Em 1974, durante um dos meus vários
encontros com Juscelino Kubitschek no Banco Denasa (ele queria que eu
escrevesse a sua biografia), perguntei ao ex-presidente:
-O
senhor ficou órfão com qual idade?
Ele
respondeu:
-Com
apenas três anos. Meu pai, João César de Oliveira, era caixeiro-viajante e
morreu no início de 1905, vítima da tuberculose, sem completar os 34 anos.
Lembro-me até hoje do seu enterro, do momento em que minha irmã Naná, de quatro
anos, me chamou: "Vem cá, Nonô, vem ver o enterro bonito do papai”. O
féretro ia em direção à igreja de São Francisco, de Diamantina, e eu e Naná, da
sacada de nossa casa, dizíamos chorando: “Que enterro bonito o do papai, que
enterro bonito!”
Juscelino
emocionou-se ao narrar isto. Uma discreta lágrima desceu pelo seu rosto. Depois
prosseguiu:
-Minha
mãe se chamava Júlia. Bem pobre, quase na miséria, viúva, percorria todos os
dias, como professora, nove quilômetros, a fim de dar aulas. Antes do galo
cantar, ela estava de pé. Tinha o costume de prometer, quando saía: "Hei
de criar vocês dois, custe o que custar".
Os
olhos de Juscelino brilhavam e pareciam ver o passado. Indaguei:
-A
sua mãe só teve dois filhos?
-Não,
teve três, eu, a Maria da Conceição, apelidada de Naná, e a Eufrosina, que só
viveu poucos meses.
-E
o seu pai, o senhor conserva dele alguma lembrança?
-Mal
o conheci, porém minha mãe contou, após a sua morte, que o esposo, pressentindo
a aproximação do fim, lhe dirigiu estas palavras, com a voz quase inaudível:
“Júlia, eu tenho duas calças boas, uma velha e uma nova. Peço a você que me
vista a mais nova, pois pretendo me apresentar de maneira elegante no outro
mundo”.
JK
permaneceu em silêncio alguns segundos e acrescentou:
-Anos
e anos, inúmeras vezes, vi a minha mãe abrir uma gaveta para beijar, lacrimosa,
a calça velha do meu pai.
Eu
quis saber:
-A
pobreza do seu lar, nessa época, era muito grande?
-Era
enorme - disse Juscelino - e de tal envergadura que os móveis da nossa casa
foram feitos de caixotes de sabão, por minha mãe e a minha irmã Naná. No meu
quarto estreito só cabia a cama e a mesa minúscula, também feita de caixote. E
acredite, eu andava descalço pela rua da Quitanda, pelo Largo da Luz, pela
praça Lobo de Mesquita, por todas as vias públicas de Diamantina. Uma vez, ao
entrar na Igreja de Nossa Senhora das Mercês, de fachada simples, mas com
ricos entalhes de madeira na capela-mor, o padre dessa igreja me perguntou:
“Menino, por que você está descalço? Eu expliquei: “E porque o meu par de
sapatos ficou tão velho, tão estragado, que eu quero não usar muito, para não
gastar ainda mais a sola”.
Sorrindo,
Juscelino Kubitschek acrescentou:
-Mas
sempre, ao devorar o meu prato predileto - o Chico Angu - frango com quiabo e
angu de fubá, eu esquecia logo a minha pobreza e até me sentia rico...
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