheiro e incapaz de dá-lo a um hospital, a uma creche, a uma escola, a um asilo de idosos, a um orfanato.

terça-feira, 18 de junho de 2013

QUE VELHA EXAGERADA!


            Vítima de enfarte, Guimarães Rosa faleceu em 19 de novem­bro de 1967, três dias após ter tomado posse na Academia Brasileira de Letras. Posse que ele adiava, por temer a emoção causada pela cerimônia. Eu o conheci em 1964. Nesse ano o seuGrande sertão: veredas” alcançara três edições na Alemanha. E merecidamente, pois Rosa fez, numa obra ím­par, o regional tornar-se universal.
            Durante o meu primeiro encontro com Guimarães Rosa, logo depois do golpe de 31 de março de 1964, ele confessou:
-Sabe do que eu tenho medo, Fernando Jorge? É da institucionalização de uma ditadura militar no Brasil.
Perguntei se ele conhecia as palavras lapidares de Rui Barbosa sobre o militarismo, que eu iria colocar no meu livro “Cale a boca, jornalista!” lançado pela Editora Vozes e agora na quarta edição. O au­tor de “Corpo de baile” explicou:
-Detesto os regimes de arbítrio. Fui vítima de um deles. Quando o nosso país rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha nazis­ta, em 1942, eu era cônsul em Hamburgo. Os seguidores de Hitler me internaram em Baden-Baden e tive, como companheiros de prisão, o embaixador Cyro de Freitas Vale e o pintor pernambucano Cícero Dias.
           -E o que aconteceu?
          -Senti-me muito deprimido. Mais tarde a Gestapo me liber­tou, em troca de diplomatas alemães. E voltando à vaca fria, como são as palavras de Rui Barbosa sobre o militarismo?
            Tirei do meu bolso um papel com estas afirmativas da “Águia de Haia”, que li em voz alta para o Guimarães Rosa:
           “O militar é a força obediente. O militarismo, a força dominante. O militar é o soldado servindo. O militarismo, o soldado rei­nando. O militar é a espada sob a lei. O militarismo, a lei debaixo da espada.”
            Guimarães Rosa vibrou ao ouvir o juízo de Rui:
           -Que maravilha! Imbatível verdade! É isto mesmo! Esse baiano tinha um imenso talento verbal e tais palavras são pedaços de latejante carne viva.
            Em seguida, Rosa quis saber:
           -Meu amigo, diga-me se eu, nos meus livros, exagerei no emprego de palavras novas, de neologismos.
            Respondi:
          -O senhor não exagerou tanto como a velha da ladeira.
          Ele abriu mais os seus olhos de míope, bem curiosos atrás das grossas lentes:
         -Velha da ladeira?
        -Sim, aquela velha toda vestida de preto, magrinha, feinha, de pernas e braços fininhos. Ela exagerou, o senhor não.
          Mal acabei de dizer isto, ergui-me do sofá e me pus a recitar:
 
"Uma velha muito velha
Foi mijar numa ladeira,
Encheu rios e riachos,
Inundou uma ribeira!
Três engenhos pararam,
Um frade se afogou,
E o diabo desta velha
Ainda diz que não mijou!”
          A gargalhada rabelaisiana do Guimarães Rosa, depois de ouvir estes versos populares, continua a ressoar nos meus ouvidos...

