Admiro o
espírito democrático de Otávio Frias Filho. Eu o critiquei por causa de um
artigo de sua autoria sobre a Academia Brasileira de Letras, intitulado
“Imortais", e enviei-lhe uma cópia do meu texto. Otávio permitiu que o texto fosse publicado na edição de
8 de abril de 2000 da “Folha de São Paulo”. E na edição de 22 de abril de 2005
desse jornal, apareceu outra crítica de minha lavra ao Otávio. Reproduzo o
início da catilinária, publicada na seção "Painel do Leitor":
"Creio
que Otávio Frias Filho, diretor editorial da ‘Folha’, deveria ser
mais enérgico, pois o caderno Mais! está se tornando muito pesado, tedioso, americanófilo. Quem
o lê, logo boceja.”
Após
afirmar isto, prossegui:
"Na
sua edição de 1/4, por exemplo, quase tudo é dos Estados Unidos. Na página 2, notícia sobre um DVD duplo
lançado no país do Bush. Na página 3, texto
sobre um livro do Donald Davidson, publicado nos EUA. Nas páginas 4,5 e 6, uma
entrevista palavrosa e chatíssima concedida pela escritora americana Camille
Paglia (cuja foto, aliás, ocupa toda a primeira página do Mais!) Ainda
na página 6,
um poema anêmico, em
inglês, do americano Fredric Jameson. Na página 9, em outro artigo, uma citação
do ‘New York Times Magazine’. E, além disso, por que dar tanto espaço a uma
escritora americana? Espaço que a ‘Folha’ nunca deu a uma escritora brasileira.
"
Em
resumo, a “Folha de S. Paulo” sempre publicou
todas as minhas críticas, sem as capar, sem as desvirilizar, sem as transformar
em eunucos do harém do sultão Harum AI Rachid. Há poucas semanas, entretanto,
numa única edição desse jornal, dois petulantes erros gramaticais me
impressionaram. Cumprindo o meu dever de zeloso inspetor escolar da Língua
Portuguesa, sedutora matrona amada por mim (amor não correspondido, segundo o boquirroto Diogo Mainardi),
eu enviei esta crítica à seção "Painel do leitor":
“Mas o que está
acontecendo com a bela ‘Folha de S. Paulo’?
Ela quer ficar feia? Agora não sabe mais empregar os verbos pronominais da
língua portuguesa? Logo na primeira página da edição de 7/5 encontrei esta
frase: ‘...a
Prefeitura de São Paulo começou a digitalização de 8.000 imagens que corriam risco de estragar’.
Eu pergunto: estragar o quê? Como estragar é um verbo
pronominal, o correto é 'risco de se estragar'. As imagens é que
estavam se estragando, elas não estavam produzindo danos em outras coisas... Na
página A 10 da mesma edição, li esta manchete: ‘Sete em dez eleitores não
lembram voto'. Corrigindo: 'não se lembram do voto'. Outra pergunta: a ‘Folha’
está com vergonha de usar, de modo correto, os nossos verbos pronominais?".
Chegou
às minhas mãos, em seguida, uma carta de Luiz Antonio Del Tedesco, da seção
“Painel do leitor”, agradecendo o envio da crítica e com esta explicação:
"Pedimos
desculpas por não tê-la publicado. É que recebemos
no período um volume expressivo de correspondência. Esperamos contar com a sua
colaboração em outra oportunidade."
Tranquilo,
porém não abúlico, mandei esta resposta acachapante ao senhor Tedesco:
"Recebi a sua carta formal. A
desculpa clorótica, fraquinha, de muletas, não me convenceu, pois apontei dois
graves erros de português numa só edição da “Folha” e o seu jornal tem a obrigação
moral de os reconhecer, publicando a minha crítica. Em vez disso, de
maneira insensata, o colega decidiu optar pelo silêncio, pela omissão. Os
leitores da “Folha”, portanto, foram obrigados a engolir os erros berrantes”.
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Escritor e jornalista,
Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos
Dumont, lançado pela HaperCollins.
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