(“The sovefeignty of man lieth in his knowledge”)
Francis Bacon (1561-1626), ensaísta e filósofo
inglês, na sua obra “Praise of knowledge”
Eduardo Larrigue Berthold, residente em
Alegrete, no Rio Grande do Sul, enviou-me uma carta na qual reproduziu esta
quadra, composta pelo juiz gaúcho Afif Jorge Simões:
“Julgar
briga de patrão
É coisa
que não me apraza.
O que me
preocupa, isso sim,
São as
bombas lá em Gaza”
O juiz-poeta escreveu-a para comentar uma ação
de danos morais, movida por um empresário. Leitor assíduo da nossa coluna,
Eduardo quer saber se os versos da quadra estão corretos.
Na minha opinião, se o doutor Afif tivesse
empregado o verbo aprazer e não o
verbo aprazar, a sua quadra ficaria irreprochável. Gostou deste adjetivo,
Eduardo? Significa o que não merece crítica, o que é impecável. Vem do
vocabulário francês reproche
(afronta, opróbrio, vitupério, censura). Aliás, em português há o substantivo reproche, como sinônimo de repreensão, e Machado de Assis o
utilizou no livro “Papéis avulsos”. Os puristas condenam a palavra irreprochável, por se tratar de um
galicismo, e desejam que ela seja substituída pelos adjetivos impecável ou irrepreensível. Eu a usei porque centenas de palavras do nosso
idioma são oriundas da pátria do presidente Nicolas Sarkozy, bastando citar as
seguintes: assembleia, avenida, banalidade, bastardo, bicicleta, bijuteria,
blusa, boné, brochura, cabotino, camelô, carnê, cavanhaque, chalé, chantagem,
chofer, chefe, chique, claque, cliente, cobaia, colibri, creche, cretino,
deboche, decalque, departamento, detalhe, elite, empresa, etiqueta, filé,
finanças, folia, gafe, galante, garagem, gravata, guardanapo...
Chega! Parei nas palavras de origem francesa
que começam com a letra g. Ora, se
todas elas já se incorporaram ao rico acervo da língua portuguesa, agora
pergunto: por qual motivo devemos eliminar o emprego do irreprochável? Então, se for assim, não convém mais usar as
palavras que enfileirei acima. É uma questão de lógica. Detesto preconceitos de
qualquer tipo. Se eu fosse solteiro e me apaixonasse por uma mulher
completamente verde ou azul, ou vermelho, juro, não hesitaria em desposá-la.
Endosso esta frase de Voltaire, colocada no seu “Dictionnaire philo sophique”:
“O preconceito é uma opinião sem julgamento”.
(“Le
préjugé est une opinion sans jugement”).
Todavia, voltando à quadra do juiz Afif Jorge
Simões, repito que ele acertaria se tivesse usado o verbo aprazer (transitivo ou transitivo indireto), que significa agradar, interessar, causar prazer,
em vez do verbo aprazar (transitivo
direto), que significa marcar prazo
ou fixar, ajustar, combinar.
Declarou o meritíssimo:
“Julgar
briga de patrão
É coisa
que não me
apraza”.
O correto deve ser deste modo:
“É coisa
que não me apraz”.
Ele enfiou o apraza na quadra para rimar com Gaza:
“O que me
preocupa, isso sim,
São as
bombas lá em
Gaza”.
Por favor, meritíssimo, não me processe devido
a este reparo. E ofereço ao senhor, com o intuito de enriquecer a sua cultura
literária e gramatical, uma frase do grande escritor português Camilo Castelo
Branco, onde existe o correto emprego do verbo aprazer:
“Apraz-me
tudo que te contenta”.
(“Amor de salvação”, capítulo XVII)
* * *
Luísa Isabel Soares de Moura, estudante de
Jornalismo no Rio de Janeiro, estranhou a crítica de Aluizio Maranhão e da sua
equipe a esta passagem do comentário “Caminho natural”, publicado na edição do
dia 6 de fevereiro do presente ano no jornal “O Globo”:
“Mas se é para falar de evolução, não há por
que não usar aqui, o que se vê nas democracias mais avançadas”.
Aluizio e o seu grupo de onbudsmans garantem
que aí falta uma vírgula depois do mas
e que a vírgula junto do aqui foi mal
usada. Argumento do grupo: o trecho deve ser corrigido por ser uma
“circunstância interposta”. Vejam como esses daltônicos policiais da língua
portuguesa querem a construção da frase:
“Mas (vírgula)
se é para falar de evolução não há por que não usar aqui (sem vírgula) o que se vê nas democracias mais avançadas”.
De fato a segunda vírgula é desnecessária,
porém a tal “circunstância interposta” é uma besteira, um pernosticismo. Não é
preciso colocar a vírgula depois do mas,
pois ali ela seria um tropeço, um calhau, prejudicaria a fluência da frase.
Somente deve haver vírgula depois do mas
quando o seguimento lógico da oração é interrompido. Lei da estilística. Se o
critério do Aluizio se mostra correto, Camões errou ao escrever isto na estrofe
quinta do canto I de “Os Lusíadas”:
“Mas de
tuba canora e belicosa,
Que o
peito acende e a cor ao gesto muda”.
Eis como ficaria a desastrada correção do
Aluizio e dos seus fiscais:
“Mas
(vírgula) de tuba canora”...
Acreditem, se aceitarmos a censura lelé da cuca
dos onbudsmans do excelente jornal do Marinhos, teremos de admitir que o
corritíssimo Camões persistiu no erro, pois não meteu uma vírgula depois do mas na estrofe trinta e seis do canto I
do seu soberbo poema?
“Mas
Marte, que da deusa sustentava
Entre
todas as partes em porfia...”
Teimoso, incorrigível, o épico luso ainda se
atreveu a parir estes três versos na estrofe trinta e nove do canto I da sua
obra-prima:
“Mas esta
tensão sua agora passe,
Porque
enfim vem de estômago danado
Que nunca
tirará alheia inveja”
Camões, imortal vate/zarolho, não grudou – ò
crime teratológico! – uma vírgula neste último mas e nos outros de “Os Lusíadas”. Portanto violou uma lei
gramatical do Aluizio Maranhão e da equipe que ele chefia, lotada no
Departamento de Ordem Política e Social da Língua Portuguesa (DOPSLP).
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