domingo, 12 de maio de 2013

OS RATOS NO PORÃO DE UM NAVIO


No seu livro Porque me ufano do meu país, publicado em 1901, o Conde Afonso Celso declarou que uma das características do brasileiro era a honradez no desempenho das funções públicas ou particulares”. E depois garantiu:
“Os homens de Estado costumam deixar o poder mais pobres do que nele entram... Casos de venalidade enumeram-se raríssimos, geralmente profligados. A República apoderou-se de surpresa dos arquivos do Império: nada encontrou que o pudesse desabonar... Quase todos os homens políticos brasileiros legam a miséria às suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício público?”
Afonso Celso escreveu estas palavras no início do século XX, há mais de cem anos. Imaginem quantos políticos desonestos, safados, ladrões, teríamos de citar, se a pergunta do conde fosse aplicada aos dias atuais. Lendo o trecho acima reproduzido, somos obrigados a exclamar:
-Meu Deus do Céu, como o Brasil retrocedeu, como mudou para pior!
O assalto aos cofres públicos é o progresso, dirá alguém, é a consequência fatal do crescimento da nação. Todavia, se o raciocínio é este, vamos indagar, como se estivéssemos recitando uma ladainha:
Foi o progresso do Brasil que fez o Tribunal de Contas da União mostrar que no primeiro semestre de 1991 os órgãos das administrações, o Poder Judiciário e os ministérios da Educação e da Infra-estrutura praticaram 1.031 irregularidades?
Foi o progresso do Brasil que fez a Polícia Federal de Alagoas reunir documentos, em junho de 1992, com os quais foi possível provar que a primeira-dama Rosane Collor deu presentes aos seus pais, amigos e primos, valendo-se de verbas da Legião Brasileira de Assistência?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde contratar sem licitação, durante o governo Collor, a Masters Consultores Associados, por 18 bilhões de cruzeiros?
Foi o progresso do Brasil que fez o Ministério da Saúde adquirir na gestão de Alceni Guerra, com preços acima do mercado, 22 mil guarda-chuvas, 23 mil bicicletas, 60 mil filtros de água, 250 mil caixas de hidratação e 8 mil e 400 toneladas de feijão quase podre?
Foi o progresso do Brasil – e eu paro aqui, senão esta coisa não tem fim – foi o progresso do Brasil que fez o ministro Jarbas Passarinho declarar, em 23 de março de 1992, que “não dá para impedir que ministro roube”? (Consultar a edição desse dia do jornal O Estado de S.Paulo).
E a solução? Qual é a solução? Há pouco tempo tive um sonho: eu vi, no decorrer desse sonho, todos os canalhas que lesam os nossos cofres públicos no porão de um navio, com o aspecto de ratos. Quando este navio se achava num alto mar cheio de tubarões, ele afundou. Aí as feras começaram a devorar os canalhas. Tubarões comendo ratos gorduchos, para o bem do povo e a felicidade geral da nação... Que maravilha! Depois acordei. Oh, tristeza, era apenas um sonho!

BRASIL, O PAÍS DAS BUNDAS


O repórter Guilherme Samora, da revista Marie Claire, entrevistando a cantora Rita Lee Jones, disse que ela, em 1997, num clipe da música “Obrigado não”, causou polêmica ao fazer dois homens se beijarem, vestidos de militares. Comentário da cantora, depois de ouvir isto:
“Aconteceu a mesma coisa no fim do ano passado, quando mostrei a bunda num show em Brasília. Me crucificaram, mas mostrar a bunda é tão rock’n roll, tão antigo, tão normal. Palhaço mostra a bunda no circo. Estamos no país do carnaval, no país da bunda. Qual é o problema?”
Todavia, antes da Rita Lee apresentar o seu glúteo, o encenador Gerald Thomas, um dos mais controvertidos do moderno teatro brasileiro, arriou as calças no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com o objetivo de exibir a sua pálida, romântica bunda, sob as vaias da plateia. Gerald procedeu dessa maneira para se vingar dos “espectadores obtusos”, incapazes de compreendê-lo. Daí se conclui: a bunda é também arma de protesto.
Durante muitos anos não era de bom tom, ação decente, pronunciar em voz alta o substantivo feminino bunda, originário da palavra africana mbunda. E nem os seus aumentativos bundaça e bundão. Nem o adjetivo bundudo, aplicável à pessoa dotada de nádegas desenvolvidas, como as da Vênus Calipígia, célebre estátua do Museu de Nápoles. O motivo disso: as quatro são palavras fortes, sonoras, estrondosas, e feriam os ouvidos puritanos dos moralistas farisaicos.
Mas é um fato indiscutível, a bunda da mulher brasileira adquiriu fama internacional. Afirmou Paul Walker, ator do filme Velozes e furiosos:
“As brasileiras possuem bundas incríveis”.
E a atriz americana Megan Fox, considerada uma das mulheres mais sensuais do mundo, confessou ao ver os desfiles das escolas de samba, no carnaval carioca:
“Quem me dera ter o bumbum igual ao da brasileira!”
Tudo indica, a bunda das nacionais revela esta acentuada característica: tendência para crescer. Os fãs da atriz Cláudia Raia, por exemplo, perguntam a si mesmos:
-Onde a bunda dela vai parar?
E acrescentam:
-O bumbum da Cláudia, na telenovela Salve Jorge, ficou bem maior do que estava na telenovela A favorita.
Se é assim, eu indago:
-De qual tamanho ficará a bunda de tanajura da Cláudia Arraia, na sua próxima telenovela?
A nossa patrícia Valesca Popozuda, dona de traseiro incomensurável, explicou a razão do seu sucesso esmagador:
“Minha bunda é tão sexy, tão atraente, que me fez ir para a Europa.”
Ao expor a sua monumental carnosidade no país do femeeiro Berlusconi, ela se expandiu:
“Estou com a minha bunda vitoriosa e bizarra aqui na Itália.”
Precavida, a funkeira Valesca Popozuda colocou o seu bumbum no seguro, por cinco milhões de reais. Inspirado na sua magnífica região glútea, o meu amigo Paulo Régis, doutor em Bundologia, compôs os seguintes versos:

