sábado, 21 de março de 2020

EU O RESPEITO E O ADMIRO


Admiro o espírito democrático de Otávio Frias Filho. Eu o critiquei por causa de um artigo de sua autoria sobre a Academia Brasileira de Letras, intitulado “Imortais", e enviei-lhe uma cópia do meu texto. Otávio permitiu que o texto fosse publicado na edição de 8 de abril de 2000 da “Folha de São Paulo”. E na edição de 22 de abril de 2005 desse jornal, apareceu outra crítica de minha lavra ao Otávio. Reproduzo o início da catili­nária, publicada na seção "Painel do Leitor":
"Creio que Otávio Frias Filho, diretor editorial da ‘Folha’, deveria ser mais enérgico, pois o caderno Mais! está se tornando muito pesado, tedioso, americanófilo. Quem o lê, logo boceja.”
Após afirmar isto, prossegui:
"Na sua edição de 1/4, por exemplo, quase tudo é dos Estados Unidos. Na página 2, notícia sobre um DVD duplo lançado no país do Bush. Na página 3, texto sobre um livro do Donald Davidson, publicado nos EUA. Nas páginas 4,5 e 6, uma entrevista palavrosa e chatíssima concedida pela escritora americana Camille Paglia (cuja foto, aliás, ocupa toda a primeira página do Mais!) Ainda na página 6, um poema anêmico, em inglês, do americano Fredric Jameson. Na página 9, em outro artigo, uma citação do ‘New York Times Magazine’. E, além disso, por que dar tanto espaço a uma escritora americana? Espaço que a ‘Folha’ nunca deu a uma escritora brasileira. "
Em resumo, a “Folha de S. Paulo” sempre publicou todas as minhas críticas, sem as capar, sem as desvirilizar, sem as transfor­mar em eunucos do harém do sultão Harum AI Rachid. Há poucas semanas, entretanto, numa única edição desse jornal, dois petulantes erros gramaticais me impressionaram. Cumprindo o meu dever de zeloso inspetor escolar da Língua Portuguesa, sedutora matrona amada por mim (amor não cor­respondido, segundo o boquirroto Diogo Mainardi), eu enviei esta crítica à seção "Painel do leitor":
“Mas o que está acontecendo com a bela ‘Folha de S. Paulo’? Ela quer ficar feia? Agora não sabe mais empregar os verbos pronominais da língua portuguesa? Logo na primeira página da edição de 7/5 encontrei esta frase: ...a Prefeitura de São Paulo começou a digitalização de 8.000 imagens que corriam risco de estragar’. Eu pergunto: estragar o quê? Como estragar é um verbo pronominal, o correto é 'risco de se estragar'. As imagens é que estavam se estragando, elas não estavam produzindo danos em outras coisas... Na página A 10 da mesma edição, li esta manchete: ‘Se­te em dez eleitores não lembram voto'. Corrigindo: 'não se lembram do voto'. Outra pergunta: a ‘Folha’ está com vergonha de usar, de modo correto, os nossos verbos pronominais?".
Chegou às minhas mãos, em seguida, uma carta de Luiz An­tonio Del Tedesco, da seção “Painel do leitor”, agradecendo o envio da crítica e com esta explicação:
"Pedimos desculpas por não tê-la publicado. É que recebemos no período um volume expressivo de correspondência. Esperamos con­tar com a sua colaboração em outra oportunidade."
Tranquilo, porém não abúlico, mandei esta resposta acachapante ao senhor Tedesco:
            "Recebi a sua carta formal. A desculpa clorótica, fraquinha, de muletas, não me convenceu, pois apontei dois graves erros de português numa só edição da “Folha” e o seu jornal tem a obrigação moral de os reconhecer, publicando a minha crítica. Em vez disso, de maneira insensata, o colega decidiu optar pelo silêncio, pela omissão. Os leitores da “Folha”, portanto, foram obrigados a engolir os erros berrantes”.

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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

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