Critiquei os erros de português do Josué Montello no meu livro “A Academia do fardão e da
confusão”, lançado pela Geração Editorial, e que descreve a verdadeira história da
Academia Brasileira de Letras. Reconheci, nessa minha obra: o Josué era um
escritor de talento. Ele morreu há dois meses e agora devemos respeitar a sua
memória. Pelo fato de pensar assim, fiquei chocado ao ler a seguinte notícia,
publicada na edição do dia 12 de março de 2006, do jornal “O Globo”:
"Um animal
literário, foi esta a imagem usada pelo secretário geral da Academia
Brasileira de Letras, Cícero Sandroni, para definir o acadêmico Josué Montello, morto na
noite de quarta-feira e enterrado no mausoléu da ABL, no cemitério São João
Batista."
A língua
portuguesa, rica, plástica e eufônica, é ótima para a criação de imagens, mas
francamente, chamar de animal um acadêmico falecido, não me parece coisa de bom
gosto. Comparar uma pessoa a um animal, de maneira simples, direta, pode
equivaler a um insulto, pois na natureza vemos bichos de todos os tipos, como o
pavão, símbolo da vaidade; o rato, símbolo
do
roubo e da gula insaciável; o burro, símbolo da burrice e da teimosia; a
serpente, símbolo da traição; o porco,símbolo da sujeira; a hiena, símbolo da
parasitismo; o escaravelho, símbolo da
atração mórbida pela carne podre dos cadáveres.
Mas é verdade que às
vezes o nome de um animal, unido ao nome de um ser humano, transmite a este ser
mais brilho, mais realce. Citemos Rui Barbosa. Representante do Brasil na 2ª
Conferência Internacional de Haia, efetuada em 1907, esse eloquente baiano lá
se destacou entre as dezenas de delegados de outros países e, por causa disso,
recebeu a alcunha
de “A Águia de
Haia”.
Vulto
imperecível da literatura francesa, o escritor Bossuet (1627-1704), após se
tornar bispo de Meaux no ano de 1681, passou a ser conhecido como “A Águia de Meaux", graças à magnifica
eloquência dos seus sermões.
A águia é
uma forte, majestosa ave de rapina, com visão aguçada, e que paira nas grandes
alturas. No “Baghavad Gitã”, ela é o verbo divino. Símbolo da Rússia tzarista
até 1917 e do império austríaco até 1919, está presente no brasão dos Estados
Unidos. Se fosse apenas um animal predador, sem outras características, os
brasileiros não
teriam dado a Rui Barbosa o cognome de
“A Águia de Haia”, e os franceses, a Bossuet, o de
“A
Águia
de
Meaux”
Bem sei
que "animal literário” é apenas
uma expressão já
usada
algumas vezes, mas eu a considero infelicíssima. Cícero Sandroni, o destravado secretário da ABL, cujo
sorriso enjoativo me lembra o sabor de um mel com excesso de açúcar,
rotulando o Josué Montello de "animal literário”, logo
espicaçou o meu sarcasmo.
Peço ao
Cicero para
assumir uma pose ciceroniana, a fim de declamar comigo estes versos de Pedro
Diniz, poeta português, do século XIX:
“Relincha
o nobre cavalo,
os
elefantes
dão urros,
a tímida ovelha bala,
zurrar é próprio
dos burros.”
Nestes
versos não aparece o “animal literário”. Como é o som dele? Eu gostaria de saber se a sua voz é idêntica ao
mugido da vaca ou
ao rosnado do cachorro, ao pio da coruja ou ao ornejo do burro, ao gó-gó da
galinha ou ao guincho do rato, ao chem-chem do urubu ou ao ronco do porco, ao
rã-rã do sapo ou
ao zum-zum do mosquito,
ao quá-quá do ganso ou ao memé-memé do cabrito...
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Escritor e
jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio
de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.
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