“É uma bunda
que treme,
que anseia,
que suspira,
bunda de raça,
que rodopia.
Oh, eu juro,
nunca havia visto
bunda assim
tão cheia de graça,
tão cheia de magia!”

As nádegas mais carnudas do Brasil pertencem, no entanto, à dançarina Andressa Soares, a Mulher Melancia. Ela, com as suas próteses de silicone nessas nádegas oblongas, agigantadas, foi vítima de um incidente. Submetida a uma cirurgia, os médicos encaixaram o silicone nos devidos lugares da superabundante bunda de Andressa. Louca de alegria, frenética, a Mulher Melancia voltou aos palcos. E rebolou tanto, no decorrer de um show, empinou tanto a soberba, a esplendorosa bunda, que um fulano em delírio não se conteve, agarrou ferozmente, alucinadamente, aquele traseiro incomparável, arrebentando os pontos da cirurgia. Resultado, a bundaça encolheu, à semelhança de um balão que se esvazia, porém a dançarina se recuperou:
“Fui logo ao médico e ainda bem que não tive de sofrer outra cirurgia. O doutor me deixou em forma. Retornarei aos meus shows.”
A mulher Melancia pode se considerar sortuda, pois se fosse agarrada pelo bundomaniaco americano Johnny Guillen, seria mil vezes pior. Esse psicopata, munido de canivete, arrancou pedaços das nádegas de treze mulheres, num shopping de Fairfax, nos Estados Unidos, quando as vítimas se encontravam distraídas. Era procurado há oito anos pela polícia do estado da Virginia. Refugiou-se em Lima, capital do Peru, e ali o prenderam.
Talvez devido à alimentação, as brasileiras ostentam bundas mais avantajadas do que as das americanas. Milhares de filhas do Tio Sam desejam dilatar as nádegas. A imprensa noticiou que uma jovem de vinte e três anos, de Detroit, chamada Karmella, recebeu cinquenta e quatro injeções de silicone, para ver o crescimento da sua bunda. Injeções aplicadas por uma aventureira, sem licença médica. Um facultativo, após examinar o rabioste artificial da americana, garantiu que o silicone excessivo, depositado nele, tornara-se esponjoso, ameaçando a vida da jovem. A próxima aplicação é capaz de matá-la, advertiu. Contudo, apesar disso, ela quer receber mais trinta e oito aplicações nas suas nádegas insatisfeitas,
Viva portanto o Brasil, o “país da bunda”, segundo a expressão de Rita Lee, terra na qual a loura Carine Felizardo, Miss Bumbum 2012, não precisou de injeções de silicone no seu belo, suculento e alvo traseiro, para o encantamento de milhões de bundófilos.
Quem devia morar aqui, em nossa pátria, é a americana Jacqueline Stalone, de Los Angeles. Inventora da “técnica rumpológica”, ela consegue prever, ao olhar as fotos das bundas grandes de mulheres, o futuro que as aguarda. Ora, nos Estados Unidos há carência de volumosos traseiros femininos e por conseguinte a senhora Jacqueline não tem, lá na Califórnia, muita chance de examinar os bumbuns nédios, bem arredondados. Instale-se pois em Salvador, na Bahia, ou no bairro de Copacabana, da cidade do Rio de Janeiro, a fim de contemplar as rotundas nádegas das baianas e das cariocas. Seguindo o meu conselho, a senhora Stalone logo verá o interminável desfile de milhares e milhares de gorduchonas bundas trêfegas, lúbricas, risonhas, cantantes, palpitantes, assanhadas, gulosas, maravilhosas...