-Fernando, além de ser muito linda, a
minha cama é deliciosa!
Apaixonei-me por ela, e tanto, tanto, que fico horas e
horas deitado, sem a
intenção de abandoná-Ia.
Vários homens amaram as
suas camas como se estas fossem mulheres.
Certos leitos, aliás, com os seus colchões macios, parecem ter uma natureza
feminina.
Joseph Plumer, um americano de
Rochester, ao ver que os pais se recusavam a dar-lhe o consentimento para se
casar, meteu-se na cama e nunca mais a deixou. Viveu desse modo
durante quarenta e quatro
anos, até morrer. E gozava de boa saúde...
Um alemão excêntrico, Frirz BabeI,
da cidade de Munique, ambicionando conservar a saúde, ficou sessenta anos na
sua cama.
Os filósofos Descartes (1596-1650) e
Leibniz (1646-1716) gostavam de meditar nos seus leitos, em posição
horizontal. Ambos queriam que o cérebro
e o coração se encontrassem no mesmo nível, porque assim a corrente sanguínea poderia chegar sem
obstáculos à massa encefálica. Eles amavam as respectivas camas, como o meu
amigo Henrique ama a sua.
Músico dotado de sutilíssimo
colorido melódico Rossini (1792-1868) compôs na cama quase todas as suas
óperas, inclusive “O barbeiro de Sevilha”.
A
cama foi e ainda é uma leal amiga dos escritores
célebres. Ela lhes
proporciona paz, segurança, conforto, e assemelha-se, sob este aspecto, a barco
vigoroso que em mares agitados conduz um ser frágil a abrigo seguro.
Voltaire
(1694-1778), exibindo velho gorro de lã na cabeça ossuda, permanecia horas
seguidas na cama, pois ele era vítima, segundo afirmava, de mais
de oitenta doenças, como, por exemplo,
sarna, gota, constipação,
gripe, varicela, erisipela, reumatismo, disenteria, hidropisia, hemorroida,
fluxo do peito, encolhimento dos nervos, etc, etc. Esquelético, bem
agasalhado, Voltaire sentia-se mais forte na cama, a fim de enfrentar as tais
enfermidades...
O
romancista inglês Charles Dickens (1812-1870)
vivia sempre preocupado, por causa
da sua cama. Se esta não estivesse com a cabeceira voltada na direção do norte,
ele não conseguia dormir direito. Quando o autor de “David Copperfield”
viajava, ao hospedar-se em qualquer hotel, recorria a uma bússola para mandar
colocar a cama na posição desejada.
Aquecido na cama, em quarto com forros de
cortiça à prova de som, o romancista
francês Marcel Proust (1871-1922), sujeito
a constantes acessos de asma, começou a escrever em 1913 a obra-prima que o
imortalizaria: “Em busca do tempo perdido” (“A la recherche du temps perdu”).
Filho de mãe brasileira, o
escritor uruguaio Juan Carlos Onetti (1909-1994), autor do sombrio
romance “Juntacadaveres”, radicou-se na Espanha em 1975. Onetti passou os seus últimos anos na
cama, não devido a uma doença grave, mas sim por desânimo, amargura, desilusão.
Só tinha estas três companhias: a cama, o cigarro e a garrafa de
uísque.
Indiscutível,
a cama pode inspirar
os poetas. Afinal, é nela
que as suas musas mostram os encantos secretos, as curvas dos seios, das
ancas, das pernas, nas quais eles se perdem... O poeta Emilio
de Menezes (1866-1918) declara no
soneto “Noite de insônia”:
“Este leito que aí está revolto assim,
desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto,
Na ausência do teu corpo a que estava afeito,
Mudou-se, para mim, num leito de
Procuato..."
Figura
mitológica, Procusto era um bandido da Ática. Ele enfiava as suas vítimas numa
cama de ferro e cortava-lhes os pés, se excediam o comprimento da
cama, ou esticava-os com cordas.
Às vezes eu
sinto à vontade de lançar 06 nossos políticos corruptos no leito de Procusto.
Que Deus me perdoe!
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