Sim, é isto mesmo, já tivemos um presidente
insano, lelé da cuca. O Brasil já foi governado por um louco. Narrei tal fato
no segundo volume da minha obra “Getúlio Vargas e o seu tempo”, que me custou
quase trinta anos de pesquisas.
Delfim
Moreira ocupou a presidência da República em 1918, após a morte de Rodrigues
Alves. Ele desembarcou no Rio de Janeiro, esclareceu Joaquim de Salles, “mais
morto do que vivo”. De mísero aspecto, com tez macilenta, olheiras profundas e
"debilidade gritante", parecia incapaz de se manter quinze dias
naquele cargo. Frisa o citado memorialista:
“Delfim fora atingido pelos botes de uma
senilidade precoce”.
Afinal de contas, qual era a doença de Delfim
Moreira? No livro “A alma do tempo”, Afonso Arinos de Melo Franco menciona a
“progressiva incapacidade mental" desse presidente. Leal de Souza, numa
obra sobre Getúlio Vargas, é mais categórico:
“Louco, assinando papéis sem ler, ou lendo-os
sem compreendê-los, Delfim Moreira aguardava substituto, necessitando de um
manicômio.”
Dois embaixadores, Heitor Lyra e Jayme de
Barros, evocaram este caso, o primeiro no livro “Minha vida diplomática”, onde
se refere aos sintomas iniciais da doença de Delfim, moléstia que pouco depois
o deixaria "apatetado” e "irresponsável", até mesmo
“reconhecidamente demente”, e o segundo também nas suas memórias, intituladas
“Chão de vida”, nas quais acentua que ele, Delfim Moreira, conforme se dizia,
mostrava-se sujeito “a imprevistas perturbações mentais, interrompendo
conversas sérias com perguntas alheias ao assunto, todas surpreendentes".
Quem governava o Brasil, sendo uma espécie de
“eminência parda" - tal notícia se ouvia no meio político - era Afrânio de
Melo Franco, mineiro como Delfim e ministro da Viação e Obras Públicas.
Narra
José Eduardo de Macedo Soares que, certa vez, ele foi ao Palácio do Catete, em
companhia de Rui Barbosa. Ambos, com audiência marcada, dirigiram-se à
ante-sala do gabinete do presidente, ali permanecendo por certo tempo. José
Eduardo notou uma coisa: a porta do gabinete se entreabria e se fechava
de instante a instante. O movimento se repetiu várias vezes, sem inspirar a Rui
qualquer comentário. Às subitas, porém, a porta se escancarou e o próprio
Delfim Moreira apareceu:
-Boa
tarde, senhor conselheiro, queira entrar, por favor.
Logo
após a audiência, segurando o amigo pelo braço, Rui Barbosa pronunciou estas
palavras, diante da sede do governo:
-Você viu, José Eduardo, os movimentos daquela
porta? Pois é! Até um pobre alienado pode ocupar a presidência da República. A
mim, só a mim, negam-me esse direito.
Um
fato havia produzido forte abalo no sistema nervoso do presidente, explica o
jornalista João Lima: a notícia de que o surpreenderam em “colóquio
amoroso”, com uma professora pública. Esta se suicidara, devido as proporções
do escândalo, e Dormund Martins, no vespertino “A Lanterna”, abriu colunas para
comentar o assunto, dando mais munição ao arsenal dos linguarudos.
Ai temos, não resta dúvida, nessa perturbação mental
do político mineiro, um episódio muito importante, suprimido de todos os
compêndios de história do Brasil. Muito importante, sim, porque ele era o chefe
do Executivo, e compete-nos indagar se a sua doença influiu nos destinos do
nosso país.
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