sábado, 28 de setembro de 2019

AMAR, AMAR, AMAR


Não se morre apenas por velhice, doenças e outras causas. Morre-se também por amor. O verbo morrer, na sua forma pronominal, signi­fica finar-se, sofrer, intensamente. É um fato, o amor também mata, às ve­zes devagarinho e outras de modo rápido.
            Abandonado pela sua namorada, o filho do guarda da minha rua suicidou-se, ingerindo um veneno para ratos. Era bem jovem, tinha dezoito anos. Ficou um mês na UTI do hospital, entre a vida e a morte, com o estômago e o intestino dilacerados pelo veneno corrosivo.
            No minucioso “Nobiliário” do Conde D. Pedro e no “Livro velho das linhagens de Portugal” há referências à paixão de Pero Roiz por Maria Pais, esposa de D. Gonçalo Gonçalves. Impedido de possuí-la, o romântico Pero Roiz morre de amor. Júlio Dantas, escritor admirável, baseado nessa história verdadeira, produziu no ano de 1898 uma peça em quatro atos, intitulada “O que morreu de amor”, cuja ação decorre no século XIII, na cidade do Porto.
            Evocarei agora o amor infeliz dos amantes de Teruel. Na igreja­ de São Pedro dessa cidade aragonesa, dentro de dois ataúdes de madeira, contendo os restos de um homem e de uma mulher, foi encontrado no século XIV um documento em letras góticas. Esse documento narrava a história dos jovens Diego Marcilla e Isabel de Segura. Os dois cresceram jun­tos, amaram-se desde a infância. Moço pobre, Diego quis ser o marido de Isa­bel, porém o pai da jovem não permitiu. Só lhe daria a filha com uma condição: se o rapaz ganhasse muito dinheiro, no prazo de cinco anos. Isabel jurou que iria esperá-lo. Aceito o acordo, Diego viajou até Oriente, a fim de participar das Cruzadas, e lá os sarracenos o aprisionaram.
            Ao voltar a Teruel, um dia após o término do prazo, ele viu, assombrado, que a amada se casara. O moço conseguiu falar com ela. Re­provou-a, mas Isabel justificou-se: cumprira a ordem do seu pai. Então Die­go pediu a Isabel que lhe desse um último beijo. A jovem não o satisfez, pois desejava respeitar a sua condição de mulher casada.
            Desgostoso, imerso na mais profunda das tristezas, Diego Marcilla morreu poucas horas depois. Expuseram o seu cadáver no interior da Igreja de São Pedro. Transtornada, Isabel aproximou-se do ataúde e aplicou no rosto de Diego o beijo que lhe havia sido negado. Aplicou o beijo e tombou morta.
            As famílias de ambos decidiram enterrá-los juntos, porque unida ao amor sincero, a morte purifica tudo. O casal jaz, na igreja de São Pedro de Teruel, em dois magníficos sarcófagos de mármore. Nesse mármo­re que os representa, a mão esquerda de Isabel - a mão do lado do coração-­repousa na mão esquerda de Diego. Um quadro do pintor Antonio Muñoz Degrain, no Museu do Pra­do, mostra a morte de Isabel de Segura diante do cadáver de Diego Marcilla. Dramaturgos da pátria de Cervantes, como Tirso de Molina, Pérez de Montalbán, Francisco Luciano Comella e Eugênio Hartzenbusch, inspirados pela comovente história dos amantes de Teruel, escreveram peças que se tornaram famosas.
            Morrer por amor! Que coisa linda! Linda e triste. Como isto nos parece irreal, um sonho, nesta época tão afastada da espiritualidade, onde os sel­vagens apetites materiais predominam! Época do egoísmo, da hipocrisia, da traição, do mensalão, da vitória do canalha, do culto desvairado ao dinhei­ro, este deus sem ética que prefere favorecer os safados, os corruptos. Ho­je, quando uma pessoa honesta se enriquece, é devido à distração do deus dinheiro. Ele não estava olhando...
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.

2 comentários:

Luizmar Alves. disse...

Interessante!
Só mesmo o amor, consegue leva-los juntos
e de mãos dadas, para o além! Pensamento:
De Luizmar Alves.

Luizmar Alves. disse...

Interessante!
Só mesmo o amor, consegue leva-los juntos
e de mãos dadas, para o além! Pensamento:
De Luizmar Alves.